por André Carone
Para encerrar esta sequência avulsa de propostas sobre a maneira como, numa futura edição crítica de Freud, poderiam ser editados estes textos cujos manuscritos descrevi com precisão ora maior, ora menor, […] quero manifestar um desejo que talvez possa soar como um pedido luxuoso: avalio que, no caso de A interpretação dos sonhos e dos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, pertence à essência fundamental de uma nova edição uma apresentação das primeiras edições de Franz Deuticke, em conjunto com as últimas versões autorizadas pelo autor. A aparência que possuem em sua composição originária mais radical estes dois textos geniais dos anos 1900 e 1905, os quais impuseram uma mudança de paradigma na compreensão do psíquico, permanece (voltemos novamente a frisar) inapreensível e inconcebível sem uma única confrontação efetiva com a primeira edição, mesmo que se acrescente ao texto da última edição uma indicação precisa com a datação de variantes editoriais, bem como a reprodução de passagens que vieram a ser descartadas em edições subsequentes. Essa proposta de encerramento é, na verdade, apenas o resgate mais extenso de um pensamento que o próprio Freud já colocou uma vez em prática com a sua Interpretação dos sonhos nos Escritos reunidos.
Ilse Grubrich-Simitis, De volta aos textos de Freud: dando voz a documentos mudos[1]
Da edição
1
Nas avaliações que Freud apresenta de A interpretação dos sonhos após o lançamento de sua primeira edição existem dois elementos que permanecem constantes: o reconhecimento da dificuldade da leitura e do caráter fundamental da contribuição contida ali. Ao redigir em 1908 o prefácio à segunda edição (publicada apenas no ano seguinte), ele descreve o texto de 1900 como “um livro de difícil leitura”, mas acrescenta com segurança:
fico satisfeito por poder afirmar que encontrei poucas coisas para alterar […]. Aqueles que conhecem meus outros trabalhos (sobre a etiologia e o mecanismo das psiconeuroses) sabem que jamais tomo por concluído o que ficou inconcluso e que me empenhei de modo constante para ajustar minhas afirmações ao desenvolvimento de minhas ideias; no campo da vida onírica, pude me ater às minhas primeiras comunicações.[2]
Muitos anos adiante, em 1931, ele faz uma célebre afirmação no prefácio à terceira edição inglesa: “descobertas como estas só se fazem uma vez na vida”[3], e no ano seguinte ele recorda que, graças à descoberta do significado dos sonhos, “a análise deu o passo de um procedimento psicoterapêutico para uma psicologia profunda”[4].
Essas duas séries distintas de comentários não destoam das observações que encontramos na extensa correspondência com o amigo e médico berlinense Wilhelm Fliess, feitas no período que antecedeu a publicação da primeira edição e nos meses seguintes ao lançamento do livro:
Considero que não há o que retocar nas questões sobre o sonho; o que me desagrada ali é o estilo, que não demonstrou capacidade alguma para encontrar a expressão simples e nobre, e perdeu-se em redescrições jocosas que ficam a procurar por imagens. Estou ciente disso, mas em mim a parte que sabe e aprecia isto infelizmente não está produzindo nada.[5]
A mesma queixa reaparece dez dias depois:
também permanece comigo um certo sentimento da forma, uma apreciação da beleza como uma espécie de perfeição, e as frases retorcidas, adornadas por termos indiretos, que ficam procurando pensamentos no meu texto sobre os sonhos, agrediram frontalmente um ideal dentro de mim. Eu dificilmente cometo uma injustiça se compreendo essa carência formal como o sinal de um domínio incompleto do conteúdo.[6]
Essa insatisfação mesmo assim não o impede de confidenciar para o mesmo amigo, cinco meses após a publicação do livro: “Em muitas horas sombrias eu encontro consolo por ter sido capaz de legar este livro”[7].
A redação original de A interpretação dos sonhos acontece entre meados de 1895 e o segundo semestre de 1899, mas o livro passará por um total de nove edições até 1930, ano em que é publicada a última versão autorizada pelo autor: são oito edições pela casa do editor Franz Deuticke, sediada em Leipzig e Viena, e uma edição licenciada e sem numeração para a Editora Psicanalítica Internacional [Internationaler Psychoanalytischer Verlag], no ano de 1925. Entre as oito reedições do livro, o texto permaneceu inalterado somente por duas vezes, em casos nos quais o editor informara que não dispunha de recursos financeiros para uma nova composição gráfica. A edição de 1925 (a penúltima, portanto) demarca rigorosamente o texto de 1900 de todas as outras contribuições posteriores e nos permite aferir que o texto original ocupa 540 páginas, enquanto os textos acrescentados em reedições somam 185 páginas: temos portanto mais de um terço da composição deste grande trabalho de descoberta formado por acréscimos e modificações (além de eventuais supressões) que são posteriores à publicação original.
Ao menos em termos estritamente quantitativos, parece muito difícil sustentar a tese de que o livro não teria passado por modificações relevantes. A essa constante ampliação material do livro é necessário acrescentar a série de transformações dinâmicas que o trabalho editorial (sempre comandado pelo próprio Freud) impõe à totalidade do material do livro: entre os anos de 1900 e 1930 o livro A interpretação dos sonhos serve a propósitos e polêmicas diferentes, aproxima ou rejeita novos colaboradores e concede um protagonismo maior ou menor à figura do autor e de sua descoberta original.
A história das edições da Traumdeutung e a sua relação com o movimento psicanalítico têm sido objeto de estudo nas últimas décadas, embora a questão praticamente não merecesse atenção antes do estudo “Metamorfoses de A interpretação dos sonhos” [“Metamorphosen der Traumdeutung”][8] pela pesquisadora e psicanalista alemã Ilse Grubrich-Simitis, publicado em 1999, e do livro Sonhar por Freud[9] [Träume nach Freud] de Lydia Marinelli e Andreas Mayer, no ano de 2002. A importância destes dois trabalhos para as formulações que apresentamos a seguir ultrapassa largamente a formalidade das citações e das referências bibliográficas.
Antes de abordarmos os termos e as implicações desta dinâmica editorial, gostaríamos de abordar a natureza desta relação entre o autor e seu livro para caracterizar em seguida, mesmo que brevemente, o trabalho empreendido em cada uma destas edições.
2
Se por um lado devemos admitir que permanecem estáveis os termos da avaliação conflitante que descrevemos acima (algo muito frequente no caso de Freud), nós somos igualmente obrigados a reconhecer, por outro lado, que A interpretação dos sonhos não permanecerá a mesma após a sua primeira edição. De fato, é correto afirmar que a posição de Freud em relação ao livro permanece a mesma; e no entanto este objeto se transforma sucessivamente no intervalo que separa a sua primeira edição em 1900 e a última versão autorizada pelo autor, publicada em 1930 por seu editor Franz Deuticke. No prefácio a este volume ele informa que revisou sua obra “essencialmente como um documento histórico” e realizou modificações que pudessem oferecer maior “clareza e profundidade” às suas posições. A afirmação descreve de maneira precisa essas contribuições finais ao livro, sobretudo se comparadas às versões que a antecediam imediatamente: a reestruturação de 1925, que separou a obra em dois volumes nos seus Escritos reunidos [Gesammelte Schriften] e ao conjunto de modificações que já haviam sido implementadas até a edição de 1922. Contudo, a relação entre Freud e A interpretação dos sonhos certamente não foi marcada pelo distanciamento. A história do trabalho editorial entre os anos de 1900 e 1930 nos mostra, pelo contrário, que o autor permanece em contato com a sua obra magna como um livro que continua a ser escrito, ora avançando por novas direções e por vezes recuando a posições que haviam sido abandonadas; ora aproximando colaboradores que depois são refutados ou simplesmente retirados em edições posteriores. Aos olhos de quem acompanha este percurso ao mesmo tempo autoral e editorial, torna-se claro que Freud adota uma postura predominantemente ativa em relação à constituição e ao destino do livro ao incorporar polêmicas e contribuições de novos integrantes do movimento psicanalítico (e portanto estranhas ao contexto original de isolamento e autorreflexão da primeira redação), ou por vezes ao demarcar para si um terreno próprio no interior deste movimento. Como não poderia deixar de ser, Freud adota nestes debates uma postura ambivalente: a contribuição de terceiros corrobora as suas teses originais, mas também abre perspectivas que estão em conflito com as suas intenções autorais. Este jogo de forças instaurado no livro a partir da segunda edição (publicada em 1909) irá transformar A interpretação dos sonhos em um livro em movimento, cujas elaborações prolongam-se muito além da data emblemática de sua primeira publicação.
À primeira vista parece bastante razoável que uma obra com um caráter fundador receba atualizações e ajustes em sucessivas reedições: e neste caso nós encontraríamos apenas o trabalho que um autor realiza para assimilar o impacto de sua própria obra e para definir com maior precisão os seus contornos. Mas o que se passa na história editorial de A interpretação dos sonhos é algo muito singular: após a publicação do livro em 1900 (e também por causa dele) a psicanálise passa a existir como uma prática compartilhada, exercida por Freud e por outros médicos que adquirem uma instrução prática a seu respeito, os quais começam a publicar seus próprios trabalhos a respeito da psicanálise e da interpretação de sonhos. Essa nova configuração da pesquisa e da prática clínica contrasta fortemente com as circunstâncias da redação do texto original de 1900, num período em que Freud lidava somente com suas concepções individuais, sua clínica privada e sua autoanálise, e cujos resultados eram submetidos de forma regular ao juízo de seu amigo e confidente Wilhelm Fliess. “A interpretação de sonhos”, como recorda o autor em 1914 na sua Contribuição à história do movimento psicanalítico,
tornou-se consolo e suporte para mim nos difíceis primeiros anos da psicanálise, quando tinha que dominar simultaneamente a técnica, a clínica e a terapia das neuroses; achava-me inteiramente só e muitas vezes temia perder a orientação e a confiança em meio ao turbilhão de problemas e dificuldades que se acumulavam.[10]
A lembrança de Freud descreve seu isolamento em um período tempestuoso e, embora não tenham restado manuscritos destes período, a correspondência com o amigo registra uma longa série de redefinições, remanejamentos, ajustes e descobertas realizadas por Freud durante a redação e composição da edição original.
E no entanto o livro de 1900 está muito longe de ser uma composição harmoniosa e coesa que teria sido infiltrada a posteriori por materiais estranhos à sua composição. A difusão da psicanálise certamente contribuiu para conferir às reedições um certo caráter público a um livro que passou a acolher a contribuição direta e por vezes a influência de outros autores psicanalistas. Porém, o texto original de 1900 é também uma composição lacunar e instável à sua própria maneira. A história de sua redação é bastante intrincada, como atestam certas declarações contraditórias do autor a respeito da sua origem: quase quinze anos após a publicação ele recorda que “A interpretação dos sonhos […] estava pronta em todo o essencial no início de 1896, mas foi redigida somente no verão de 1899”[11]. O célebre “sonho da injeção em Irma” havia de fato ocorrido seis meses antes da data lembrada por Freud; algumas semanas adiante ele também menciona ao amigo Fliess a tese central de seu livro: “Anteontem um sonho trouxe a mais cômica confirmação de que a realização de desejo é o motivo do sonho”. Entretanto, a ideia de um livro sobre os sonhos irá aparecer somente em meados do ano de 1897 (“fui compelido a iniciar a redação […], onde sinto-me seguro e também necessito da tua apreciação […]. Espiei rapidamente a literatura […]. Ninguém suspeita que o sonho não seja uma tolice, e sim na verdade uma realização de desejo”[12]). Um outro ano deverá passar ainda até que Freud compartilhe em 1898 com o amigo o plano inicial de um livro com seis capítulos: além da literatura científica do sonho e da análise de dois sonhos-modelo, capítulos sobre “o material dos sonhos”; os “sonhos típicos”; os “processos psíquicos do sonho” e por fim um capítulo sobre “sonho e neurose”[13]. Apesar do seu papel central, esta última conexão entre a vida onírica e as manifestações neuróticas não terá um lugar específico no livro e será novamente discutida em sua correspondência, até receber a sua forma mais abrangente alguns poucos meses antes da publicação do livro: “Não apenas o sonho é uma realização de desejo”, ele escreve para Fliess, “o ataque histérico também o é; e o sintoma histérico, e provavelmente toda produção neurótica […] Realidade – realização de desejo – nossa vida psíquica brota destas oposições”[14]. A definição completa da sequência e da estrutura dos capítulos ocorre poucos meses antes da publicação, em agosto de 1899, numa carta que descreve o percurso do leitor como um passeio que conduz da “mata escura”[15] da literatura científica ao panorama aberto pela interpretação psicanalítica de um sonho-modelo.
A elaboração do texto de 1900 se estende por um período que vai de junho de 1895 a setembro de 1899, mas parece de fato ter sido acelerada nos meses que antecederam o encerramento da redação. Esse desencontro entre os relatos apresentados pelo próprio Freud talvez possa ser desfeito se postularmos a presença de dois processos distintos: por um lado, a construção do conjunto de textos que formam o livro (sobretudo as interpretações dos sonhos de Freud e de seus pacientes), e por outro a composição do texto, ou seja, a escolha da posição ocupada por cada um destes sonhos no interior do livro e a definição do seu papel no conjunto integral da exposição. O trabalho de escrita avança em direções diferentes e precisa ser reorganizado e recomposto à medida que avança. Mas o encerramento do trabalho de redação abre novas vias, e na abertura do livro o autor se ocupa dos prolongamentos futuros da nova teoria dos sonhos, bem mais do que o conteúdo da obra que foi encerrada: a “Nota preliminar” que inicia o texto da primeira edição menciona os problemas da psicopatologia “que não puderam ser abordados aqui, e aos quais devem ser empenhadas elaborações futuras, se houver tempo e força suficientes, e se vier a surgir um novo material”[16]. A imagem do inacabamento da obra é reforçada pela referência, na mesma nota, às “rupturas que serão amplamente encontradas nesta exposição”. E na sequência do texto da primeira edição não faltam repetidas referências a interpretações incompletas de sonhos (motivados pela discrição ou por um certo pudor), à exploração incompleta da relação entre o sonho e outros fenômenos da psicologia normal ou da psicopatologia, ou ainda a necessidade do auxílio de outras investigações na elaboração satisfatória de uma teoria do aparelho psíquico (sobretudo no capítulo final).
O inacabamento inicial da obra se estende por trinta anos de reedições e modificações relevantes na composição da obra, a despeito da afirmação categórica de Freud no prefácio à edição inglesa de 1931: “this book […] remains essentially unaltered” [“Este livro (…) permanece inalterado na essência”[17]]. A mera presença de uma extensa seção dedicada ao simbolismo no sonho, que foi acrescentada à edição de 1911 e posteriormente remanejada e fortemente ampliada, já seria suficiente para que se suspeitasse da avaliação apresentada pelo autor. Talvez possamos afirmar que o livro seguia “inalterado”, como assinala Freud, apenas porque, mesmo passados trinta anos, permaneceu sujeito a modificações e remanejamentos, tal como se passava no período de sua primeira redação.
É necessário admitir a existência de elementos que separam o texto da descoberta, publicado em 1900, e a edição de 1930, que serve ainda hoje de modo quase exclusivo às edições e traduções de A interpretação dos sonhos, bem como à divulgação e aos estudos críticos sobre esta obra considerada como fundamental por Freud desde a sua primeira edição. Um estudo sobre as transformações editoriais do livro poderá contribuir para que se possa perceber com maior nitidez a presença de um período decisivo da história da psicanálise (que vai até 1930) nas sucessivas reelaborações do livro, e para que os leitores não corram o risco de unificar indevidamente as elaborações freudianas a respeito do sonho como se todas elas pertencessem ao período da descoberta que resultou na publicação de 1900.
3
Uma amostragem das diversas alterações efetuadas nas reedições do livro pode ilustrar de modo mais convincente este processo. Oferecemos abaixo alguns exemplos de acréscimos efetuados à primeira edição, além de algumas supressões de passagens que constavam no texto original (ou em alguma das reedições), modificações do texto (com acréscimo ou supressão de passagens anteriores) e remanejamentos de trechos de passagens de uma localização para outra.
a) Acréscimos
O motto do livro de Freud é constantemente citado desde o surgimento da psicanálise (“Flectere si nequeo superos, Acheronta movebo”), ao ponto de quase formar uma identidade com o título da obra. O verso da Eneida de Vergílio está presente na abertura da obra e também reaparece na página final da Seção E do sétimo capítulo (“O processo primário e o processo secundário”). Logo após esta segunda menção ao verso do poeta latino aparece uma frase do próprio Freud, igualmente mencionada com muita frequência quando se fala a respeito de A interpretação dos sonhos:
“A interpretação dos sonhos é no entanto a via regia para o conhecimento do inconsciente”[18].
[Die Traumdeutung aber ist die Via regia zur Kenntnis des Unbewussten im Seelenleben.]


Na edição original de 1900 nós encontramos de fato a citação do verso latino, porém a menção à via regia será acrescentada somente em 1909. Esta iluminação do autor pode de fato ser uma figuração poderosa de sua teoria dos sonhos, mas não participa da descoberta inaugural presente na primeira edição: ela surge em um contexto novo que também concerne, entre outros elementos, à teoria da sexualidade e ao desenvolvimento de uma clínica na qual o próprio trabalho de interpretação de sonhos deixou de ser um fator complementar.
Na primeira metade do segundo capítulo do livro, dedicado ao método de interpretação dos sonhos, está reproduzida a longa citação de uma carta de Schiller a Körner do ano de 1788, na qual o poeta caracteriza o processo de criação literária em termos muito semelhantes ao método da livre associação ali descrito por Freud. Mas a passagem foi acrescentada à edição de 1909 e marca o início da participação do discípulo Otto Rank no livro. Boa parte das referências à literatura e a criação artística presentes na obra derivam diretamente do trabalho de Rank (mencionado nominalmente nesta passagem como o responsável por essa contribuição), que ampliou de modo considerável o universo de referências literárias presentes na redação original do livro. A dimensão da presença da literatura em A interpretação dos sonhos irá se transformar em termos quantitativos e qualitativos à medida que o trabalho editorial avança entre 1900 e 1930, seja pela mão de discípulos e colaboradores, seja pela mão do próprio Freud.
b) Supressões
No primeiro capítulo do livro, reservado à literatura científica que até então se ocupara do problema dos sonhos, Freud relata um sonho que abrigava uma recordação de sua infância: neste sonho havia um homem caolho, muito semelhante a um antigo professor de seu colégio, e que na verdade corresponderia à imagem do médico de sua cidade natal. Ele consulta a mãe e obtém a confirmação de que o médico de sua infância realmente era caolho, tal como o homem que aparecia em seu sonho. A explicação é encerrada com esta frase no texto de 1900:
“Eu não havia encontrado o médico novamente em trinta e oito anos, e até onde sei jamais havia pensado nele durante a vigília”[19].
[Es waren achtunddreissig Jahre her, dass ich den Arzt nicht mehr gesehen, und ich habe meines Wissens im wachen Leben niemals an ihn gedacht.]

Na edição de 1909 este trecho recebe um acréscimo:
“Eu não havia encontrado o médico novamente em trinta e oito anos, e até onde sei jamais havia pensado nele durante a vigília, embora uma cicatriz no queixo talvez pudesse me ajudar a recordar dele”[20].
[Es waren achtunddreissig Jahre her, dass ich den Artzt nicht mehr gesehen, und ich habe meines Wissens im wachen Leben niemals an ihn gedacht, obwohl eine Narbe am Kinn mich an seine Hilfeleistung hätte erinnern können.]

E a edição de 1925 suprime a oração final e reestabelece o texto de 1900. Neste caso, que não será o único, encontramos uma alteração que sobreviveu por um certo período das reedições do livro e no entanto não poderia ser identificada com uma simples comparação entre o texto original de 1900 e o texto final de 1930.
Na seção B do quinto capítulo, que apresenta sonhos cuja fonte são as experiências infantis, Freud encerra o terceiro parágrafo da primeira edição com este breve relato:
“Uma entre as minhas pacientes sonhou por quatro ou cinco vezes ao longo dos seus trinta e oito anos com a mesma cena angustiante: ela está sendo perseguida, escapa para um quarto, tranca a porta e abre-a em seguida para retirar a chave encaixada do lado de fora, ela tem a sensação de que alguma coisa terrível irá acontecer caso ela consiga fazer isso, e apanha a chave para trancar pelo lado de dentro, e respira aliviada em seguida. Não sei definir em qual idade da infância deve ser situada esta breve cena na qual ela naturalmente era apenas uma espectadora”[21].
[Eine meiner Patientinnen hatte vier oder funfmal im Laufe ihrer 38 Jahre die namliche angstliche Scene getraumt, dass sie verfolgt werde, sich in ein Zimmer fluchte, die Ture zumache, dann offne um den aussen steckenden Schlussel abzuziehen, dass sie unter der Empfindung, wenn es ihr gelinge, werde etwas Schreckliches geschehen, den Schlussel erhasche um von innen zuzuschliessen, und dass sie dann erleichter aufatme. ich weiss nicht anzugeben, in welches fruhe Lebensalter diese kleine Scene, bei der sie naturlich nur Zusschauerin gewesen ist, verlegt werden sein muss.]

A passagem será removida na edição de 1909, e a edição de 1925 (que reproduz todo o texto original em conjunto com o novo material das edições posteriores) acrescenta, fora do corpo do texto, a seguinte explicação:
“O relato de sonho que antecede esta indicação não foi repetido em edições posteriores por boas razões. Sonhos desta espécie são de natureza típica e não correspondem a lembranças, mas sim a fantasias cujo sentido é possível antecipar sem esforço”[22].
[Der vor dieser Zeichen stehende Traumbericht ist in spateren Auflagen aus guten Grunden nicht wiederholt worden. Traume dieser Art sind typischer Natur und entsprechen nicht Erinnerungen, sondern Phantasien, deren Sinn unschwer zu erraten ist.]

As modificações sofridas pelo texto original não se resumem portanto a acréscimos ou complementações: existem passagens que eliminam ou reconfiguram certas perspectivas que se transformaram com o passar do tempo: o período de revisão e reedição de A interpretação dos sonhos coincide com um período de intensa produção e transformação da teoria psicanalítica (e não apenas pela obra do seu criador). No caso específico desta passagem, é quase inevitável pensar que Freud parece, por um instante, recuar aos anos em que ainda defendia sua chamada “teoria da sedução”.
c) Modificações (com acréscimos ou supressões)
Vejamos agora dois casos de modificações do texto original, o primeiro mais simples (pois envolve uma única frase) e o segundo mais complexo em termos editoriais:
Em um dos parágrafos finais do livro há uma passagem bastante conhecida que faz referência à oposição entre realidade psíquica e realidade material. No entanto, estes termos aparecem somente na edição de 1919. Lemos no texto original de 1900 a frase seguinte:
“Confrontados com os desejos inconscientes em sua última e mais verdadeira expressão, certamente será necessário recordar que o real psíquico também comporta mais do que uma única forma de existência”[23].
[Hat man die unbewussten Wünsche, auf ihren letzten und wahrsten Audruck gebracht, vor sich, so muss man sich wohl erinnern, dass auch dem psychich Realen mehr als nur eine Existenzform zukommt.]

Em 1914 o “real psíquico” transforma-se em realidade psíquica e a sua “existência” ocupa uma nova posição na frase:
“Confrontados com os desejos inconscientes em sua última e mais verdadeira expressão, certamente será necessário afirmar que a realidade psíquica é uma forma peculiar de existência que não deve ser confundida com a realidade fática”[24].
[Hat man die unbewussten Wünsche, auf ihren letzten und wahrsten Audruck gebracht, vor sich, so muss man wohl sagen, dass die psychische Realität eine besondere Existenzform ist, welche mit der faktischen nicht verwechselt werden sol.]

E por fim a “realidade fática” cede lugar à “realidade material” na edição de 1919, cuja formulação será preservada até a edição final de 1930:
“Confrontados com os desejos inconscientes em sua última e mais verdadeira expressão, certamente será necessário afirmar que a realidade psíquica é uma forma peculiar de existência que não deve ser confundida com a realidade material”[25].
[Hat man die unbewussten Wünsche, auf ihren letzten und wahrsten Audruck gebracht, vor sich, so muss man wohl sagen, dass die psychische Realität eine besondere Existenzform ist, welche mit der materiellen nicht verwechselt werden soll.]

O leitor que estiver disposto a acompanhar o intrincado percurso da metapsicologia e das noções de realidade psíquica e realidade material desde o Projeto de uma psicologia até o Compêndio de psicanálise (uma tarefa da qual não pretendemos nos ocupar aqui) certamente irá encontrar uma fonte valiosa de estudo nestas modificações que permanecem ocultas quando se tem em vista apenas a última versão autorizada pelo autor.
Um outro exemplo mais extenso de modificação do texto aparece logo nas primeiras páginas do capítulo de abertura, antes mesmo que Freud inicie a exposição da primeira seção (“A relação entre o sonho e a vida desperta”). Trata-se da passagem em que Freud comenta as contribuições de Aristóteles relacionadas ao sonho. A edição de 1900 registra a seguinte passagem:
“O primeiro escrito no qual o sonho é abordado como um objeto da psicologia parece ser aquele de Aristóteles (‘Do sonho e da interpretação de sonhos’). Aristóteles esclarece que o sonho na verdade possui uma natureza demoníaca e não divina, algo que pode por certo revelar um significado profundo caso se encontre a sua tradução correta. Ele reconhece algumas características do sonho, p. ex., que o sonho amplifica o significado dos estímulos que interferem durante o sono (‘acreditamos caminhar pelo fogo e sentir o calor quando este ou aquele órgão sofre um ligeiro aquecimento’) e infere desta relação que os sonhos poderiam perfeitamente denunciar para o médico os primeiros sinais de uma modificação corporal que não havia sido notada durante o dia. Por não dispor de suficiente instrução ou de algum auxílio especializado, não pude alcançar uma compreensão mais profunda do tratado de Aristóteles”[26].
[Die erste Schrift, in welcher der Traum als ain Objekt der Psychologie abgehandelt wird, scheint die des Aristoteles (Über Träume und Traumdeutung) zu sein. Aristoteles erklärt, der Traum sei zwar dämonischer Natur, aber nicht göttlicher, was wohl einen tiefen Sinn enthüllt, wenn man davon die richtige Übersetzung trifft. Er kennt einige Charaktere des Traumlebens, z. B. dass der Traum kleine, während des Schlafes eintretende Reize ins Grosse umdeutet (“man glaubt, durch ein Feuer zu gehen und heiß zu werden, wenn nur eine ganz unbedeutende Erwärmung dieses oder jenes Gliedes stattfindet”), und zieht aus diesem Verhalten den Schluß, daß die Träume sehr wohl die ersten bei Tag nicht bemerkten Anzeichen einer beginnenden Veränderung im Körper dem Arzt verraten könnten. Zu einem tiferen Verständnis der aristotelischen Abhandlung vorzudringen, ist mir, bei nicht ausreichender Vorbildung und ohne kundige Hilfe, nicht möglich geworden.]

Em 1914 esta passagem será reformulada nos seguintes termos:
“Em ambos os escritos de Aristóteles que abordam o sonho ele já passou a ser objeto da psicologia. Ali nós ouvimos que o sonho não é enviado pelos deuses, que ele não possui uma natureza divina e sim demoníaca, uma vez que a natureza é demoníaca e não divina, ou seja: o sonho não provém de alguma revelação sobrenatural e deriva, inversamente, das leis do espírito humano, que possui mesmo assim um parentesco com a divindade.
Aristóteles reconhece algumas características do sonho, p. ex., que o sonho amplifica o significado dos estímulos que interferem durante o sono (‘acreditamos caminhar pelo fogo e sentir o calor quando este ou aquele órgão sofre um ligeiro aquecimento’) e infere desta relação que os sonhos poderiam perfeitamente denunciar para o médico os primeiros sinais de uma modificação corporal que não havia sido notada durante o dia”[27].
[In den beiden den Traum behandelnden Schriften des Aristoteles ist der Traum bereits Objekt der Psychologie geworden. Wir hören, der Traum sei nicht gottgesandt, nicht göttlicher Natur, wohl aber dämonischer, da ja die Natur dämonisch, nicht göttlich ist, d. h. der Traum entstammt keiner übernatürlichen Offenbarung, sondern folgt aus den Gesetzen des allerdings mit der Gottheit verwandten menschlichen Geistes. Der Traum wird definiert als die Seelentätigkeit des Schlafenden, insofern er schläft.
Aristoteles kennt einige der Charaktere des Traumlebens, z. B. daß der Traum kleine, während des Schlafes eintretende Reize ins Große umdeutet (,,man glaubt, durch ein Feuer zu gehen und heiß zu werden, wenn nur eine ganz unbedeutende Erwärmung dieses oder jenes Gliedes stattfindet”), und zieht aus diesem Verhalten den Schluß, daß die Träume sehr wohl die ersten bei Tag nicht bemerkten Anzeichen einer beginnenden Veränderung im Körper dem Arzt verraten könnten.]

A primeira versão menciona um único texto de Aristóteles relacionado ao sonho, enquanto a segunda corrige objetivamente a informação e menciona a existência de dois trabalhos (embora não sejam referidos os seus títulos); o adjetivo gottgesandt (enviado pelos deuses) é acrescentado em 1914, sendo suprimida a referência à possibilidade de uma tradução do “divino” para o “demoníaco”, tal como estes termos são definidos pelo filósofo.
O parágrafo original de 1900 é repartido em dois parágrafos na edição de 1914 e a última frase, na qual Freud admitia as limitações do seu conhecimento acerca do texto aristotélico, será suprimida.
Esta modificação é consistente com o acréscimo de dois parágrafos (o terceiro e o quarto na edição de 1914) logo na abertura deste primeiro capítulo, ambos reservado à presença do sonho no Pensamento Antigo. Aqui encontramos uma clara indicação que o estudo do sonho na Antiguidade ganhou corpo e relevância somente em edições posteriores de A interpretação dos sonhos e aparecia em 1900 de uma maneira discreta (ou incompleta, como revela este comentário de Freud acerca de Aristóteles).
d) Deslocamentos
Na seção D do quinto capítulo do livro, que se ocupa dos chamados sonhos típicos, encontra-se a extensa análise da lenda de Édipo, seguida por uma rica comparação entre a peça de Sófocles e o Hamlet de Shakespeare. Ambos os textos comparecem de fato na primeira edição de A interpretação dos sonhos — embora o excurso sobre Hamlet ocupasse inicialmente o rodapé do livro[28]. Apenas em 1914 este trecho será deslocado para o corpo do texto, em um período no qual (como será indicado mais adiante) torna-se necessário para Freud definir uma fronteira entre a noção de complexo de Édipo (uma expressão que não aparece no texto de 1900) e o debate acerca do simbolismo no sonho. Em todas as edições posteriores este trecho irá permanecer no corpo do texto[29].


Freud irá acrescentar à edição de 1919 um sonho importante que contém alguns desafios conceituais para a história da psicanálise (pois nele estaria implicada, de uma certa maneira, a noção de pulsão de morte): trata-se do sonho no qual seu filho retorna do front da guerra sem uniforme e com a cabeça enfaixada. Freud chama sua esposa para ler uma notícia a respeito do filho na guerra, tenta chamá-lo porém o filho não responde.

A exemplo do excurso sobre Hamlet, este trecho também surge em uma nota de rodapé[30]. O acréscimo feito por Freud a esta seção do livro em 1919 é bem mais extenso: a apresentação e a interpretação deste sonho representam apenas um trecho desta nova contribuição. Será apenas em 1930 que o relato e a análise do sonho passarão a ocupar o corpo do texto[31].

Cada uma destas modificações, se consideradas isoladamente, possui um valor relativo e bastante limitado. Mas o seu prolongamento no tempo e a dispersão em um livro que já era volumoso em sua primeira edição provocam, ao que nos parece, um efeito cumulativo que não pode simplesmente ser desconsiderado. Dois outros fatores se somam a este efeito prolongado: em primeiro lugar, a sobreposição de modificações que têm como referência a edição anterior e não a primeira edição — a edição de 1914, por exemplo, modifica a edição de 1911 define um novo rumo editorial para A interpretação dos sonhos (como veremos logo adiante). Em segundo lugar, as modificações possuem um caráter dinâmico e estabelecem uma nova conexão entre o conjunto dos elementos que compõem as sucessivas edições: ou seja, cada novo acréscimo, modificação ou supressão deve ser pensado como uma estratégia de recomposição editorial, e não apenas como um conjunto de alterações isoladas. Este quadro intrincado desorienta até mesmo os leitores mais atentos que dispõem de uma edição amplamente anotada (como a Standard Edition britânica ou a Studienausgabe alemã). Ernest Jones, de quem não se poderia afirmar que não conhecesse a fundo o livro de seu biografado, afirma que
Freud classificou, com toda justiça, a interpretação dos sonhos como a via regia para o inconsciente. O livro reúne ainda um elenco de sugestões nos campos da literatura, mitologia e educação — o famoso rodapé sobre Hamlet é um exemplo notável — que oferecem desde então a inspiração para uma vasta quantidade de estudos específicos[32].
Note-se que Jones inicia aqui uma descrição dos anos 1895-1899, isto é, do período de elaboração do texto de 1900 (a expressão “desde então” [since then] torna clara a referência a 1900). Ele incorre em um anacronismo ao mencionar a via regia, mas deixa clara a sua familiaridade com as primeiras edições do livro ao situar o excurso sobre Hamlet em um rodapé. E no entanto essa desatenção é perdoável até mesmo para uma figura central da psicanálise como Jones, pois a partir da quarta edição (ou seja, de 1914) as alterações editoriais deixam de ser indicadas e serão reinseridas e ampliadas somente a partir da tradução inglesa de James Strachey. A respeito da história das reedições do livro, Jones afirma ainda que
foram ao total oito edições no período de vida de Freud, a última em 1929. Nenhuma mudança essencial foi feita, e nem seria necessária. As diferentes edições apenas incorporaram outros exemplos, discussões mais abrangentes neste ou naquele ponto, e uma avaliação mais adequada acerca do importante tema do simbolismo, cujo valor o próprio Freud admitiu só reconheceu tardiamente[33].
A afirmação a respeito do simbolismo, tema ao qual Jones dedicou um ensaio de grande importância[34], é pertinente e exata, mas cabe notar que Jones incorre em duas ligeiras imprecisões que merecem ser assinaladas. Sua contagem omite a edição não numerada dos Escritos reunidos de 1925, que saiu de circulação e foi substituída em 1942 pela edição incluída nas Obras completas [Gesammelte Werke) que reproduz a edição de 1930 — cujo ano Jones desloca para 1929. Mesmo assim, o fato é que o prefácio a essa edição traz a data de “dezembro de 1929”, uma evidente indicação de que o livro já estava pronto no ano anterior. O anacronismo e a imprecisão são perfeitamente compreensíveis diante destas circunstâncias. E a afirmação de que “nenhuma mudança essencial” teria sido feita é bastante polêmica, como indicamos anteriormente. A presença de transformações no texto de A interpretação dos sonhos é algo evidente e inescapável, e para sustentar a tese de que não houve mudanças seria necessário separar o texto da edição de 1930 da teoria freudiana dos sonhos que é exposta na obra. Jones parece referir-se a esta última sem considerar o complicado processo de reedição do livro.
Um exemplo mais interessante de anacronismo editorial aparece em um comentário de Jung a respeito do livro, registrado na correspondência entre os dois autores em fevereiro de 1911. Jung informa que realiza um seminário com seus alunos sobre a segunda edição (1909) de A interpretação dos sonhos e apresenta observações sobre algumas passagens do texto:
Noto agora que os alunos (e eu também) fazem ressalvas às seguintes passagens: p. 92 “Os sonhos das crianças pequenas… são inteiramente desinteressantes em confronto com os sonhos de adultos. À luz da própria interpretação de sonhos freudiana essa frase se torna questionável […]. Os sonhos de crianças nas p. 92 e 93 parecem-me insuficientemente interpretados: a interpretação revela apenas a camada superficial do sonho, mas não o todo, que em ambos os casos é claramente um problema sexual em que a energia do instinto, sozinha, explica o dinamismo dos sonhos[35].
A resposta de Freud revela uma consciência muito aguda do desafio editorial decorrente da difusão inicial da psicanálise e das transformações teóricas do seu próprio pensamento após a publicação do livro em 1900:
A frase da p. 92 sobre os sonhos das crianças pequenas será devidamente aclarada com a inclusão de um “parecem”. É inegável que os sonhos infantis da p. 94 estão interpretados de modo superficial, sem que eu me refira à motivação sexual, mas o senhor mesmo encontra a razão disso ao acentuar meu propósito expositivo ou pedagógico. É impossível pressupor no leitor de A interpretação dos sonhos o conhecimento da Teoria da Sexualidade, ou inculcar esse conhecimento enquanto se propicia uma introdução elementar à nossa concepção dos sonhos. É por isso que não posso alterar o texto de 1899 à luz de minhas descobertas de 1905[36].
Ao final, a alteração inserida na edição de 1911 não será exatamente esta: à frase iniciada com a afirmação de que “os sonhos das crianças pequenas são simples realizações de desejos” [“Die Träume der kleinen Kinder sind simple Wunscherfüllungen”][37] uma outra palavra será acrescentada: “os sonhos das crianças pequenas são com frequência simples realizações de desejos”[38] [“Die Träume der kleinen Kinder sind häufig simple Wunscherfüllungen”].
Este fragmento da correspondência revela que para Freud as observações de seu discípulo são procedentes em termos teóricos mas incorretas em termos históricos. O anacronismo de Jung, tal como no caso de Jones, é inteiramente compreensível se considerarmos que ele provavelmente entrou em contato com os livros sobre o sonho e sobre a sexualidade na mesma época. A contradição identificada por ele entre a interpretação de um sonho infantil e a teoria freudiana da sexualidade seria correta apenas a partir de uma perspectiva que ultrapassa a leitura do livro de 1900 — e Freud adota em sua resposta a perspectiva de um leitor que não estaria obrigado a acompanhar o movimento e as transformações da obra do criador da psicanálise. Por um lado, Freud reconhece a necessidade de alguma espécie de atualização da interpretação psicanalítica dos sonhos, e por outro ele vê a si próprio como o autor de um livro publicado em 1900 que tem diante de si leitores que deveriam conhecer apenas a psicanálise tal como ela existia até aquela data — e não mais do que isso. Talvez encontremos a raiz do processo das mudanças editoriais de A interpretação dos sonhos nesta tensão contínua entre a descoberta original e quase solitária de 1900 e as ramificações de transformações no interior da psicanálise e do pensamento do próprio Freud — uma tensão que se manifesta neste contato com Jung e que voltará a surgir em outros momentos da história editorial do livro.
4
Ernest Jones informa em sua biografia que os seiscentos exemplares da primeira edição do livro só foram esgotados após oito anos; cento e vinte e três exemplares foram vendidos nas seis primeiras semanas, e nos dois anos seguintes outros duzentos e vinte e três exemplares. A história das reedições do livro começa em 1908 com a preparação da nova edição que será lançada no ano seguinte pelo editor Franz Deuticke, responsável pela publicação de diversos trabalhos científicos e psicanalíticos de Freud. Após a segunda edição de 1909, a terceira será publicada em 1911 com uma alteração de maior extensão: a última seção do quinto capítulo, reservada aos “sonhos típicos”, passa a contar com uma parte final, inserida entre colchetes como forma de distingui-la do texto da edição original, dedicada ao problema do simbolismo no sonho. Esta nova contribuição inclui relatos e interpretações assinadas por Freud e por outros psicanalistas (como Otto Rank e Bernhard Dattner) e ocupa o intervalo entre as páginas 196 e 221 desta nova edição[39].

Três anos depois o livro sofre uma reformulação radical, anunciada em sua folha de rosto: “A interpretação dos sonhos. 4ª edição ampliada, com contribuições do Dr. Otto Rank”.

As contribuições sobre o simbolismo que haviam sido acrescidas em 1911 à seção dos “sonhos típicos” no quinto capítulo serão agora deslocadas para uma seção intermediária do sexto capítulo (Seção E), com o título (“A figuração por símbolos — outros sonhos típicos”) e novamente ampliadas. Ao final do sexto capítulo são inseridos um primeiro e um segundo anexo (Anhang) assinados individualmente por Otto Rank: “Sonho e poesia” e “Sonho e mito”.[40]


A edição seguinte, de 1919, receberá novas contribuições assinadas por Freud e por outros psicanalistas, enquanto as duas edições seguintes, dos anos de 1921 e 1922, permanecerão inalteradas por decisão do editor, como adverte Freud no prefácio à edição de 1921: “As dificuldades enfrentadas neste momento pelo setor editorial fizeram com que essa nova edição fosse publicada muito mais tarde do que deveria e reproduzisse — pela primeira vez — a edição anterior sem modificações”[41].
A criação de uma Editora Psicanalítica Internacional irá novamente transformar a concepção editorial de A interpretação dos sonhos nos anos seguintes. Sob os cuidados de Anna Freud e A. J. Storfer começam a ser publicados em 1924 os Escritos Reunidos [Gesammelte Schriften], uma coleção completa dos escritos até então publicados por Freud. A interpretação dos sonhos será distribuída entre os Volumes 2 e 3 desta coleção. Enquanto o Volume 2 traz uma reprodução integral do texto original de 1900 (incluindo os trechos que foram suprimidos nas edições posteriores), a primeira parte do Volume 3 reúne todos os acréscimos incorporados às edições de 1909 e às outras subsequentes, além de novos acréscimos especialmente redigidos para esta edição de 1925. A primeira parte deste Volume 3 funciona na prática como um gigantesco rodapé ao volume dois, que reproduz a primeira edição do livro. Neste volume, ali onde deve ser inserido algum complemento, o leitor encontra a abreviação E1…(ou E2, E3, E4…). (sendo “E” a abreviação para Ergänzung, complemento). Para localizar o complemento o leitor deve procurar em seguida pelo número do capítulo e do complemento no volume três.


Na primeira parte do Volume 3 Freud também insere, além dos complementos numerados, outros três “capítulos adicionais[42]” (Zusatzkapitel): o primeiro corresponde justamente à seção dedicada ao simbolismo no sonho, logo após a seção D do sexto capítulo do livro; o segundo contém uma discussão acerca do conceito de fenômeno funcional proposto por H. Silberer e consiste em um acréscimo que já aparecia na edição de 1914; o terceiro capítulo adicional reúne três textos breves, redigidos especialmente para a edição de 1925 sob o título: alguns complementos ao conjunto da interpretação dos sonhos[43] [Einige Nachträge zum Ganzen der Traumdeutung]. São eles “Os limites à possibilidade da interpretação”, “A responsabilidade ética pelo conteúdo do sonho” e “O significado oculto do sonho”. No Volume 2 a chamada para este grupo de complementos está indicada logo após a última linha da reprodução do texto de 1900:


O formato da edição de 1925 surpreende sob vários aspectos. A coleção dos Escritos reunidos não é a primeira série a reunir a produção autoral de Freud, pois até 1922 (ano da criação da Editora Psicanalítica Internacional) já haviam sido lançados cinco volumes da Coleção de breves escritos sobre a teoria das neuroses [Sammlung kleiner Schriften zur Neurosenlehre], iniciada em 1906 pela casa do editor Hugo Heller. A nova coleção dos Escritos reunidos abriga, em contrapartida, toda a produção psicanalítica e prenuncia a futura edição de suas Obras completas [Gesammelte Werke], que começariam a ser publicadas três anos após o falecimento do autor. Mais do que apresentar a si próprio como o autor de uma obra (e não de um conjunto de trabalhos), tudo parece indicar que Freud quer declarar-se também como o criador da psicanálise. “A psicanálise nasceu, por assim dizer, com o século vinte; a publicação que a apresentou como uma novidade para o mundo, minha Interpretação dos sonhos, traz a data do ano de ”[44], ele afirma no Breve compêndio de psicanálise publicado em 1924, o mesmo ano em que começam a ser lançados os Escritos reunidos. Como observa a psicanalista Ilse Grubrich-Simitis, estamos autorizados a falar de “uma reapropriação do livro pelo único autor, Sigmund Freud”. O pronome possessivo expressa outros significados que estão encobertos sob a sua superfície.
A separação do livro em dois volumes representa um claro gesto de afastamento em relação ao movimento psicanalítico e a afirmação de uma autonomia autoral, como se subitamente Freud decidisse repudiar o trabalho coletivo e a colaboração constante que haviam marcado de modo crescente as sucessivas reedições desde 1909. Os Escritos reunidos não reproduzem os capítulos assinados individualmente por Breuer nos Estudos sobre a histeria, por exemplo; mas a retirada do nome de Otto Rank (à época quase inteiramente rompido com Freud e com o movimento psicanalítico) da folha de rosto, bem como das suas contribuições ao livro e da nova bibliografia que ele havia preparado para edições anteriores, é a expressão mais contundente deste anseio pela afirmação de uma obra individual, apartada de outras colaborações. À luz da edição de 1925, todos os acréscimos ao texto original de A interpretação dos sonhos passam a ser percebidos como interferências, e não mais como contribuições e complementos — sejam eles feitos por interlocutores e integrantes do movimento psicanalítico, sejam eles derivados de revisões assinadas próprio Freud.
A oitava edição de 1930 irá desmanchar por completo essa configuração com um novo arranjo que não se aproxima nem da sétima edição de 1922 e nem da edição bipartida de 1925: permanecem excluídos do livro os anexos e da bibliografia pesquisada de Otto Rank, mas as contribuições posteriores a 1900 são reinseridas no corpo do texto sem a datação ou marcas editoriais que as identifiquem; são retirados alguns materiais da edição de 1925, como o Capítulo Adicional C [Zusatzkapitel C], que encerrava o texto da primeira parte do Volume 3 nos Escritos reunidos. Os acréscimos são muito breves e assinalam que o autor de fato aborda seu livro apenas “como um documento histórico[45]”, como se lê no prefácio a esta edição. As novas contribuições a esta que será última edição publicada em vida despertam continuamente no leitor de A interpretação dos sonhos “a expectativa por alguma nova atualização teórica importante[46]”, como observa Ilse Grubrich-Simits de maneira muito precisa. Para ficarmos com um único exemplo, na exposição sobre a realização de desejo no sétimo capítulo (seção C) Freud justifica teoricamente a existência dos “sonhos de punição” e informa numa breve nota: “Este seria o ponto para a inserção do conceito de Supereu, que foi reconhecido tardiamente pela psicanálise”[47]. Os novos desenvolvimentos são quando muito assinalados, mas não chegam a ser propriamente desenvolvidos.
5
Retomemos agora o aspecto dinâmico deste trabalho editorial, tal como mencionamos anteriormente. Os acréscimos e modificações textuais são um aspecto secundário da edição de 1925 se comparadas à reorganização radical dos elementos que estiveram presentes até a edição de 1922 — uma reorganização na qual o texto original de 1900 volta a ocupar o primeiro plano de forma soberana em comparação com todo o material dos anos posteriores. A edição de 1925 desmancha a dinâmica do diálogo e da interlocução instauradas pela edição de 1914, que apresentava explicitamente um autor-parceiro e colaborador (Otto Rank). A edição de 1930, por sua vez, recusa as dinâmicas instauradas tanto em 1914 como em 1925 para promover uma espécie de formação de compromisso: nela Freud é o único autor de A interpretação dos sonhos e o livro conta eventualmente com acréscimos e colaborações surgidas no período de trinta anos, mas que estão subordinadas exclusivamente ao julgamento do autor.
Além da dinâmica histórica relacionada às sucessivas reedições, existe também a dinâmica instaurada pela soma de alterações presentes em cada uma das edições — alterações estas que deveríamos examinar em seu conjunto, edição por edição. A inclusão do nome de Otto Rank como colaborador na página de rosto da quarta edição não representa um fato isolado: outras modificações desta edição estão articuladas e um exame das conexões que estabelecem entre si talvez possa revelar o significado autêntico das mudanças editoriais. As transformações da edição de 1914 estão vinculadas a circunstâncias históricas e elaborações conceituais. Em uma carta a Freud (a mesma mencionada acima, do mês de fevereiro de 1911), Jung chama atenção para a interpretação insuficiente de alguns sonhos centrais no livro, cujos motivos reais nunca são “implacavelmente revelados”, como afirma.
Há semanas que nos concentramos em A interpretação dos sonhos, em meus seminários, e noto sempre que a interpretação inadequada dos principais exemplos leva a mal-entendidos e dificulta em geral a compreensão do aluno, já que ele não pode conceber a natureza dos conflitos que são as fontes regulares dos sonhos […]. Naturalmente, não podemos nos mostrar nus, mas talvez um modelo viesse a calhar nessa emergência […]. Espero que o senhor não se zangue com minhas observações atrevidas e a expressão desses desejos.[48]
De uma perspectiva histórica, a avaliação de Jung merece ser posta sob questão no seu conjunto. A exploração incompleta do significado de diversos sonhos é algo evidente na Interpretação, mas essa censura certamente não poderia ser dirigida ao Fragmento de uma análise de histeria[49] (o caso Dora), redigido ainda em 1900 sob o título provisório de “Sonho e histeria” com o propósito evidente de apresentar a conexão entre a “natureza dos conflitos” e as “fontes regulares do sonho”, para empregarmos as expressões utilizadas pelo próprio Jung: trata-se do primeiro relato psicanalítico de um tratamento no qual as interpretações dos sonhos desempenham um papel decisivo. O estudo freudiano sobre a Gradiva de W. Jensen[50], muito familiar a Jung, oferece ao leitor a oportunidade de acompanhar com maior proximidade as interpretações apresentadas por Freud caso ele tenha ao seu alcance a novela do escritor (trata-se evidentemente de uma aproximação do método de interpretação, uma vez que os sonhos interpretados foram extraídos de uma obra de ficção). Além disso, a conexão assinalada pelo discípulo suíço de Freud só poderia realmente ser compreendida por alguém que submetesse a si próprio ao tratamento psicanalítico, e neste caso nenhuma leitura poderia efetivamente substituir a experiência direta. Para resumir: em 1911 já não faltavam pontos de apoio para a superação das dificuldades encontradas por Jung e seus alunos na leitura das duas edições até então disponíveis do livro (1900 e 1909).
Em contrapartida, o juízo formulado por Jung demonstra a compreensão do papel assumido pelo livro como instrumento de difusão e legitimação da psicanálise. O processo de reedição iniciado em 1909 converte A interpretação dos sonhos na face pública da disciplina psicanalítica: trata-se agora do texto central de divulgação do novo saber, responsável por apresentar a natureza e o conteúdo de suas teses centrais, muito mais do que uma etapa definida na produção e no desenvolvimento do pensamento freudiano, que sucede a terapia da histeria e antecede as teses sobre o desenvolvimento sexual (entre tantos outros elementos). Mesmo um leitor profundamente envolvido com A interpretação dos sonhos, como no caso de Jung, estabelece uma identidade entre o livro e a própria psicanálise: suas advertências dizem menos respeito à obra que seria novamente reeditada do que à necessidade de uma exposição completa do conteúdo da psicanálise por intermédio de seu principal livro. A resposta de Freud ao seu então discípulo surpreende tanto pelo acolhimento das objeções como pela solução radical que propõe.
Ainda que o crítico e o seminário estejam perfeitamente corretos, o autor não pode, pois, mudar nada. Os princípios da interpretação de sonhos são, por assim dizer, provados pela própria natureza do livro, pelas próprias deficiências que encerra. Mas o autor pretende remediar isso de outro modo. No prefácio, que já foi escrito, consta que esse livro não será reeditado e, sim, substituído por outro, novo e impessoal, para o qual hei de coletar novo material, com a ajuda de Rank, nos três ou quatro anos vindouros. Meu encargo será tratar dos sonhos, pressupondo ou talvez adiantando minhas descobertas concernentes à teoria das neuroses, enquanto Rank há de se consagrar às implicações literárias e mitológicas. Embora o projeto tenha sido concebido há algum tempo, sua crítica se mostra valiosa para aclarar-lhe o propósito, e caso não faça objeção hei de utilizá-la no prefácio, mais ou menos com suas palavras.[51]
O projeto de um encerramento definitivo da publicação de A interpretação dos sonhos evidentemente não prosperou — e o prefácio à esta terceira edição, publicada naquele mesmo ano, não faz menção a nenhum dos conteúdos dessa correspondência. Entretanto existem razões suficientes para encarar com seriedade a resposta oferecida a Jung. Elas revelam um incômodo diante dos ajustes que o livro supostamente deveria receber e uma defesa “das próprias deficiências que encerra” (não deixa de ser curioso que Freud observe neste momento a sua Traumdeutung nos mesmos termos em que se pronuncia sobre alguns de seus casos clínicos, cujo valor ele descobria no conjunto de lacunas e deficiências que continham). As propostas contidas na substituição que a carta anuncia não serão abandonadas: enquanto Otto Rank futuramente irá abordar, no interior de A interpretação dos sonhos, as relações entre os fenômenos oníricos e o mito e a poesia Freud, por sua vez, fará uma nova exposição impessoal de sua teoria do sonho na segunda parte das Conferências introdutórias à psicanálise[52], publicadas em 1917: as onze conferências dedicadas ao sonho neste livro não apenas estão diretamente relacionadas à exposição de uma teoria das neuroses em sua terceira parte como não há qualquer referência a sonhos do próprio Freud em todo o livro: o material analisado ali consiste somente em sonhos de antigos pacientes (relatados desde a primeira edição do livro dos sonhos) ou em sonhos de novos pacientes ou pessoas que mantiveram contato com Freud.
6
O debate entre Freud e Jung a respeito da reedição do livro mostra que o rumo incerto das relações institucionais contribuiu diretamente para o ingresso de Otto Rank na quarta edição da obra. No entanto, o fator institucional não é o único a determinar o curso das mudanças editoriais: a necessidade de uma resposta convincente a certos desafios teóricos nascidos da própria leitura e da divulgação de A interpretação dos sonhos (à maneira das observações críticas feitas por Jung) também impulsiona outras modificações da edição de 1914 que precisariam ser submetidas a exame.
Os apêndices elaborados por Rank (“Sonho e poesia” e “Sonho e mito”) são alocados no final do sexto capítulo (“O trabalho do sonho”), e não ao final do livro. E o sexto capítulo recebe, por sua vez, as vinte e seis páginas dedicadas ao simbolismo que antes formavam o trecho final do quinto capítulo. Este material irá tornar-se a Seção “E” do sexto capítulo na edição de 1914 e receberá ainda o acréscimo de aproximadamente oito páginas. É bastante razoável supor que esta operação de deslocamento no interior de uma obra psicanalítica encobre algum significado que merece ser revelado.
Tanto o ingresso como a saída do coautor Otto Rank passam despercebidos se comparamos a primeira e a última edição de A interpretação dos sonhos: no caso do deslocamento das primeiras contribuições a propósito do simbolismo no sonho ocorre a mesma coisa. Nenhuma edição poderia assinalar concretamente essa mudança, exceto pela indicação em uma apresentação editorial (como de fato assinala o tradutor britânico James Strachey).
O acréscimo destes novos materiais ao sexto capítulo, o mais extenso do livro desde a sua primeira edição, forma no livro de 1914 uma barreira que afasta ainda mais o sétimo capítulo de todos os capítulos anteriores e confere uma espécie de autonomia ao sexto capítulo, agora transformado em espaço para a investigação sobre a linguagem do sonho e suas relações com o simbolismo, a literatura e o mito. O horizonte da edição de 1900 era evidentemente mais restrito, e no entanto a integração dos elementos presentes em todo o livro, por mais problemática que fosse, podia ser percebida sem tanto esforço. Nem todas essas transformações sobrevivem até a edição de 1930, e mesmo assim o sexto capítulo é aquele que mais recebe alterações nos trinta anos que separam a primeira edição da última versão autorizada. Poderíamos formular uma pergunta (para a qual não apresentamos uma resposta) sobre a influência destas transformações sobre a história da recepção da psicanálise e as oposições entre uma “inspiração fundamental” e os “procedimentos da psicologia clássica”, postulada por Georges Politzer[53], ou entre uma hermenêutica e uma energética em A interpretação dos sonhos, formulada por Paul Ricoeur[54] — duas importantes leituras que postulam, em linhas gerais, uma separação radical entre clínica e metapsicologia no texto da Traumdeutung.
As inovações técnicas de Wilhelm Stekel (que adotava quase abertamente o método simbólico de interpretação que é descartado por Freud no segundo capítulo do livro) e a exploração teórica da mitologia e da religião por Jung tornam o simbolismo um tema espinhoso para A interpretação dos sonhos. O passo dado em 1911, quando o assunto é diretamente abordado na nova versão do quinto capítulo, não havia sido suficiente. A criação de uma nova seção no sexto capítulo da edição seguinte deveria servir como uma resposta aos discípulos sublevados que servisse uma concepção genuinamente psicanalítica do simbolismo. Além dos efeitos resultantes do acréscimo de textos ao sexto capítulo também há outros efeitos provocados pela sua retirada do quinto capítulo, mais precisamente de uma seção decisiva para todo o pensamento psicanalítico: a seção D, reservada aos “sonhos típicos”, na qual a figura de Édipo é mencionada pela primeira vez na obra freudiana.
Examinemos agora a nova composição do quinto capítulo (“O material do sonho e as fontes do sonhos”) do livro em 1914. O deslocamento do simbolismo devolve a este capítulo uma configuração muito semelhante ao texto da edição original. Freud ocupa-se ali do material e das fontes do sonho, conforme já anuncia o próprio título do capítulo. Nos três capítulos anteriores ele havia apresentado o método da interpretação, logo em seguida aplicado a um sonho-modelo, para depois anunciar a tese segundo a qual “o sonho é uma realização de desejo”; esta afirmação central é sucedida pela explicação do mecanismo de deformação do sonho e pela distinção entre conteúdo manifesto e conteúdo latente do sonho. A esta altura do livro, as teses centrais da prática e da teoria da interpretação de sonhos estão assentadas. O quinto capítulo desloca a perspectiva para o material obtido pelo trabalho da interpretação e para os conteúdos psíquicos que ele resgata.
Freud passa então a relatar alguns sonhos importantes de sua autoanálise, com o propósito de ilustrar o caráter encobridor das recordações recentes e dos estímulos somáticos no sonho, além de assinalar a presença esquiva das experiências infantis no conteúdo dos sonhos. Estes são, no conjunto geral, temas que haviam sido ao menos mencionados em passagens anteriores e agora são abordados de uma forma sistemática à luz do método de interpretação apresentado no segundo capítulo. A seção que aborda os chamados “sonhos típicos” dá um pequeno passo para fora deste enquadramento ao investigar conteúdos que reaparecem com certa frequência na vida onírica de diversos sonhadores: os sonhos relacionados a exames, os sonhos de nudez e os sonhos que expressam a hostilidade em relação a irmãos e eventualmente ao pai ou à mãe. A figura de Édipo aparece pela primeira vez em um texto psicanalítico como um avanço bastante cauteloso, quase como se fosse um desvio de rumo: Freud transmite a impressão de que está se servindo da tragédia grega apenas para ilustrar um certo tipo de sonho. Não resta dúvida de que as implicações ali contidas são profundas para todos o texto da primeira edição (basta lembrar para tanto a série de sonhos que sucederam a morte do pai de Freud em 1897, depois analisados por ele no sexto capítulo, ou o peso atribuído por ele às representações familiares de Édipo na correspondência com Fliess). Mesmo assim o andamento da exposição é cauteloso e discreto: Freud procede como as pacientes dos seus Estudos sobre a histeria, que descreviam com um tom de enfado e indiferença as lembranças que na verdade formavam o núcleo do seu adoecimento. “As explicações mais importantes”, dizia Freud no capítulo final dos Estudos, “são anunciadas com frequência como um acréscimo sem importância, semelhante ao príncipe que se disfarça de mendigo na ópera: ‘Agora me ocorre uma ideia, mas ela não tem nada a ver com o assunto. Vou lhe contar apenas porque o senhor exige saber tudo’”[55]. Édipo entra em cena com estas roupas no texto original de Freud, que certamente ainda prefere não dizer tudo o que realmente sabe: a dissimulação pesa mais do que acaso na sua escolha.
O comentário de Freud a respeito do Édipo Rei é acompanhado por um excurso que também se tornou célebre: suas formulações sobre o Hamlet de Shakespeare (esboçadas anteriormente na correspondência com Fliess). Aos olhos de Freud, a tragédia de Shakespeare possuiria pontos de contato com a peça de Sófocles: “Em Édipo a fantasia subjacente da criança vem à luz e se realiza, tal como no sonho; em Hamlet ela permanece recalcada e tomamos conhecimento de sua existência — à semelhança do conteúdo de uma neurose — somente por intermédio dos efeitos inibidores emanados a partir dela”[56]. O excurso sobre Shakespeare, conforme indicamos anteriormente, é transportado do rodapé para o corpo do texto em 1914.aHH
O deslocamento de uma passagem cuidadosamente composta, que ascende da invisibilidade do rodapé para o texto principal, evidentemente possui algum significado. O texto não é novo, mas a edição de 1914 apresenta neste trecho uma composição que reforça, por intermédio da literatura, a ideia da transmissão histórica de certos conteúdos da vida psíquica, como se Édipo e Hamlet fossem duas representações distintas, uma antiga e outra moderna, dessa mesma experiência. No momento em que o excurso sobre Hamlet é incorporado ao texto principal, este trecho parece desvencilhar-se da rubrica dos “sonhos típicos”, que agora indica somente uma espécie de atalho para a primeira exposição psicanalítica sobre o conflito edipiano. Embora até a edição de 1914 a expressão “complexo de Édipo” não aparecesse em A interpretação dos sonhos (e no entanto ela já existia há vários anos na psicanálise), surge agora uma afirmação mais enfática do valor destes conflitos psíquicos que remetem à lenda de Édipo.
A ausência do simbolismo é um outro elemento fundamental da recomposição do quinto capítulo em 1914. Ele desaparece daquele horizonte ao ser deslocado para o capítulo seis e abre espaço para uma explicação freudiana dos conflitos que eram vinculados à figura de Édipo: o simbolismo, que até 1911 oferecia a Freud uma oportunidade para reafirmar as teses fundamentais de 1900 e estendê-las a um novo domínio, torna-se então um obstáculo à compreensão do conflito nuclear da sexualidade infantil. O deslocamento da seção sobre o simbolismo para o capítulo seguinte representa uma defesa explícita da explicação freudiana para o conflito edipiano. Uma nota de 1914, ao final da exposição sobre o Édipo Rei, confirma esse propósito:
Nenhuma outra investigação da pesquisa psicanalítica despertou uma reação tão amarga, uma recusa tão atroz — e deturpações tão jocosas por parte da crítica — como esta referência às inclinações infantis ao incesto que foram resguardadas no inconsciente. Nos últimos tempos houve até mesmo uma tentativa de validá-lo, contrariando todas as experiências, como sendo “simbólico”.[57]
Uma outra nota de rodapé, inserida no mesmo local em 1919, irá reforçar essa posição[58]:
“O ‘complexo de Édipo’, abordado pela primeira vez nesta Interpretação dos sonhos, adquiriu uma importância de inesperada dimensão para a compreensão da história da humanidade e do desenvolvimento da religião e da moral por conta de estudos posteriores”.

Ou seja: além de orientar os acréscimos e novos complementos ao livro, a história da psicanálise determina também os remanejamentos, supressões e deslocamentos de ênfase nas reedições do grande livro sobre o sonho.
As modificações encontradas na edição de 1914 são profundas, mas indicar a sua localização não representa uma tarefa difícil (a começar pela inserção do nome de Otto Rank em sua primeira folha). Mesmo assim, resta a pergunta: como todas estas modificações se articulam? Ou: qual a imagem que formamos desta quarta edição ao examiná-las em conjunto?
Três hipóteses iniciais podem contribuir para uma resposta:
- A abordagem do simbolismo no sonho continua a ser importante, mas adquire uma outra natureza: ele não será mais associado a traços típicos ou invariáveis da vida psíquica, e sim às formas de expressão e à linguagem do sonho (e por isso ele é deslocado para o capítulo que aborda “O trabalho do sonho”).
- O complexo de Édipo, embora não apareça nomeado, recebe da parte de Freud uma defesa enfática. Se em 1900 o conflito edipiano era um tema demasiadamente chocante, em 1914 ele já foi assimilado pela própria psicanálise e precisa ser demarcado em relação a outras explorações que assinalam o seu caráter simbólico (como no caso da psicologia analítica de Jung).
- O conteúdo do livro (atualizado por estes posicionamentos) pertence em 1914 ao movimento psicanalítico. O ingresso de Otto Rank na quarta edição deve ser compreendido como um gesto político e institucional (não menos do que a posterior retirada de seu nome e de suas contribuições em 1925, quando Freud separa o texto de sua primeira edição de todos os acréscimos posteriores).
O resgate de todos estes materiais nos indica que as sucessivas transformações editoriais de A interpretação dos sonhos são sobretudo o resultado da história da recepção do próprio livro e das dissensões e disputas institucionais ou políticas que surgem no interior do movimento psicanalítico (que deve a sua existência, em certa medida, à publicação deste livro). Parece existir um desacordo entre, de um lado, o texto original de uma descoberta, publicado em um momento no qual a psicanálise sequer poderia existir como prática compartilhada e em rigor ainda não constituía uma disciplina; e do outro lado, uma última versão autorizada que sobrepõe revisões sucessivas e entremeadas por planejamentos que foram posteriormente abandonados. A história da psicanálise normalmente se refere à “obra de 1900” sem tomar em consideração esse processo tumultuoso (e criativo, em grande parte), forjando assim a ilusão de que o texto não teria passado por modificações importantes. A percepção do texto original de 1900 exige um trabalho de reconstrução das perspectivas que conduziram à elaboração da versão final de 1930, mais do que a mera leitura da primeira edição de A interpretação dos sonhos. ♦
REFERÊNCIAS
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_____. (1895) “Zur Psychoterapie der Hysterie” In: Freud-Studienausagabe, Ergänzungsband. Frankfurt am Main: S. Fischer Verlag, 1972, pp. 37-97.
_____. (1900) Die Traumdeutung. Org. C. Tögel, U. Zerfaß. Giessen: Psychosozial-Verlag 2017.
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* André Carone é professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de São Paulo. Doutor em filosofia pela Universidade Federal de São Carlos e tradutor, conduz pesquisas sobre as relações entre filosofia e psicanálise.
[1] GRUBRICH-SIMITIS, Ilse (1993) Zurück zu Freuds Texten. Stumme Dokumente sprechen machen. Frankfurt am Main: S. Fischer Verlag, p. 328
[2] FREUD, Sigmund (1900) Die Traumdeutung (Freud-Studienausagabe Band II). Frankfurt am Main: S. Fischer Verlag, 1972, p. 23.
[3] FREUD, Sigmund (1900) Die Traumdeutung (Freud-Studienausagabe Band II). Frankfurt am Main: S. Fischer Verlag, 1972, p. 28.
[4] FREUD, Sigmund (1917) Vorlesungen zur Einführung in die Psychoanalyse und Neue Folge (Freud-Studienausagabe Band II). Frankfurt am Main: S. Fischer Verlag, 1972, p. 451.
[5] FREUD, Sigmund (1887-1904) Briefe an Wilhelm Fliess. Org. J. M. Masson. Frankfurt am Main: S. Fischer Verlag, 1985, p. 407.
[6] FREUD, Sigmund (1887-1904) Briefe an Wilhelm Fliess. Org. J. M. Masson. Frankfurt am Main: S. Fischer Verlag, 1985, p. 410.
[7] FREUD, Sigmund (1887-1904) Briefe an Wilhelm Fliess. Org. J. M. Masson. Frankfurt am Main: S. Fischer Verlag, 1985, p. 444
[8] GRUBRICH-SIMITIS, Ilse (1999) “Metamorphosen der Traumdeutung”. In: STAROBINSKI, J., GRUBRICH-SIMITIS, I. e SOLMS, M. Hundert Jahre Traumdeutung. Drei Essays. Frankfurt am Main: S. Fischer Verlag, pp. 35-70.
[9] MARINELLI, Lydia; MAYER, Andreas (2002) Träume nach Freud. Wien/Berlin: Turia + Kant. A tradução que propomos para o título do livro de Marinelli & Mayer não é literal. O original explora o uso diverso da proposição nach, que pode significar tanto “de acordo com” como “após”. Os autores deixam implícito com este título que após Freud o movimento psicanalítico passou em grande parte a sonhar (e a compreender o sonho) de acordo com as ideias do criador da psicanálise. Na tradução que propomos aqui, o “por” poderia ser lido como “no lugar de” ou então como “através de”.
[10] FREUD, Sigmund (1914) “Contribuição à história do movimento psicanalítico”. In: Obras completas de Sigmund Freud, Vol. 11. Trad. P. C. de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 265. O destaque é nosso.
[11] FREUD, Sigmund (1914) “Contribuição à história do movimento psicanalítico”. In: Obras completas de Sigmund Freud, Vol. 11. Trad. P. C. de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 266.
[12] FREUD, Sigmund (1887-1904) Briefe an Wilhelm Fliess. Org. J. M. Masson. Frankfurt am Main: S. Fischer Verlag, 1985, p. 144.
[13] FREUD, Sigmund (1887-1904) Briefe an Wilhelm Fliess. Org. J. M. Masson. Frankfurt am Main: S. Fischer Verlag, 1985, p. 258.
[14] FREUD, Sigmund (1887-1904) Briefe an Wilhelm Fliess. Org. J. M. Masson. Frankfurt am Main: S. Fischer Verlag, 1985, p. 331.
[15] FREUD, Sigmund (1887-1904) Briefe an Wilhelm Fliess. Org. J. M. Masson. Frankfurt am Main: S. Fischer Verlag, 1985, p. 400.
[16] FREUD, Sigmund (1900) Die Traumdeutung (Freud-Studienausagabe Band II). Frankfurt am Main: S. Fischer Verlag, 1972, p. 21
[17] FREUD, Sigmund (1900) Die Traumdeutung (Freud-Studienausagabe Band II). Frankfurt am Main: S. Fischer Verlag, 1972, p. 28
[18] FREUD, Sigmund (1900) Die Traumdeutung (Freud-Studienausagabe Band II). Frankfurt am Main: S. Fischer Verlag, 1972, p. 577
[19] FREUD, Sigmund (1900) Die Traumdeutung (Freud-Studienausagabe Band II). Frankfurt am Main: S. Fischer Verlag, 1972, p. 44
[20] FREUD, Sigmund (1909) Die Traumdeutung Leipzig/Wien: Franz Deuticke, p. 10
[21] FREUD, Sigmund (1900) Die Traumdeutung Leipzig/Wien: Franz Deuticke, p.130.
[22] FREUD, S. Gesammelte Schriften (Band 3). (1925) Leipzig und Wien und Zürich, Internationaler Psychoanalytischer Verlag, p. 38
[23] FREUD, Sigmund (1900) Die Traumdeutung Leipzig/Wien: Franz Deuticke, p. p.370.
[24] FREUD, Sigmund (1914) Die Traumdeutung. Vermehrte Auflage mit Beiträgen von Dr. Otto Rank. Leipzig/Wien, Franz Deuticke, p. 480
[25] FREUD, Sigmund (1919) Die Traumdeutung. Vermehrte Auflage mit Beiträgen von Dr. Otto Rank. Leipzig/Wien, Franz Deuticke,, p. 457
[26] FREUD, Sigmund (1900) Die Traumdeutung Leipzig/Wien: Franz Deuticke, pp. 1-2
[27] FREUD, Sigmund (1914) Die Traumdeutung. Vermehrte Auflage mit Beiträgen von Dr. Otto Rank. Leipzig/Wien, Franz Deuticke, p.2
[28] FREUD, Sigmund (1900) Die Traumdeutung Leipzig/Wien: Franz Deuticke, p. 183.
[29] FREUD, Sigmund (1914) Die Traumdeutung. Vermehrte Auflage mit Beiträgen von Dr. Otto Rank. Leipzig/Wien, Franz Deuticke, p. 199
[30] FREUD, Sigmund (1919) Die Traumdeutung. Vermehrte Auflage mit Beiträgen von Dr. Otto Rank. Leipzig/Wien, Franz Deuticke, p. 413
[31] FREUD, Sigmund (1900) Die Traumdeutung (Freud-Studienausagabe Band II). Frankfurt am Main: S. Fischer Verlag, 1972, p. 532.
[32] JONES, Ernest (1953) The life and work of Sigmund Freud, vol. 1. New York: Basic Books, p. 351
[33] JONES, Ernest (1953) The life and work of Sigmund Freud, vol. 1. New York: Basic Books, p. 361
[34] JONES, Ernest ([1916]1920) A teoria do simbolismo [Trad. E. A da Silva Filho]. Lacuna: uma revista de psicanálise, São Paulo, n. -7, p. 3, 2019. Disponível em: <https://revistalacuna.com/2019/08/07/n-7-3/>.
[35] FREUD, Sigmund; JUNG, Carl Gustav (1906-1913) Cartas de Freud e Jung. Org. W. McGuire; Trad. L. Fróes. São Paulo: Editora Vozes, 2023, p. 521 (Carta de 14 de fevereiro de 1911).
[36] FREUD, Sigmund; JUNG, Carl Gustav (1906-1913) Cartas de Freud e Jung. Org. W. McGuire; Trad. L. Fróes. São Paulo: Editora Vozes, 2023, p. 523 (Carta de 17 de fevereiro de 1911).
[37] FREUD, S. Die Traumdeutung (1900). Leipzig und Wien, Franz Deuticke, p. 92
[38] FREUD, Sigmund (1900) Die Traumdeutung (Freud-Studienausagabe Band II). Frankfurt am Main: S. Fischer Verlag, 1972, p. 145.
[39] FREUD, Sigmund (1914) Die Traumdeutung. Vermehrte Auflage mit Beiträgen von Dr. Otto Rank. Leipzig/Wien, Franz Deuticke, p. 196
[40] Rank, Otto (1914) Poesia e mito: os textos que Freud baniu de “A interpretação dos sonhos”. Trad. N. Schäfer. São Paulo: Editora Blucher, 2023 (“pequena biblioteca invulgar”).
[41] FREUD, Sigmund (1900) Die Traumdeutung (Freud-Studienausagabe Band II). Frankfurt am Main: S. Fischer Verlag, 1972, p. 27.
[42] FREUD, Sigmund (1925) Gesammelte Schriften, Band 2. Leipzig/Wien/Zürich: Internationaler Psychoanalytischer Verlag, p. 538. Freud sempre se refere de modo consistente às seções [Abschnitte] do seu livro sobre o sonho, embora críticos e estudiosos (mesmo aqueles de língua alemã) façam menção aos sete capítulos do livro. O acréscimo de três breves “capítulos adicionais” não significa, portanto, que Freud teria acrescentado três novos capítulos aos sete que sempre constaram no sumário da sua obra.
[43] FREUD, Sigmund (1925) Gesammelte Schriften, Band 2/3. Leipzig/Wien/Zürich: Internationaler Psychoanalytischer Verlag, p. 172.
[44] FREUD, Sigmund (1924) “Kurzer Abriss der Psychoanalyse”. In: Selbstdarstellung. Schriften zur Geschichte der Psychoanalyse. Frankfurt am Main: Fischer Taschenbuch Verlag, 1971, p. 203.
[45] FREUD, Sigmund (1900) Die Traumdeutung (Freud-Studienausagabe Band II). Frankfurt am Main: S. Fischer Verlag, 1972, p. 27.
[46] GRUBRICH-SIMITIS, Ilse (1999) “Metamorphosen der Traumdeutung”. In: STAROBINSKI, J., GRUBRICH-SIMITIS, I. e SOLMS, M. Hundert Jahre Traumdeutung. Drei Essays. Frankfurt am Main: S. Fischer Verlag, pp. 65.
[47] FREUD, Sigmund (1900) Die Traumdeutung (Freud-Studienausagabe Band II). Frankfurt am Main: S. Fischer Verlag, 1972, p. 532.
[48] FREUD, Sigmund; JUNG, Carl Gustav (1906-1913) Cartas de Freud e Jung. Org. W. McGuire; Trad. L. Fróes. São Paulo: Editora Vozes, 2023, p. 521 (Carta de 14 de fevereiro de 1911).
[49] FREUD, Sigmund (ANO) Texto (Freud-Studienausagabe Band V). Frankfurt am Main: S. Fischer Verlag, 1972, pp. 84-186.
[50] FREUD, Sigmund “Die Wahn und die Träume in W. Jensens Gradiva” (1906) em Bildende Kunst und Literatur (Freud-Studienausagabe Band X). Frankfurt am Main: S. Fischer Verlag, 1972, pp. 13-85.
[51] FREUD, Sigmund; JUNG, Carl Gustav (1906-1913) Cartas de Freud e Jung. Org. W. McGuire; Trad. L. Fróes. São Paulo: Editora Vozes, 2023, p. 524.
[52] FREUD, Sigmund (1917) Vorlesungen zur Einführung in die Psychoanalyse und Neue Folge (Freud-Studienausagabe Band I). Frankfurt am Main: S. Fischer Verlag, 1972, pp. 37-445.
[53] POLITZER, Georges (1928). Crítica dos fundamentos da psicologia. Psicologia e psicanálise. Trad. M. Marcionilo e Y. M. C. Teixeira da Silva. Piracicaba: Editora Unimep, 1998.
[54] RICOEUR, Paul (1965) De l’interprétation. Essai sur Freud. Paris: Éditions du Seuil. Ricoeur estabelece uma analogia entre o trabalho do sonho e a hermenêutica, compreendida por ele como “uma teoria das regras que comanda uma exegese” (p. 18) a partir da oposição entre o texto do sonho com as suas possível interpretações, de um lado, e do outro lado a energia psíquica que impulsiona o desejo.
[55] FREUD, Sigmund (1895) “Zur Psychoterapie der Hysterie” In: Freud-Studienausagabe, Ergänzungsband. Frankfurt am Main: S. Fischer Verlag, 1972, p. 73.
[56] FREUD, Sigmund (1900) Die Traumdeutung (Freud-Studienausagabe Band II). Frankfurt am Main: S. Fischer Verlag, 1972, p. 269.
[57] FREUD, Sigmund (1900) Die Traumdeutung (Freud-Studienausagabe Band II). Frankfurt am Main: S. Fischer Verlag, 1972, p. 268.
[58] FREUD, Sigmund (1900) Die Traumdeutung (Freud-Studienausagabe Band II). Frankfurt am Main: S. Fischer Verlag, 1972, p. 268.
COMO CITAR ESTE ARTIGO | CARONE, André (2024) As edições e reedições de “A interpretação dos sonhos” entre 1900 e 1930 . Lacuna: uma revista de psicanálise, São Paulo, n. -16, p. 5, 2023. Disponível em: <https://revistalacuna.com/2024/08/01/n-16-05/>.