O que significa publicar psicanálise? Se é bem verdade que a doutrina de Freud consolidou-se primordialmente no decantado de um labor da letra que merece o nome de Obra, a multiplicidade de textos, livros e veículos por onde circulam reflexões em psicanálise exige, hoje, atenção.
Um exame se mostra necessário diante das transformações da forma pela qual a psicanálise é publicada. Historicamente, as revistas eram plataformas indispensáveis para a veiculação da produção teórica dos psicanalistas — e, consequentemente, uma forma de divulgação de ideias, estabilização conceitual e internacionalização do movimento. Hoje, notamos um cenário bastante distinto. Com logísticas muito mais descomplicadas e módicas, o modelo “abra sua garagem” parece se tornar um padrão, lá onde a presença do outro para a legitimação da posição da autoria parece esvaziar-se.
Pode soar exagerado falar em crise publicacional, mas bastaria lembrarmos de uma leitura possível de Marx: crise nada mais é que o descompasso irrefreável entre produção e consumo; é quando as duas esferas se autonomizam. Nesse caso, seja pela hiperprodução ou pelo subconsumo, não há como escoar os excedentes que os ávidos por lucro geraram acreditando que consumidores são espécies que se reproduzem por partenogênese.
No caso da publicação em psicanálise, as redes sociais e as vendas de garagem criam a ilusão de que a hiperprodução há de ser escoada espontaneamente. Seja em postagens bonitas ou textos bombásticos, o subconsumidor fica mais vulnerável ao impacto imediato e irrefletido de ser apresentado a esse tipo de performance imagética do que disposto a fazer desse novo padrão um objeto de reflexão. Afinal, uma vez que o feed se encarrega de fazer desaparecer dos olhos imagens e palavras em questão de segundos, em breve encontraremos sérias dificuldades para afirmar como se produz uma Obra no nosso tempo. ♦