O que significa ter uma consciência mestiza no país da falsa democracia racial?

por Annelise Schwarcz

Meu nome é Annelise de Jesus, ou seria, se no Brasil nossos sobrenomes fossem transmitidos de forma matrilinear. O que a Annelise de Jesus, mesmo sobrenome de Carolina Maria, faz? Aonde ela vai? O que ela pode? E o que não pode? Uma vez me disseram que os sobrenomes como de Jesus, Aleluia, dos Santos, do Espírito Santo, etc eram atribuídos aos ex escravizados que, uma vez alforriados, deveriam receber algum sobrenome, mas não possuíam nenhuma ascendência registrada nos cartórios brasileiros. Annelise de Jesus então seria meu nome que guardaria a memória de alforria. Dissolvido, apagado e embranquecido: meu sangue, minha pele e meus sobrenomes. No Brasil, raça e classe caminham de mãos dadas. Entro em espaços brancos com meu sobrenome branco, logo, desde que nada chame muita atenção posso fazer a manutenção do meu privilégio de pele clara.

Mas será… será… será se……… mas e se eu fosse de Jesus? E se o selo que me acompanhasse fosse o da má integração de ex escravizadas/os, ao invés de ser acompanhada pelo selo da imigração europeia e política de embranquecimento? Duas faces de um mesmo processo, mas raramente é possível ver as duas marcas ao mesmo tempo em um mesmo rosto.

Sinto que minha história pessoal reencena toda a história do país. Sinto que encarno, nessas contradições, todo conflito da mestiçagem e de um projeto de país, do fracasso do projeto, do sucesso do projeto, de um Brasil com S, de um Brazil com Z, de um Brasil elevador de serviço, de um Brasil porta da frente, de um Brasil ”você sabe sambar?”, da comissão de frente de uma escola de samba de um de um de um… país fragmentado e falsamente integrado.

*

Mas aí é que tá: meu nome não é nem poderia ser Annelise de Jesus mesmo que se seguisse uma matrilinearidade. Eu nunca vou ter acesso ao meu verdadeiro sobrenome matrilinear porque os nomes das mulheres da família já foram apagados. O que eu consigo fazer é ir no primeiro nome de solteira que eu encontrar de alguma figura feminina da linha matrilinear. Isso ou uma autoficção. Do contrário, a história com outro nome morre na raiz. Já foi interceptada. Natimorta. Deixemos isso de lado e passemos aos seguintes acontecimentos: políticas de embranquecimento e fenótipos miscigenados.

No final do século XIX, o Brasil atravessava uma série de transformações socio-políticas, dentre elas a abolição da escravidão (1888) e a proclamação da república (1889).[1] Nesse mesmo período, a imigração europeia no país se acentuava com a urbanização e industrialização, passando inclusive a ser incentivada pelo governo brasileiro a fim de “limpar o sangue” da nação, resultando no embranquecimento e apagamento das raízes negras e indígenas da história do Brasil. Dentro da hierarquia instaurada pelo colorismo, em um patamar superior em relação às pessoas negras retintas ou com traços indígenas mais evidentes, estão aquelas pessoas cujo os fenótipos foram se tornando “mais finos” – ou seja – mais brancos e mais semelhantes com os traços europeus.

Mas diferentemente do que houve em países onde a segregação entre raças era evidente, prescrita pelas leis vigentes, e o discurso racista era explícito, no Brasil a desigualdade foi internalizada como natural. Fronteiras invisíveis, mas muito bem delimitadas, se configuraram de forma que não é preciso que se reforce a quais espaços e atividades a/o negra/o ou a/o indígena não pertencem. Como Lélia Gonzalez – pensadora brasileira, ativista feminista e antirracista, membra do grupo de fundadores do Movimento Negro Unificado (MNU) – sempre reforça ironicamente em seus textos, citando o humorista Millôr Fernandes, “não há racismo no Brasil, porque o/a negro/a sabe o seu lugar”. Em A categoria político cultural de amefricanidade (1988), Gonzalez diagnostica:

Quando se analisa a estratégia utilizada pelos países europeus em suas colônias, verifica-se que o racismo desempenhará um papel fundamental na internalização da “superioridade” do colonizador pelos colonizados. E ele apresenta, pelo menos, duas faces que só se diferenciam enquanto táticas que visam ao mesmo objetivo: exploração/opressão. Refiro-me, no caso, ao que comumente é conhecido como racismo aberto e racismo disfarçado. O primeiro, característico das sociedades de origem anglo-saxônica, germânica ou holandesa, estabelece que negra é a pessoa que tenha tido antepassados negros (“sangue negro nas veias”). De acordo com essa articulação ideológica, miscigenação é algo impensável (embora o estupro e a exploração sexual da mulher negra sempre tenham ocorrido), na medida em que o grupo branco pretende manter sua “pureza” e reafirmar sua “superioridade”. Em consequência, a única solução, assumida de maneira explícita como a mais coerente, é a segregação dos grupos não brancos. […] Já no caso das sociedades de origem latina, temos o racismo disfarçado ou, como eu o classifico, o racismo por denegação. Aqui, prevalecem as “teorias” da miscigenação, da assimilação e da “democracia racial”. A chamada América Latina, que, na verdade, é muito mais ameríndia e amefricana do que outra coisa, apresenta-se como o melhor exemplo de racismo por denegação. […] Trata-se de uma reflexão que nos permite compreender como esse tipo específico de racismo pode se desenvolver para se constituir numa forma mais eficaz de alienação dos discriminados do que a anterior.[2]

O que nos leva  à questão da “democracia racial”. Talvez, justamente por viver a ilusão de uma harmonia entre as três raças ou do paraíso da mestiçagem onde todos são iguais, homens e mulheres beneficiados por essa falácia tornam-se especialmente resistentes a se implicarem na luta antirracista. Ignoram que o projeto de “embranquecimento” da população brasileira se deu a partir, muitas vezes – embora tenham havido fortes movimentos de resistência –, com o estupro de mulheres negras e mulheres dos povos originários, e que se hoje os traços e as histórias dessas mulheres estão obliterados, é porque esse projeto foi vendido e comprado como desejável para toda uma nação. A incorporação de tal ideologia à subjetividade hegemônica teve como consequência a construção de um entrave para a mobilização dos movimentos relacionados às minorias raciais, uma vez que muitos indivíduos pertencentes aos grupos não-brancos não se identificam como homens e mulheres marcados como racializados, assim como muitas pessoas não reconhecem o racismo em seus atos. Diante do racismo à brasileira – disfarçado pela denegação e cordialidade –, como se reconhecer como racializada/o ou discriminada/o e se insurgir contra o racismo? Como combater um mecanismo introjetado e maquiado pelo véu da “democracia racial”?

O desafio que se impõe é a conquista da consciência racial. O que significa ser negro neste país? O que significa ser branco? E quem é quem? Ao se falar de raça no Brasil, é frequente as comparações com o debate racial nos Estados Unidos, pois os Estados Unidos têm uma longa história contra a miscigenação e a favor da segregação que fazem com que não seja difícil reconhecer uma pessoa de cor. Diferentemente do que ocorre no Brasil, onde projetos de incentivo à imigração e embranquecimento da população tornaram difícil, para pessoas cuja genealogia foi mais diretamente marcada por esses processos, se entender racialmente. Assim como podemos verificar esse paralelo nos textos de Gonzalez, é a mesma comparação que vai elucidar as análises de Oracy Nogueira ao definir seus conceitos de “preconceito de origem” e “preconceito de marca”, sendo o primeiro associado aos Estados Unidos e o segundo ao Brasil.

No país da one drop rule[3], basta ter uma gota de sangue negro para uma pessoa ser considerada negra. Ou seja, a filiação a um grupo de cor se dá geneticamente e, consequentemente, o preconceito que essas pessoas sofrem se referem à origem – à ancestralidade – de um indivíduo independentemente dos traços físicos. No Brasil, por sua vez, a filiação a um grupo marcado como racializado se dá fenotípicamente. Ou seja, para que uma pessoa seja considerada negra ou indígena, é preciso que ela tenha traços negros ou indígenas, podendo esses serem mais evidentes ou mais atenuados dependendo do grau de miscigenação. Dessa forma, o preconceito que essas pessoas sofrem se dá pelas marcas que carregam. Isso tem nos acarretado alguns problemas, pois como demonstra Oracy Nogueira:

Onde o preconceito é de marca, como no Brasil, o limiar entre o tipo que se atribui ao grupo discriminador e o que se atribui ao grupo discriminado é indefinido, variando subjetivamente, tanto em função dos característicos de quem observa como dos de quem está sendo julgado, bem como, ainda, em função da atitude (relações de amizade, deferência etc.) de quem observa em relação a quem está sendo identificado, estando, porém, a amplitude de variação dos julgamentos, em qualquer caso, limitada pela impressão de ridículo ou de absurdo que implicará uma insofismável discrepância entre a aparência de um indivíduo e a identificação que ele próprio faz de si ou que outros lhe atribuem. Assim, a concepção de branco e não-branco varia, no Brasil, em função do grau de mestiçagem, de indivíduo para indivíduo, de classe para classe, de região para região.[4]

A partir desse parágrafo, gostaria de deixar de lado as questões relacionadas aos processos que pavimentaram as atuais condições das/os mestiças/os desse país e focar na resultante histórica da/o mestiça/o enquanto um sujeito do limiar. Para além do debate macropolítico, quero me ater à psique do sujeito mestiço. Como pretendo estabelecer esse debate em terras brasileiras, a/o mestiça/o em questão não é apenas geneticamente mestiça/o, pois isso todos somos e estamos cansadas/os de saber em que tipo de posição política essa abordagem do problema desemboca. O meu sujeito, alvo deste estudo, é fenotipicamente mestiça/o, ou seja, possui traços ambivalentes e suas marcas confundem as/os interlocutores. É difícil amarrar uma identidade racial para esse sujeito porque, como nos mostra Oracy Nogueira, as leituras de suas marcas receberão interpretações distintas de acordo a classe do sujeito mestiço, a região em que cresceu, a região onde se está, suas afinidades, companhias, atividades, estética e mais uma série de variáveis que também devem ser levadas em consideração no que diz respeito a esse outro – responsável pela leitura – que busca encaixar o sujeito mestiço em determinado grupo racial. Ou ainda, nem mesmo esse sujeito, portador dos marcadores ambíguos, será capaz de se identificar racialmente.

Lábios carnudos? Negra. Mucosa rosa? Branca. Cabelo crespo? Negra. Pele clara? Branca. Nariz de batata? Negra. “O que você é, afinal?” “Mistério (para mim e para o outro)”. A pessoa mestiça, sujeito do limiar entre as raças, desorienta as cartografias com as quais estamos familiarizados e desafia seu adequamento às categorias de raça pensadas de forma “pura”. Mas mais do que isso: a/o mestiça/o escancara o ridículo do biologismo que sustenta as ficções de racializado. Não só das raças miscigenadas, mas de todas as raças incluindo as ditas “puro sangue”.

No país da falsa democracia racial, existem benefícios em ter a pele clara e fenótipos que, por vezes, podem fazer com que esse sujeito obtenha acesso a privilégios restritos à branquitude. No entanto, gostaria de me ater à angústia que advém da falta de (re)conhecimento racial. É o meu caso. São inúmeras as memórias que carrego das diferentes leituras que fazem de mim. Toda uma vida marcada pelo limbo racial, por esperar que alguém venha de fora e me diga o que está vendo, pois eu mesma não me sentia autorizada a reivindicar nenhum posicionamento. Incapazes de fazer uma leitura total, sempre observo as pessoas apegadas a objetos muito parciais do meu corpo. Biologismos rasos que só me provam como os dispositivos de racialidade operam de forma arbitrária, dependendo da vivência e do olhar de cada um.

Estou falando de uma experiência mestiça, uma forma mestiça de pertencer às categorias e de transitar no mundo. Isso não é exatamente novo. Gloria Anzaldúa, no contexto estadunidense, propõe uma consciência mestiza: Uma consciência marcada por uma síntese impossível entre referenciais distintos. No caso de Anzaldúa, a autora parte de sua experiência enquanto chicana para formular o ser mestiça e, em seguida, a consciência mestiza. Chicana/o é alguém que nasceu nos E.U.A., filha/o de pais mexicanos. Também é comum que seja utilizado para se referir a alguém que imigrou para os E.U.A. vindo do México. De qualquer forma, trata-se de uma experiência de atravessamento de fronteiras. Nascida em 1942, filha de mãe mexicana indígena e pai espanhol, Anzaldúa nasceu mestiça: mexicana para os estadunidenses, e vista como estadunidense entre os mexicanos. É a partir da identidade fraturada e da paisagem recortada por fronteiras que se insere a produção de Anzaldúa. Em uma entrevista com Ana Louise Keating, a autora explica a genealogia do termo da seguinte maneira:

“Sim, sou chicana, mas isso não define quem eu sou. Sim, sou mulher, mas isso também não me define. Sim, sou lésbica, mas isso não define tudo que sou. Sim, venho da classe proletária, mas não sou mais da classe proletária. Sim, venho de uma mestiçagem, mas quais são as partes dessa mestiçagem que se tornam privilegiadas? Só a parte espanhola, não a indígena ou negra.” Comecei a pensar em termos de consciência mestiza. O que acontece com gente como eu que está ali no entre-lugar de todas essas categorias diferentes? O que é que isso faz com nossos conceitos de nacionalismo, de raça, de etnia, e mesmo de gênero?[5]

A qualidade mestiça, enquanto mera condição biológica ou aparência física, dá lugar a uma nova epistemologia à luz de um novo paradigma: uma consciência mestiza que recusa binarismos e opera a partir de conflitos, acolhendo as contradições e habitando os entrelugares das categorias que norteiam os debates de raça, gênero, sexualidades e classes. Por meio de seu procedimento de “arquetipificar” – como estou chamando seu gesto de produzir arquétipos –, Anzaldúa propõe que a mestiza seja uma figura arquetípica fundadora de uma outra lente para interpretar o mundo, que não aquela orientada pela racionalidade dicotômica que busca segregar atributos e categorias. A mestiza, consciente de sua posição, não é apenas uma figura geneticamente ou fenotipicamente mestiça, ela é alguém que possui consciência de que opera como ponto cego entre binarismos, não contemplada por nenhum dos eixos, ou ainda como a figura que se encaixa em duas ou mais categorias disponíveis, não sendo possível encaixá-la em somente uma sem deixar uma parte de fora. Como podemos conferir no parágrafo a seguir:

A ambivalência proveniente do choque de vozes resulta em estados mentais e emocionais de perplexidade. A contenda interior resulta em insegurança e indecisão. A personalidade dupla ou múltipla da mestiza é assolada por uma inquietude psíquica. Em um estado constante de nepantilismo mental, uma palavra asteca que significa partido ao meio, la mestiza é um produto da transferência de valores culturais e espirituais de um grupo para outro. Ser tricultural, monolíngue, bilíngue, ou multilíngue, falando um patois, e em um estado de transição constante, a mestiza se depara com o dilema das raças híbridas: a que coletividade pertence a filha de uma mãe de pele escura? […] Como todas as pessoas, percebemos a versão da realidade que nossa cultura comunica. Como outros/as que vivem em mais de uma cultura, recebemos mensagens múltiplas, muitas vezes contrárias. O encontro de duas estruturas referenciais consistentes, mas geralmente incompatíveis, causa um choque, uma colisão cultural.[6]

A mestiza é o resultado de múltiplos encontros: genéticos, históricos e culturais. Justamente por isso, desenvolve tolerância ao contraditório, pois frequentemente valores de uma cultura podem desencontrar os valores de outra cultura. Como vimos no caso de Anzaldúa, por exemplo, que recebe os valores indígenas de um lado, espanhóis do outro e ainda os valores dos estadunidenses. Distinguir entre o herdado, o adquirido e o imposto por cada uma dessas culturas seria um dos primeiros movimentos rumo a uma consciência mestiza. Seu trabalho é mapear traumas. No caso brasileiro, esse choque de culturas teria origem principalmente no encontro da cultura portuguesa com as culturas da diáspora africana e a cultura dos povos originários. Me interessa importar seu conceito e avaliar o que significa ter uma consciência mestiza no país da falsa democracia racial, onde a palavra “mestiço” imediatamente aviva memórias da violência colonial e muito dificilmente é possível avançar em direções diferentes neste debate uma vez que esses fantasmas são evocados. No que diz respeito à mestiçagem no Brasil, travamos no trauma. Sendo assim, é possível uma outra mestiça? É justamente repensando a figura da mestiza em sua cultura que Anzaldúa irá definir a nova mestiza do seguinte modo:

A nova mestiza enfrenta tudo isso desenvolvendo uma tolerância às contradições, uma tolerância às ambiguidades. Aprende a ser uma índia na cultura mexicana, a ser mexicana de um ponto de vista anglo-americano. Aprende a equilibrar as culturas. Tem uma personalidade plural, opera em um modo pluralístico nada é posto de lado, o bom, o ruim e o feio, nada é rejeitado, nada abandonado. Não apenas sustenta contradições como também transforma a ambivalência em uma outra coisa.[7]

Mais uma vez, podemos observar uma comparação entre o Brasil e os Estados Unidos. Se afirmar mestiza no contexto estadunidense não remove Anzaldúa do espectro de pessoas marcadas como racializadas. Lembremos da one drop rule: uma gota de sangue não branca te torna não-branco. O que Anzaldúa faz é afirmar não apenas a origem do grupo subordinado racialmente, mas afirmar a presença fenotípica, genética e cultural de múltiplos grupos e, a partir disso, refletir sobre a forma que essas diversas origens produzem marcas distintas no seu corpo e, consequentemente, no seu modo de ser, pensar e transitar no mundo. Por outro lado, se afirmar mestiça no Brasil a situaria, dentro do debate racial, no espectro de embranquecida. É por isso que opto por não traduzir o conceito de “mestiza”, tal como propôs Anzaldúa, para seu equivalente em português “mestiça”, pois apesar dos significantes aparentemente se traduzirem mutuamente, seus significados se referem a experiências radicalmente distintas em relação aos seus países de origem.[8]

A consciência mestiza proposta por Anzaldúa se refere a qualquer experiência do limiar, sejam eles limiares entre raças, classes, gêneros, religiões (sincretismos), etc. Muito tem sido debatido, no que concerne aos estudos queer, acerca da recusa aos binarismos e incentivo à proliferação de termos para se referir aos diferentes arranjos entre orientação sexual e identidade de gênero. No entanto, enquanto o debate de gênero tem sido absorvido por muitos movimentos brasileiros, no que tange o debate racial, tem havido um consenso em caminhar  no sentido oposto e buscar operar a partir de algumas poucas categorias, melhor delimitadas, e que evitem o ruído na identificação dos sujeitos. Tal quadro pode ser sintetizado no seguinte parágrafo:

Contudo, se diferentes termos são empregados no cotidiano para a classificação da cor, as categorias oficiais do censo demográfico limitam-se a cinco: brancos, pretos, pardos, indígenas e amarelos. Com exceção do censo populacional realizado em 1970, o censo brasileiro tem tradicionalmente incluído o item cor no questionário. Por outro lado, o termo negro, que tem sido cada vez mais utilizado tanto nos textos acadêmicos quanto na linguagem política e reivindicatória por direitos, não aparece como opção oficial. De acordo com Telles (2003), há três sistemas de classificação da cor operando conjuntamente ou isoladamente. São eles: a classificação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); os inúmeros termos empregados na cultura popular e a classificação bipolar negro e branco. Dessa perspectiva, alisar o cabelo na sociedade brasileira pode não ser visto apenas como um exercício de beleza, mas também pode ser considerado como um modo de mover-se na escala classificatória da cor, tornando-se menos negro.[9]

A citação acima é recortada do texto Carta de uma ex-mulata à Judith Butler, escrito por Angela Figueiredo. Nessa carta, Figueiredo discorre sobre como, no sentido racial, o Brasil sempre foi queer (2015, p. 160) devido à fluidez entre termos e o desafio de amarrar uma identidade racial que desse conta das diferentes leituras de marca que atravessam um sujeito assim como, consequentemente, os termos que o próprio sujeito irá utilizar para se referir a si mesmo. Na verdade, o que não faltam são nomes para se referir aos mestiços e isso não é de hoje. “Em 1976, o IBGE fez a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio em que deixou a categoria cor como uma pergunta aberta. Cento e trinta e seis cores diferentes foram registradas, que iam da acastanhada à vermelha”.[10]

A pesquisa de 1976 se tornou um marco e mesmo quase cinquenta anos depois ainda retornamos a ela quando queremos debater raça no Brasil. Intelectuais dos estudos raciais, nos últimos anos, convergiram para o entendimento de que  através desse censo se tornou evidente a negação da negritude, por parte da população, que busca se descrever através de eufemismos (morena jambo, bronzeado no sol, canela, etc) em vez de se identificar como pretos, pardos ou negros. No entanto, o que ressalta para mim, é que além de ter encontrado cem formas de não se afirmar negra, a população também encontrou cem formas de não se dizer branca (como encardido, puxado para o branco, etc). Ou seja, ainda que quisessem se embranquecer e afirmar um vínculo com a branquitude, essas pessoas sabem que existem nelas alguma marca que não permitiria se encaixar no ideal de branco. O que não significa que, apesar de negarem a negritude ao não se afirmarem negros, estão igualmente negando a branquitude ao não se afirmarem brancos: os motivos que os levam a se desindentificar com cada uma dessas identidades diferem. Me pergunto se, de alguma forma, não há nessas autoidentificações uma consciência mestiza que se insinua.

É certo que existe A Branquitude, enquanto um ideal, e existem as vastas expressões do ser branco no Brasil: brancos geneticamente mestiços, mas que não deixam de ocupar – ou reivindicar para si – as representações de brancura à imagem dos europeus. Esses sujeitos não interessam para essa discussão. Quero me ater ao sujeito do limiar entre essa branquitude mestiça e a negritude mestiça. Suspeito que o que está em jogo nesse limiar é a artificialidade dos dispositivos de racialidade que devem manter seu caráter de ficção oculto, a fim de se passarem como naturais e necessários. A figura do fenotipicamente mestiço é capaz de evidenciar, através da ambiguidade de seus marcadores e experiências, o quão sutil e arbitrário é a fabricação desse Outro por parte da branquitude. Penso que o que está em disputa é encontrar o termo que se refere à experiência de reconhecer que “algo não entra”, não se encaixa ou causa ruído nessas categorias, justamente porque é isso que poderá – no melhor dos casos – contribuir para erosão dessas construções que nos engessam em ficções de subalternidade.

O ruído não é uma posição fixa, não possui os mesmos nomes e sua face é alterada conforme mudam-se os consensos acerca de determinados assuntos. Por exemplo, ao entender as ex-mulatas como negras, expande-se a compreensão do ser negra, alarga o espectro do colorismo compreendido pela negritude e, como consequência, desenha-se um novo limiar: um novo sujeito, com outra face e nome, para ocupar a posição da dúvida. Observo a pergunta “quem é negra/ negro no Brasil?” seguir ecoando pelos quatro cantos do país, mas dessa vez, enunciada por novos rostos, com fenótipos frequentemente mais embranquecidos do que os da geração anterior, e buscando novos termos para dar conta de sua experiência do limiar. Expandir a compreensão de quem é negro não dilui a experiência do limiar e, citando Bruna Testi,

desconfio que a existência e resistência desse limiar, desse espectro que escapa de margens estruturantes, não se firma ao pacto da branquitude, mas desmantela os dispositivos de racialidade. A instabilidade desses padrões revelada pelos corpos mestiços além de denunciar o que há de artificial na coerência buscada pelo mito da democracia racial, reivindica pela visibilidade de processos apagados além de revelar o fracasso do projeto de “limpeza do sangue da nação”. Esse fracasso encarnado na mestiçagem é fundamental para que possamos acessar uma memória coletiva insistentemente apagada.[11]

Retorno à pergunta de Anzaldúa e a relanço: a que coletividade pertence a filha de mãe escura e pai branco? A que coletividade pertence o fenotipicamente mestiço? Recentemente, tenho observado um movimento de contemplar as pessoas de traços negros e pele clara dentro do grupo marcado como racializado evitando a palavra abjeta[12] “mestiço”: é o caso, por exemplo, de termos como “negra/o não retinta/o”. Esse termo convida ao acolhimento de miscigenadas/os entre brancas/os e pretas/os ao grupo negro, mas, ao que parece, tal termo depende de um determinado letramento no debate racial – tanto por parte de brancos como de não-brancos. Importante ressaltar que eu não acredito que haja simplesmente a possibilidade de ter ou não acesso ao Letramento; existem vários letramentos e distintas interpretações dos debates raciais, o que faz com que certos grupos adotem termos específicos – e acolham determinados sujeitos – enquanto outros grupos podem não reconhecê-los.

Não desejo reabilitar o termo “mestiço”. Acredito, como tentei argumentar até aqui, que isso contribuiria mais para diluir comunidades do que fortalecê-las e foi justamente abarcando os mestiços de pretos e brancos que a implementação de políticas públicas voltadas para as gentes negras foi viabilizada e segue avançando em conquistas. Não posso deixar de mencionar que, por mais paradoxal que seja, foi a consciência mestiza que me encaminhou para o processo de tornar-me negra. Trata-se de um posicionamento político, embora não deixe de perceber meus marcadores lidos como brancos e a influência que os referencias oriundos da branquitude tiveram e têm, ainda hoje, na constituição da minha subjetividade. Tal posicionamento pode ser melhor compreendido através da explicação da antropóloga argentina Rita Segato:

Numa sociedade destas características, ser negro significa exibir os traços que lembram e remetem à derrota histórica dos povos africanos perante os exércitos coloniais e sua posterior escravização. De modo que alguém pode ser negro e não fazer diretamente parte dessa história – isto é, não ser descendente de ancestrais apreendidos e escravizados –, mas o significante negro que exibe será sumariamente lido no contexto dessa história. […] Portanto, é o contexto histórico da leitura e não uma determinação do sujeito o que leva ao enquadramento, ao processo de outrificação. Por outro lado, ser negro como “identidade política” significa fazer parte do grupo que compartilha as consequências de ser passível dessa leitura, de ser suporte para essa atribuição, e sofrer o mesmo processo de “outrificação” no seio da nação.[13]

Tenho consciência de que a amarração dessa identidade é instável e que, por mais que eu não deseje negociar com a branquitude e com o apagamento dos traços negros que me constituem, não posso impedir que pessoas das quais eu não tenho acesso nem controle sobre as leituras que fazem sobre mim, me percebam como branca. Tenho consciência da passabilidade, da possibilidade de infiltração nesses meios, mas também tenho consciência das partes de mim que são exotizadas, erotizadas ou rejeitadas pelos meios brancos. Sei dos caminhos que chegam, sei dos que se afastam; Mas também tenho consciência da angústia, do conflito, da contradição, da sensação de impostora constante que me acompanhou sempre que tentei amarrar uma identidade racial e sei que nesse sentido – mais íntimo e existencial – não existe benefício em não se saber pertencente a um grupo ou a outro. Tenho uma consciência mestiza: consciência das ficções que me constituem e dos conflitos que elas engendram. Foi a experiência mestiça que instaurou a crise com os dispositivos de racialidade, exatamente por ter acesso a camadas e grupos para, em determinados momentos e a depender de quem está me lendo, esses acessos me serem negados. Nada é garantido e tudo muda. Isso independe da consciência que adquiro e dos termos que uso para me referir a mim mesma, pois esse é um jogo no qual eu não jogo sozinha: preciso do reconhecimento do outro. Suspeito, inclusive, que há muito mais de inconsciente do que de consciência envolvido nesses processos de conhecimento e reconhecimento.

*

Para Anzaldúa, é a consciência quem compreende padrões repetitivos, intervém, confronta tradições, cria novos modos, instaura uma nova cultura e, no caso da consciência mestiza, é a consciência que nada exclui. Pelo contrário: agencia a adição de elementos por mais conflitantes que estes sejam. Mas para Lélia Gonzalez, a consciência opera justamente no sentido oposto. Em seu texto Racismo e sexismo na cultura brasileira (1984),  Gonzalez afirma que “como consciência a gente entende o lugar do desconhecimento, do encobrimento, da alienação, do esquecimento e até do saber. É por aí que o discurso ideológico se faz presente. […] Consciência exclui o que a memória inclui”[14].

O Brasil é fundado sob múltiplas referências culturais e agentes históricos que, ao longo dos séculos, receberam diferentes investimentos. A colonização e as políticas que seguiram sendo implementadas, mesmo após a proclamação da república, fizeram com que os referenciais brancos se configurassem como hegemonia enquanto obliteravam os referenciais das culturas originárias e afro diaspóricas da construção do imaginário brasileiro. Mas Isso (Id) sempre volta do “exílio”. Isso nunca partiu ou foi apagado de verdade. Como afirma Gonzalez, em seu texto A categoria político-cultural de amefricanidade (1988): “Desnecessário dizer o quanto tudo isso é encoberto pelo véu ideológico do branqueamento, é recalcado por classificações eurocêntricas do tipo “cultura popular”, “folclore nacional” etc que minimizam a importância da contribuição negra”[15].

Trata-se, ao meu ver, de um exercício de investigação do inconsciente que nos constitui. Não pretendo, com isso, descartar envolvimento da consciência nesses processos, pois sabe-se que ambos os sistemas trabalham em cooperação e comunicação, mas pretendo, isso sim, trazer destaque também para a atuação do inconsciente nessa operação e mostrar de que forma os atributos mestizos, que Anzaldúa dedica à consciência, são possíveis de serem verificados também e ainda mais atuantes no sistema inconsciente, onde por definição[16] nada se nega, nada se exclui e os conflitos não se anulam.  Dessa forma, observando os fios que fui tecendo ao longo deste texto, gostaria de deixar registrado aqui uma intuição que pretendo elaborar posteriormente: a tese de que, além da consciência, o inconsciente também é mestizo.

REFERÊNCIAS:

ANZALDÚA, Gloria. Borderlands/ La frontera – the new mestiza. San Francisco: Aunt Lute Book Company, 1987.

ANZALDÚA. Interviews. Ed. Ana Louise Keating. New York: Routledge, 2000.

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FIGUEIREDO,  Ângela. Carta de uma ex-mulata à Judith Butler. Periódicus – Revista de estudos indisciplinares em gêneros e sexualidades. Salvador, v. 1, n. 3, mai.-out. 2015 ISSN: 2358-0844 – Disponível em: <http://www.portalseer.ufba.br/index.php/revistaperiodicus>

FREUD, Sigmund. “O Inconsciente” (1915). Trad. Themira de Oliveira Brito, Paulo Henriques Britto e Christiano Monteiro Oiticica sob a direção-geral de Jayme Salomão. In: Obras completas, v. XIV. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1974.

GONZALEZ, Lélia. “A categoria político cultural de amefricanidade” (1988). In: Por um feminismo afro-latino-americano: ensaios e diálogos; organização: Flavia Rios e Márcia Lima.   1º ed – Rio de Janeiro: Zahar, 2020.

GONZALEZ. “Racismo e sexismo na cultura brasileira” (1984). In: Por um feminismo afro-latino-americano: ensaios e diálogos; organização: Flavia Rios e Márcia Lima. – 1º ed – Rio de Janeiro: Zahar, 2020.

LIMA COSTA, Claudia de; ÁVILA, Eliana. Gloria Anzaldúa, a consciência mestiça e o “feminismo da diferença”. Revista Estudos Feministas – REF. Brasil, v. 13 n. 3, 2005. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/ref/a/R4rf3YG4z6ZMhTkLcVQQkPG/?lang=pt>

NOGUEIRA, Oracy. Preconceito racial de marca e preconceito racial de origem: Sugestão de um quadro de referência para a interpretação do material sobre relações raciais no Brasil (1955). Tempo Social Revista de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP). São Paulo, v. 19, n. 1,  pp. 287-308, novembro de 2006. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/ts/a/MyPMV9Qph3VrbSNDGvW9PKc/?format=pdf&lang=pt>

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SANTOS, Ynaê Lopes dos. Racismo brasileiro: Uma história da formação do país. São Paulo: Todavia, 2022.

SEGATO, Rita. “Raça é signo”. In: Série Antropologia. Brasília, 2005. Disponível em: <https://centroafrobogota.com/attachments/article/38/16639751-raca-e-signo.pdf>

SCHWARCZ, Annelise. Formas mestizas: novos rumos para um mundo por vir. Dissertação de mestrado orientada por Patrick Pessoa. Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal Fluminense – PFI/UFF. Niterói, 2023. Disponível em: <http://www.pgfi.uff.br/wp-content/uploads/2016/03/2023_Annelise_Schwarcz.pdf>


Filósofa, crítica de teatro e pesquisadora em feminismos e saberes decoloniais, Annelise Schwarcz é licenciada em Filosofia pela Universidade Federal Fluminense e mestra em Filosofia pela mesma instituição na linha de estética. Atualmente é doutoranda em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro pela linha de gênero, raça e colonialidade. Além de membra do GT Raça, Gênero e Classe da ANPOF, é também cofundadora do COGA.Lab (Coletivo Gloria Anzaldúa – Laboratório de Práticas Mestizas), onde ministra ciclos de leitura e oficinas de escrita. Contato: schwarczanne@gmail.com



[1] Para mais, veja o livro: SANTOS, Ynaê Lopes dos. Racismo brasileiro: Uma história da formação do país. São Paulo: Todavia, 2022.

[2] GONZALEZ, Lélia. “A categoria político cultural de amefricanidade (1988)”. In: Por um feminismo afro-latino-americano: ensaios e diálogos; organização: Flavia Rios e Márcia Lima.   1º ed – Rio de Janeiro: Zahar, 2020, p. 118.

[3] “Esta definição reflete a longa experiência com a escravidão e mais tarde com a segregação de Jim Crow. No Sul ficou conhecida como a “regra da gota única” (one drop rule), o que significa que uma única gota de “sangue negro” (black blood) faz de uma pessoa um negro [independente do seu fenótipo]. Também é conhecida como a “regra de um antepassado negro” (one black ancestor rule), alguns tribunais a chamaram de “regra da quantidade rastreável” (traceable amount rule), e antropólogos a chamam de “regra da hipodescendência” (hypo-descent rule), o que significa que pessoas racialmente mistas recebem o status de grupo subordinado.”
Disponível em: https://www.pbs.org/wgbh/pages/frontline/shows/jefferson/mixed/onedrop.html

[4] NOGUEIRA, Oracy. Preconceito racial de marca e preconceito racial de origem: Sugestão de um quadro de referência para a interpretação do material sobre relações raciais no Brasil (1955). Tempo Social Revista de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP). São Paulo, v. 19, n. 1,  pp. 287-308, novembro de 2006, p. 293. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/ts/a/MyPMV9Qph3VrbSNDGvW9PKc/?format=pdf&lang=pt>

[5] Tradução de citação por LIMA COSTA, Claudia de; ÁVILA, Eliana. Gloria Anzaldúa, a consciência mestiça e o “feminismo da diferença”. Revista Estudos Feministas – REF. Brasil, v. 13 n. 3, 2005, s/p. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/ref/a/R4rf3YG4z6ZMhTkLcVQQkPG/?lang=pt>

[6] ANZALDÚA, Gloria. “La conciencia de la mestiza/ Rumo a uma nova consciência” (1987). Trad. Ana Cecília Acioli Lima. In: Pensamento feminista: conceitos fundamentais; organização: Heloisa Buarque de Hollanda. Rio de Janeiro: Bazar do tempo, 2019; pp. 323-338, p. 324.

[7]ANZALDÚA, Gloria. “La conciencia de la mestiza/ Rumo a uma nova consciência” (1987). Trad. Ana Cecília Acioli Lima. In: Pensamento feminista: conceitos fundamentais; organização: Heloisa Buarque de Hollanda. Rio de Janeiro: Bazar do tempo, 2019; pp. 323-338, p. 325.

[8] Refiro-me à minha pesquisa de mestrado de título “Formas mestizas: novos rumos para um mundo por vir”, orientada por Patrick Pessoa (Universidade Federal Fluminense – UFF/ PFI), 2023.

[9] FIGUEIREDO, Angela. Carta de uma ex-mulata à Judith Butler. Periódicus – Revista de estudos indisciplinares em gêneros e sexualidades. Salvador, v. 1, n. 3, mai.-out. 2015, ISSN: 2358-0844, p.155 – Disponível em: <http://www.portalseer.ufba.br/index.php/revistaperiodicus>

[10]  SANTANA, Bianca. Quem é mulher negra no Brasil? Colorismo e o mito da democracia racial. Revista Cult, maio de 2018, s/p. Disponível em: <https://revistacult.uol.com.br/home/colorismo-e-o-mito-da-democracia-racial/>

[11] TESTI, Bruna. Carta-comentário para Anne. Texto recebido por WhatsApp no dia 22 de maio de 2024.

[12] O termo “abjeto” tem origem no latim abiectus, particípio perfeito passivo do verbo abicio, junção de ab (para longe, distante, para baixo) e iacio (jogar, lançar, arremessar): “jogar, lançar, arremessar, ejetar, expelir, expulsar para longe”, “deixar de lado”, “abandonar”, “colocar para baixo”, “afastar”, “retirar”, “derrubar”, “cuspir”.

[13] SEGATO, Rita. “Raça é signo”. In: Série Antropologia. Brasília, 2005, p. 4. Disponível em: <https://centroafrobogota.com/attachments/article/38/16639751-raca-e-signo.pdf>

[14] GONZALEZ, Lélia. “Racismo e sexismo na cultura brasileira” (1984). In: Por um feminismo afro-latino-americano: ensaios e diálogos; organização: Flavia Rios e Márcia Lima. – 1º ed – Rio de Janeiro: Zahar, 2020, p. 75.

[15]GONZALEZ, Lélia. “A categoria político cultural de amefricanidade” (1988). In: Por um feminismo afro-latino-americano: ensaios e diálogos; organização: Flavia Rios e Márcia Lima.   1º ed – Rio de Janeiro: Zahar, 2020, p. 116.

[16] Refiro-me à formulação freudiana presente no texto “O Inconsciente” (1915): O âmago do Ics consiste de representantes instintuais que querem descarregar seu investimento, de impulsos de desejo, portanto. Esses impulsos instintuais são coordenados entre si, coexistem sem influência mútua, não contradizem uns aos outros. Quando dois impulsos de desejo são ativados ao mesmo tempo, e suas metas nos parecem claramente incompatíveis, os dois impulsos não subtraem algo um do outro ou eliminam um ao outro, mas concorrem para a formação de um objetivo intermediário, um compromisso. Nesse sistema não há negação, não há dúvida nem graus de certeza. Tudo isso é trazido apenas pelo trabalho da censura entre Ics e Pcs. A negação é um substituto da repressão em nível mais alto. No Ics existem apenas conteúdos mais ou menos fortemente investidos. (FREUD, 1974, p. 213)




COMO CITAR ESTE ARTIGO | SCHWARCZ, Annelise (2024) O que significa ter uma consciência mestiza no país da falsa democracia racial?  Lacuna: uma revista de psicanálise, São Paulo, n. -17, p. 4 , 2024. Disponível em: <https://revistalacuna.com/2024/08/01/n-16-04/>.