A revolução copernicana inacabada — psicanálise e o outro mais-que-humano

[Die unvollendete kopernikanische Revolution]

por Esther Hutfless

Tradução | Gabriel S. Philipson

Macacos, lobos, besouros, lagartas, caranguejos, asnos, emas, raposas, rãs, girafas, arenques, onças, cangurus, lagartos, traças, moluscos, ostras, porcos-espinhos, caracóis, estrelas do mar, cavalos, cachorros, vermes, tigres, sapos, crocodilos, vespas, moscas, baleias, bactérias, palmeiras, carvalhos, oceanos, mármore, minério, fungos, micélios, protozoários[1]. Inúmeras vezes o outro não-humano e mais-que-humano atravessa as obras de Freud e, frequentemente, também o consultório psicanalítico. Honat, a cadela que vive comigo e com minha companheira, às vezes me acompanha ao meu consultório. Nele, ela se acomoda no largo tapete no centro da sala, dorme ou cochila, se coça, se sacode, por vezes solta um suspiro profundo e fareja as pessoas que chegam, com cautela e curiosidade. Elas também trazem seus cachorros vez ou outra para a sessão de análise, e há também outros animais e plantas no consultório. Tornam-se muitas vezes tema por acidente: a preocupação com uma abelha que se extraviou por uma janela aberta, ou uma mosca que faz uma pessoa lembrar do campo de onde veio, onde sempre tinha muitas moscas. A chow-chow Jofi de Sigmund Freud também estava presente com frequência durante os tratamentos analíticos. A poeta Hilda Dolittle[2] e o psiquiatra estadunidense Roy Grinker[3] o relatam — ambos estiveram em análise com Freud. Certa vez, durante a análise de Grinker, Jofi estava próxima ao divã. Quando Jofi se levantou e foi até a porta, querendo que Freud a deixasse sair do consultório, Freud disse a Grinker: “Jofi claramente não está de acordo com o que você está dizendo”. Depois, quando arranhou a porta do consultório para entrar novamente, Freud disse: “Jofi decidiu lhe dar mais uma chance”. E uma vez, quando Grinker estava especialmente agitado no divã, Jofi saltou sobre nele, e Freud disse: “Veja, Jofi está agitada assim porque você pôde descobrir a fonte de sua angústia!” Nessa cena se mostra um dos problemas com que nos depara o outro não-humano e mais-que-humano — nesse caso, o cão — na psicanálise. Este se torna superfície de projeção e mero meio daquilo que — nesse caso — Freud diz a seus pacientes.

Os outros[4] não-humanos e mais-que-humanos próximos a nós são em grande parte antropomorfizados e edipianizados nos episódios de relacionamento, enquanto os outros que nos parecem estranhos, estrangeiros e ameaçadores são mantidos sob controle pela desvalorização, pelos excepcionalismo e megalomania humanos — mormente “ocidentais”. Em todos esses processos estão em operação, no fim das contas, clivagens que levam a permanecer subdeterminadas e excluídas a singularidade e a alteridade, assim como a alteridade da relação e o específico do ser-com com tudo aquilo — incluído os outros não-humanos e mais-que-humanos — com que vivemos neste planeta. Na psicanálise, como nota o analista Harold Searles, o animal permanece sobretudo “suporte de sentimentos de transferência, projeções e identificações”[5]. Na condição de “natureza”, essa alteridade — a do animal, por exemplo — não tem lugar no consultório, embora esteja ali presente. Se voltarmos à experiência de análise de Grinker com Freud, pensando bem, algo permanece não analisado. Algo está aí — na sala — e permanece, no entanto, excluído.

O outro não-humano e mais-que-humano que já em Sigmund Freud se nos depara, permanece, então, uma espécie de nota marginal pouco percebida na teoria e na prática psicanalíticas.

Como psicanalista, como pensadora pós-estruturalista e teórica queer, me interessa o pensamento a partir das bordas, a confrontação com o que fica fora da consciência ou de um discurso. Foi Freud e, depois dele, Derrida e as abordagens pós-estruturalistas na filosofia que chamaram a atenção para que são antes as margens, o excluído e o recalcado que criam o suposto centro ou o sujeito como tal.

Levando isso a sério, neste artigo eu gostaria de perguntar sobre o que poderia significar para a psicanálise pensar não apenas o outro humano, mas também o outro não-humano e mais-que-humano, e, além disso, não apenas como aquele que repelimos, subjugamos, mas também como aquele que essencialmente nos constitui e que, ao fim e ao cabo, contudo, nos deve ficar radicalmente estranho e estrangeiro. O que poderia significar para a psicanálise ir além do humano, focalizando o ser-com, o ser-em-relação mútua um com o outro entre o humano e o outro não-humano e mais-que-humano? O que seria ou poderia ser uma psicanálise além do humano? E o que significaria para nós humanos deixar se comover de outras e novas maneiras pelo outro não-humano ou mais-que-humano? Nisso, vamos nos mover por perguntas existenciais, inclusive para a psicanálise. Esse enfoque no outro não-humano e mais-que-humano é o fim da psicanálise, como talvez se poderia pensar, ou ele garante a sua continuidade?

Com o presente artigo, me filio, além disso, aos discursos atuais que giram em torno de temas como a crise climática, o antropoceno, questões ecológicas e o pós-humanismo. Em minha confrontação com o outro não-humano e mais-que-humano, quero compreender a psicanálise não apenas, no entanto, como uma abordagem a partir da qual podemos observar as catástrofes ecológicas causadas por determinados grupos humanos, mas seguir os rastros do outro não-humano e mais-que-humano também na própria psicanálise. Esses rastros nos confrontarão com questões de alteridade e estranheza, de devir-com, com questões de vida, sobrevivência e morte.

De Ptolomeu a Copérnico e além de Copérnico

O outro não-humano e mais-que-humano nos leva de saída ao terreno de questões epistemológicas complexas e no campo espinhoso da relação daqueles dois níveis de realidade importantes para a psicanálise — a realidade psíquica interior e a fática exterior[6]. Pois a realidade exterior, o outro não-humano e mais-que-humano, embora esteja dada por nossa percepção, nos é, contudo, ao mesmo tempo sempre dissimulada pela nossa realidade interior.

Como podemos abordar o outro não-humano e mais-que-humano para além das meras projeções, clivagens e fantasias humanas? Deixá-lo ser em sua alteridade? E, contudo, ser-com?

Ora, a psicanálise é uma disciplina cujo foco está posto no sujeito humano e seu inconsciente.

Ela põe no centro a realidade interior, psíquica. Esta se forma pelas imponderabilidades, pelo invivível, pelo frustrado do mundo exterior, e se mescla depois em nossas interpretações, fantasias e percepções disso. Desse modo, ela coconstitui a realidade exterior, no mais verdadeiro sentido da palavra. Sentimentos de desprazer, angústia, dor e sofrimento não apenas contribuíram para que nossa psique se adeque, onde possível, à realidade exterior, pelo que esta, por sua vez, se inscreve em nossa psique — mas nós também começamos a adequar às nossas necessidades a realidade exterior no sentido da evitação de um suposto desprazer e no sentido de nossa sobrevivência como espécie. As realidades interior e exterior também nos remetem, portanto, a algo relacional, coconstitutivo no mais amplo sentido.

A realidade exterior também nos adverte, contudo, de algo que partilhamos com todos os seres vivos:

“O objetivo de toda a vida é a morte” escreve Freud em Além do princípio de prazer[7]. Essa constatação é tão banal quanto apavorante. A sombra da morte recai sempre no vivente; a diferença entre o humano e o animal, entre a vida e a não-vida, o orgânico e o inorgânico decorre sempre ao longo de uma fronteira precária. Pois, acompanhando a antropóloga e pesquisadora de gênero estadunidense Elizabeth A. Povinelli[8], a gente poderia se perguntar assim: “qual diferença faz diferença entre a vida e a não-vida da perspectiva do ciclo planetário de carbono?” Essa pergunta descentra. Ela se endereça a um centro diferente do humano ou do vivente, ou, de modo mais preciso: ela desconstitui a ideia de um centro ao remeter ao outro não-humano e mais-que-humano, à transitoriedade e à morte. Isso nos conduz imediatamente ao título deste artigo: A revolução copernicana inacabada — emprestado de um texto homônimo do psicanalista francês Jean Laplanche. Laplanche nos indica nesse texto que, ao fim e ao cabo, Freud deixa inacabada a virada copernicana na psicanálise — entendida como a descentração radical do sujeito —; que ele sempre recentra o sujeito em um eu; que ele sempre redomestica o inconsciente, em vez de abri-lo rumo à alteridade[9]. Segundo Laplanche, Freud é, portanto, “na realidade, ele mesmo o seu próprio Copérnico, mas também o seu próprio Ptolomeu”[10]. Seu próprio Copérnico, pois desconstrói e descentra reiteradamente; e seu próprio Ptolomeu por igualmente recentrar, unificar e encerrar.

Como se sabe, Freud, partindo de sua descoberta do inconsciente, pôs-se numa série com Copérnico e Darwin, com os cientistas mais significativos que infligiram ao humano, como escreve Freud, grandes feridas narcísicas. Copérnico, por ter comprovado que a Terra não forma o centro do universo, mas que — em conjunto com outros planetas e corpos celestes — ela gira em torno do Sol; e Darwin, cuja teoria da evolução colocou em questão a diferença fundante entre humano e animal. A teoria de Copérnico, “que, a princípio, parece estar limitada a uma mudança do centro astronômico” — ou seja, a Terra versus o Sol como centro —, acaba, ao fim e ao cabo, incorrendo em muitas consequências de grande escala: “a revolução copernicana conduz gradativamente à ausência de um centro”[11]. E, se Darwin situou o humano em sua história de precedência a partir do animal, ao mesmo tempo em que o compreendeu, contudo, como o ponto mais alto da criação, atualmente há também aqui tentativas, partindo de abordagens pós-humanistas, de, em maior escala, descentrar, destronar o humano; pensar o fim do humano e, com isso, também colocar em questão o humano como o fim e pico da evolução.

Laplanche toma, então, Freud ao pé da letra e o leva, de certa maneira, além dele mesmo, ao focar no(a) outro(a). É claro que em Laplanche é o outro humano que descentra o sujeito. É o(a) outro(a) humano(a) que constitui o nosso próprio inconsciente. É pelo modo como Laplanche leva Freud além dele mesmo que, neste artigo, eu gostaria de levar Laplanche além dele mesmo, e continuar a pensar a descentração e a descentrar o centro humano da psicanálise: do humano aos nossos companheiros animais, a outros seres vivos, ao inorgânico, ao outro não-humano e mais-que-humano no mais amplo sentido.

Pois parece que, partindo da devastação que determinados grupos humanos provocaram no planeta — e a esses grupos pertencemos especialmente nós, humanos das nações industrializadas do norte global —, não haja nada mais urgente do que a necessidade de viver de outra maneira nossa relação com nosso Mitwelt[12], com nosso mundo-com, com nosso ambiente compartilhado, de nos deparar com os viventes e de olhar a morte nos olhos, de encontrar outro imaginário, outras narrativas que não a da clivagem e divisão que exclui uma partilha verdadeira[13].

Nesse sentido, parece necessário pensar também na alteridade não-humana e lançar o sujeito humano, em especial o “ocidental-capitalista”, desde o suposto centro em outras órbitas; pensar centros de gravidades variados e outros, e não mais organizar o mundo apenas a partir do humano. Nisso, estou bastante consciente de que sou eu quem, pela escrita, me direciono a vocês, e não um cachorro, uma aranha, uma árvore ou uma pedra; e de que a tentativa de descentrar o humano talvez seja, igualmente, uma abordagem antropocêntrica. Parece-me, contudo, não haver outra possibilidade que não seja assumir reiteradamente esse risco, mesmo se nunca formos superar por completo o Ptolomeu em nós.

Freud e o trauma da era glacial

Posto tudo isso, começamos primeiramente com Freud. Na época em que Freud viveu, os efeitos destrutivos das atividades humanas em nosso planeta ainda não eram previsíveis do modo como hoje se apresentam[14]. Portanto, Freud ainda não podia direcionar seu olhar para esse futuro distópico que hoje nos ameaça. Foi ao passado igualmente distópico, no entanto, que ele o direcionou. Em novembro de 1914, Freud começou a trabalhar em uma série de ensaios sobre metapsicologia que queria publicar em forma de livro. Esse projeto de livro no final não se realizou, e apenas alguns textos foram publicados na forma de artigos, como Luto e melancolia, As pulsões e seus destinos, O recalque, e O inconsciente. Grande parte dos manuscritos desapareceu e se supõe que foi o próprio Freud quem os tenha destruído. A psicanalista alemã Ilse Grubrich-Simitis topou com um desses textos desaparecidos de metapsicologia no espólio de Sándor Ferenczi. De 1915, seu título é Neuroses de transferência: uma síntese. Enquanto Freud se ocupa em textos posteriores — como em O futuro de uma ilusão, de 1927, ou O mal-estar na cultura, de 1930 —, entre outras coisas, com nossa relação com a “natureza”, descrevendo-a a partir de nossos impulsos de mantê-la sob controle e dominá-la pela formação da cultura, seu debate em Neuroses de transferência: uma síntese acrescenta outros aspectos. Trata-se de uma “fantasia filogenética”, assim a chama Freud, que fora inspirada essencialmente pelas confrontações com o lamarckismo feitos por Ferenczi[15]. Apesar de, por motivos hoje completamente compreensíveis, Freud ter rejeitado esse texto “selvagemente” especulativo, ainda é interessante, contudo, que nele tenha pensado a relação das mudanças climáticas e geológicas na superfície terrestre com o surgimento das três neuroses de transferência (histeria de angústia, histeria de conversão e neurose obsessiva) e, com isso, tenha tentado contextualizar dentro da teoria da evolução o desenvolvimento psíquico humano, pelo que o meio-ambiente humano essencialmente coinfluencia a constituição da psique.

É possível deduzir também uma teoria do trauma dessas considerações especulativas em uma época em que a Primeira Guerra já se exprimia com fúria. Ela se diferencia de outras teorias freudianas do trauma e do conflito que, embora se baseiem igualmente em fatores externos, são concebidas fortemente a partir de conflitos pulsionais e da realidade psíquica interior. Em Neuroses de transferência: uma síntese, o desencadeador de um trauma é um acontecimento externo, angustiante e ameaçador — a era glacial —, que Freud imaginou irromper de modo bastante repentino. É a partir dessa grande catástrofe ecológica com que a humanidade foi confrontada na assim chamada pré-história “cinzenta” que Freud conceitualiza o que hoje chamamos de transmissão transgeracional do trauma. Já existe uma preparação disso em Totem e tabu[16]. Nele, Freud parte do assassinato do pai tirânico da horda primeva pelos filhos enciumados, impotentes. O sentimento de culpa que surge desse ato, continua vivendo, para Freud, por séculos nas gerações seguintes, e fundamenta um tabu universal do incesto. Enquanto em Totem e tabu trata-se mais das estruturas da sociedade da “horda primeva” e de suas consequências, em Neuroses de transferência: uma síntese o tema é primariamente o vínculo relacional entre o humano e seu mundo-com circundante. Freud parte primeiramente da ideia de Ferenczi de que “o desenvolvimento posterior desse humano primevo se realizou sob o efeito do destino geológico da Terra e que, em especial os perigos da era glacial o estimulou a desenvolver a cultura. […] [S]ob a influência das privações que a era glacial que irrompia a infligiu”, a humanidade, para Freud, teria “ficado em geral amedrontada […]. O mundo exterior amigável, que até então proporcionava preponderantemente satisfação, transformou-se em um acúmulo de perigos aterrorizantes. Houvera todos os motivos para um medo real de tudo que fosse novo”[17]. Nessa passagem, Freud nos revela também suas próprias fantasias em relação a algo como uma “natureza dada originalmente” ou mundo-com que parece se assemelhar ao paraíso ou ao ideal do materno: amigável, satisfatório, não frustrante nem privativo. O trauma da ameaça da era glacial levou, segundo Freud, a que o eu prescindisse dos investimentos libidinais de objeto, retendo a libido no eu e transformando-a em medo real. De acordo com Freud, ainda hoje uma parte de nós continua portando em si esse medo do começo da era glacial e transformando a libido insatisfatória em um medo exterior[18]. É por esse mecanismo, que surge na era glacial e que está ativo até hoje, que Freud explica o surgimento da histeria de medo.

Mas de volta ao humano primevo: como consequência, diz Freud,

o humano primevo ameaçado em sua existência teve que se entregar ao conflito entre autopreservação e desejo de reprodução, que encontra sua expressão na maioria dos casos típicos de histeria. Os alimentos não bastavam para permitir um aumento da horda humana, e as forças do indivíduo não eram suficientes para manter vivos tantos indefesos. O homicídio de recém-nascidos encontrou seguramente uma resistência no amor, em especial da mãe narcísica. Com isso, surgiu o dever social de restringir a reprodução. As satisfações perversas, que não levavam à procriação de crianças, se salvaram dessa proibição, o que promoveu certa regressão da genitália na fase libidinal do primata. A restrição deve ter sido mais dura para a mulher do que para o homem indiferente às consequências da relação sexual. Toda essa situação corresponde ostensivamente às condições da histeria de conversão[19].

É pelo conjunto de sintomas específicos da histeria de conversão, tal como eles se mostravam nos tempos de Freud — combinados a uma forte expressão corporal à qual a simbolização da linguagem permanecia cega — que Freud deduz que o humano primevo, no momento do primeiro surgimento da histeria de conversão na era glacial, deveria ainda não ter linguagem.

O desenvolvimento seguinte, para Freud — e aqui a perspectiva androcêntrica de Freud se revela — afetou sobretudo o homem. Depois de ter que controlar sua atividade sexual devido às privações, “a atividade da inteligência obteve o papel principal para ele. Aprendeu a pesquisar, a entender algo do mundo hostil e, com descobertas, assegurar uma primeira dominação desse mundo. Ele desenvolveu […] os inícios da linguagem […]. A linguagem lhe era mágica, seus pensamentos lhe surgiam onipotentes; ele compreendeu o mundo segundo seu eu. É a época da visão de mundo animista e sua técnica mágica”[20]. Essa fase do desenvolvimento humano, na qual o pensamento, o controle e a onipotência do pensamento têm um grande papel, Freud relaciona, então, com o desenvolvimento da neurose obsessiva.

Freud continua sua descrição do surgimento do patriarcado com um tom inteiramente crítico: “como recompensa por sua força de engendrar segurança de vida para tantas outras pessoas desamparadas, reivindicou o domínio irrestrito sobre elas, representando por sua pessoalidade as duas primeiras premissas de que ele mesmo seria inviolável e que não se lhe deveria contestar o acesso às mulheres”[21]. A sujeição da natureza é posta por Freud, portanto, em um nexo causal com a sujeição da mulher e com a rejeição da própria violabilidade e finitude pelo homem. Todos esses aspectos têm seu início em um trauma, em uma alteridade ameaçadora que não pode ser manifestamente reconhecida ou integrada psiquicamente, mas deve ser repelida e combatida.

É desse ponto de uma alteridade não integrável que partirá o psicanalista estadunidense Harold Searles — voltarei a ele mais tarde — que se ocupou, a partir de uma perspectiva psicanalítica, com o significado do meio-ambiente não-humano. Sua crítica é que até agora manifestamente à psicanálise não pareceu digna de maior atenção a alteridade do não-humano e mais-que-humano[22].

Um problema da psicanálise também reside, ao meu ver, em que ela não apenas se restringe a descrever nossa relação com o outro não-humano e mais-que-humano no sentido de formações defesivas contra o que é mais diferente — sobretudo da clivagem —, mas declara essa relação da clivagem como norma humana universal e dissimula que nela se trata de narrativas fortemente ligadas às ideias do Iluminismo – como conseguir o controle e a supremacia sobre a natureza, enquanto outras percepções do mundo-com humano são depreciados como “primitivas”. Com isso, a própria psicanálise “persiste na separação paranoico-esquizoide entre humano e todos os outros” e também reproduz essa clivagem na própria concepção de humano — pensemos, por exemplo, na distinção entre “os primitivos” e o “mundo ocidental civilizado”[23] —, sem analisar de fato essa separação[24] e sem questionar criticamente as narrativas e fantasias que existem também na psicanálise sobre a “natureza”[25].

Nas confrontações de Freud com a “natureza” estão presentes, de acordo com o pensamento de sua época e desde o Iluminismo, numerosos pares binários opostos: ser humano/natureza, homem/mulher, ordem/caos, norma/patologia, progressismo/primitivismo. São conceitos do Iluminismo, da Modernidade, do patriarcado, do colonialismo, do capitalismo: conceitos, portanto, que a analista junguiana Mary-Jane Rust sinaliza como sendo mitos da Modernidade[26]. Freud e a psicanálise assumem uma relação ambivalente quanto a esses mitos da Modernidade. A psicanálise pode atuar, por um lado, como um exemplo do pensamento esclarecido. Isso se mostra não só na concepção binária-hierárquica de mundo, mas também de maneira bastante geral na pretensão de tornar consciente o inconsciente e de conferir ao “racional”, ao eu, mais poder sobre o isso. Freud e a psicanálise também constituem ao mesmo tempo, porém, um sério desafio para o pensamento do Iluminismo[27], uma vez que constantemente borram os limites das categorias binárias — incluindo também aquelas entre ordem e caos, ser humano e animal, o orgânico e o inorgânico.

Encontramos nas obras de Freud um entendimento profundo, mesmo que em grande medida implícito, de nossa própria crise contemporânea: um entendimento da natureza que repousa em um sistema hierárquico de binaridades e a tentativa de, perante o caos e a impotência com que “a natureza” nos confronta, produzir uma autonomia e um controle ilusórios. Nessa análise de Freud já se mostra talvez também uma crítica e o horizonte de uma outra narrativa. Assim como Freud desenvolve uma narrativa criativa, histórica, em Neuroses de transferência: uma síntese, que se refere às catástrofes da época pré-histórica, também é possível desenvolver, talvez, uma narrativa orientada ao futuro que permita imaginar de outra maneira nossa relação com a natureza que nos circunda, como sugerem muitos(as) teóricos(as) pós-humanistas, entre eles(as) Donna Haraway em seu livro Ficar com o problema: fazer parentes no Chthluceno.

Também encontramos em Freud certa crença no desenvolvimento e, ao mesmo tempo, a consciência de que nós nunca vamos dominar completamente a “natureza”:

Mas ninguém comete o engano de achar que a natureza já está dominada, e poucos têm a audácia de esperar que algum dia ela se sujeite inteiramente ao ser humano. Existem os elementos, que parecem zombar de toda tentativa de coação humana; a terra, que treme, se abre e soterra o que é humano ou obra humana; a água, que tudo inunda e afoga ao sublevar-se; a tempestade, que tudo varre para longe; há as doenças, que há pouco tempo descobrimos serem ataques de outros seres vivos; e, por fim, o doloroso enigma da morte, para a qual até agora não se achou e provavelmente não se achará remédio. Com essas forças a natureza se ergue contra nós, majestosa, cruel, implacável, sempre nos recordando nossa fraqueza e desvalia, que pensávamos haver superado mediante o trabalho da cultura[28].

Nessa passagem de o Futuro de uma ilusão, Freud descreve o estranho, estrangeiro, ameaçador, o não-integrável do nosso mundo-com.

Do trauma à kinship: o The Nonhuman Environment de Harold Searles

É esse não-integrável que constitui um desses aspectos ao qual se dedica o psicanalista estadunidense Harold Searles, pouco lembrado atualmente[29]. Como nenhum outro analista, ele se confrontou com o mundo-com não-humano, tanto em relação à sua influência em nossa psicogênese quanto também no contexto das catástrofes ecológicas que, já nos anos 1970, ele descrevia como ameaçadoras. Searles continua as reflexões de Freud de Neuroses de transferência: uma síntese, sem poder, no entanto, fazer referência a tal texto, dado que, na época, o texto era considerado desaparecido. Em seu livro The nonhuman Environment [O ambiente não humano], cuja primeira edição é de 1960, ele argumenta que, na psicanálise, nós devemos ter em vista não apenas as relações humanas de objeto, mas também o mundo não-humano — como animais domésticos, plantas e objetos inanimados —, que igualmente atuam como fator essencial na constituição do sujeito.

Searles argumenta que nós “podemos descobrir, com cada paciente, independentemente de qual categoria diagnóstica, ao longo de uma psicanálise profunda […] indícios de uma luta incessante por uma diferenciação abrangente como seres humanos em distinção àquilo que na personalidade é sentido como não-humano”[30]. Por isso, em neuroses, psicoses e outros estados de sofrimento psíquico se mostram não apenas conflitos interiores, mas tais estados são caracterizados por uma relação a cada vez específica com o meio-ambiente não-humano.

O lactente passa, para Searles, no seu desenvolvimento, por distintos estágios de delimitação de seu meio-ambiente — primeiro, como ser vivo em relação às coisas inanimadas, depois como ser humano em relação aos animais e, finalmente, como indivíduo em relação à mãe[31]. A primeira clivagem fundamental que consuma o eu tenro em delimitação com o mundo exterior é designada por Searles como “castração primitiva”. Ela remete ao conflito fundamental entre o medo de ser-um com um mundo caótico e ameaçador e o medo de perder o ser-um com um mundo supostamente onipotente e universal[32]. Em consequência, trata-se também de um conflito entre o desejo de ser humano e o desejo de não ser humano na condição de um conflito entre o eu e o isso[33]. Esse conflito fundante é visto por Searles como anterior ao conflito edipiano, ou seja, como seu fundamento subjacente[34]. Esse conflito interior fundante seria, para Searles, tão ameaçador que também assusta os(as) psicanalistas, o que seria um motivo para que esse âmbito da confrontação com o outro não-humano tenha sido em grande medida negligenciado na psicanálise até então[35].

Uma vez que procuramos repelir inconscientemente esse conflito interior entre os aspectos humanos e não-humanos em nós mesmos, projetamos “esses conflitos na guerra da realidade exterior entre os resquícios devastados de uma natureza ecologicamente intacta e a tecnologia humana destrutiva e a promovemos, com isso, de maneira inconsciente”[36], pelo que se põe em marcha e se mantém uma espiral de destruição do meio-ambiente[37].

A idealização humana da tecnologia como âncora de salvação para o combate das catástrofes ecológicas de nosso tempo é vista por Searles de maneira crítica, dado que leva novamente a uma clivagem problemática, na qual a natureza aparece como a mãe má e a tecnologia como a boa mãe[38]. Quanto mais nos alienamos da natureza, mais nos impulsionaremos em uma identificação regressiva e em uma fascinação onipotente pela tecnologia. Disso surge um laço de retroalimentação, pelo qual nossa relação com o meio-ambiente fica cada vez mais dilacerada e alienada.

Outro motivo para a destruição do meio-ambiente é descrito por Searles como um conflito edipiano que, entretanto, ele concebe de maneira inversa à de Freud. Ele descreve o ódio e o desejo de extinção do pai e da geração dos pais perante as gerações posteriores. Estas se tornam rivais edipianas que sempre nos estarão à frente no que concerne ao futuro, uma vez que vão sobreviver a nós[39]. A poluição do meio-ambiente serve não apenas para obstruir o futuro dos descendentes, que inconscientemente odiamos e invejamos, mas também para obscurecer uma perda dolorosa própria no passado, da qual não queremos nos recordar. É uma posição melancólica na qual nos reencontramos, segundo Searles, partindo da primeira cisão — a “castração primitiva” — do mundo que nos circunda, uma posição na qual nos recusamos a lembrar e a lamentar o não-humano perdido[40]. Isso nos faz equipararmos o mundo idealizado de nossa infância irrecuperavelmente perdida com um meio-ambiente não poluído, satisfatório, puro, ideal, e tendermos a aceitar que não podemos empreender nada contra a poluição de nosso meio-ambiente atual[41]. É uma posição, continua Searles, que nos leva a poluir e destruir o planeta até o ponto em que nós no fundo não tenhamos mais nada a perder quando finalmente morrermos[42].

Embora Searles contemple o outro não-humano e mais-que-humano de uma perspectiva humana, ultrapassa Freud e argumenta que um desenvolvimento psíquico “maduro” — do qual nenhum de nós dispõe completamente, ao fim e ao cabo — seria essencial para que possamos nos relacionar de um modo emocional “saudável” com o outro não-humano, para que possamos lamentar o perdido e enfrentar o perigo ecológico.

Para Searles, os conceitos de “relatedness[43] [relacionalidade, qualidade de estar relacionado] e de “kinship” [parentesco] assumem um grande papel, sendo o último um conceito que também encontramos em uma pensadora pós-humanista eminente — Donna Haraway. Searles descreve um parentesco, uma kinship, no sentido da fisiologia, da anatomia, da estrutura atômica, mas também um parentesco a partir da história da evolução da humanidade e um parentesco em relação com o destino biológico de todos os seres vivos — a morte —, pela qual nosso corpo, ao fim e ao cabo, se decompõe em componentes inorgânicos. O ser humano está provisoriamente em sua entidade, ao mesmo tempo potencialmente orgânica e inorgânica, animal e meio-ambiente. De modo similar ao de Freud, encontramos em Searles, contudo, também a depreciação problemática de determinadas culturas como “primitivas” quando essas mantêm uma proximidade grande demais com o outro não-humano[44].

A vinculação, a relacionalidade e o parentesco são pensados por Searles não no sentido de uma dissolução na ou como simbiose do ser humano com o outro não-humano ou mais-que-humano — o que equivaleria a uma regressão. Tais fantasias de ser-um, como hoje encontramos ainda hoje em muitos, não todos, discursos pós-humanistas — Freud já tinha considerado e criticado em seu debate com o escritor francês Romain Rolland e o conceito de sentimento oceânico[45]. Para Searles, tanto o sentimento de vinculação simbiótica quanto a crença da dominação técnica da natureza e a ideia nela vinculada de que o ser humano poderia se elevar para fora e, ao fim e ao cabo, completamente sobre a natureza são figuras que fundamentam uma alienação total. Ele vê nelas indícios de uma relação não “saudável” com nosso meio-ambiente.

É a consciência do parentesco na diferença que marca uma posição “madura”, a gente poderia chamar talvez também de ética, que caracteriza a nossa humanidade, no sentido daquilo que é humano. Também faz parte disso, diz Searles, um self claramente separado que pode manter bem em si mesmo os componentes ambivalentes — tanto os humanos quanto os não-humanos —, mas que também pode reconhecer a realidade exterior, psiquicamente, uma parte nossa, em toda sua ambivalência, em sua familiaridade, estranheza e estrangeiridade, até mesmo também com seus produtos residuais tóxicos[46].

Mas Searles continua sendo, como Freud, seu próprio Ptolomeu, assim como seu próprio Copérnico. O mundo não-humano que Searles toma em consideração serve, ao fim e ao cabo, ao ser humano e à sua sobrevivência.

Wo Es war, wird immer noch Anderes sein” [Onde isso era, será sempre outro]

Em uma linha de frente completamente diferente da de Harold Searles, Jean Laplanche argumenta em relação à alteridade, quando escreve, por exemplo: “tão logo a alteridade dooutro se desvanece, tão logo ela é reintegrada […] como minha fantasia dooutro, fica em perigo também a alteridade do desconhecido”[47]. Laplanche nos remete aqui à problemática da integração, como, por exemplo, pode ser encontrada também na famosa sentença de Freud “Wo Es war, soll Ich werden” [onde era o isso, eu devo devir][48] — um movimento que traz consigo o perigo de uniformizar cada vez mais o sujeito. Em um movimento descentrador, Laplanche inscreve nessa sentença freudiana o pensamento da alteridade: “Wo Es war, wird (soll? muss?) immer noch Anderes sein” [onde Isso era, vai (deve? tem que?) ser sempre outro][49]. Em Laplanche, assim como em Searles, portanto, trata-se do reconhecimento radical da alteridade, uma alteridade que sempre já nos é descentrada e que não pode ser facilmente dissolvida ou eliminada. Uma alteridade que também não podemos ter facilmente sob controle. Pensar a alteridade nessa radicalidade não significa para Laplanche, no entanto, dissolver o sujeito ou levar a psique a se fundir com o outro. Ambas as posições — tanto a dissolução da psique quanto a dissolução do outro — são, para Laplanche, problemáticas: “seguramente há uma morte da psique pela desintegração, morte pela pulsão de morte, há, contudo, também uma morte da psique pela solidificação e síntese excessivas, morte da psique pelo eu”[50]. As dinâmicas entre os movimentos de integração e desintegração, entre as partes humanas e não-humanas, são talvez outros nomes para a dinâmica da libido e da pulsão de morte, o que nos remete a que apenas o entrelaçamento entre ambas garante a vida e a sobrevivência. A pulsão de morte que, segundo Laplanche, pode ser entendida como “‘pura cultura’ da outridade que descobrimos nas mais profundas camadas do inconsciente”[51], marca uma alteridade que, ao mesmo tempo, é fonte de novos significados e mudanças, e que assegura a existência do vivente e do social[52].

Trata-se, então, em Laplanche, quando ele fala da alteridade, da alteridade do inconsciente tal como surge a partir da situação da sedução[53]. As primeiras pessoas com quem um lactente se relaciona implantam, mediante mensagens enigmáticas oriundas de seu inconsciente, o impulsivo-sexual no lactente. Trata-se de uma alteridade, um intraduzível, um murmurar enigmático na comunicação dos adultos com a criança, que não é capaz de se desfazer disso e que nós, na condição de sujeitos, procuramos por toda uma vida traduzir e preencher com sentido. Neste ponto, gostaria de justapor, então, a alteridade do sexual de Jean Laplanche com aquela alteridade do outro não-humano e mais-que-humano conceitualizada por Harold Searles, o que me parece um complemento importante para as considerações teóricas de Laplanche sobre a pulsão. Eu entendo a alteridade do outro não-humano e mais-que-humano como uma alteridade na fronteira entre dentro e fora, assim como a alteridade do inconsciente em Laplanche se assenta nesta mesma fronteira. É uma alteridade que, de um lado, talvez possamos entender como inscrita na dinâmica da libido e da pulsão de morte, tratando-se provavelmente até mesmo de um outro nome para tal dinâmica — pensemos, por exemplo, em Searles, que escreve sobre um conflito interior entre o humano e o não-humano — e, ao mesmo tempo, por outro lado, é uma alteridade com a qual nós nos situamos em um vínculo relacional e coconstitutivo. É uma alteridade que é inalcançável e que, feito o enigma do sexual descrito por Laplanche, nós devemos, de novo e sempre, traduzir de outra maneira. O próprio processo de tradução é um processo inconsciente, mas ele se vale de diferentes códigos, fantasias e mitos sociais e individuais, sendo também capaz de se deixar afetar pelo acontecimento e pelo outro radical. Nisso reside um dos potenciais de traduzir de maneiras complexas nosso conflito entre o outro humano e o outro não-humano, ou melhor, nossa relação com a alteridade inalcançável do outro não-humano e mais-que-humano e de encontrar uma nova narrativa diferente daquela da clivagem. Com Searles, talvez uma narrativa do parentesco e da relacionalidade. Pois o trauma, o inintegrável, o enigmático, requer sempre novas traduções, novas representações: “a tradução se torna, então, uma transformação do potencial, e não mais uma transmissão passiva de significado ou de presença ontológica”[54].

Aprender a viver significa aprender a morrer

Vivemos em uma época em que não precisamos, como Freud, olhar para trás para ter em consideração as catástrofes de um tempo pré-histórico e suas influências em nós e em nossa vida psíquica. Nosso olhar deve se pôr inevitavelmente em um futuro que começa a se fechar. Tendo em vista um fim do ser humano que possivelmente está se delineando no horizonte da época, perante o horizonte que possivelmente está se fechando para a espécie humana, uma catástrofe se mostra com um novo semblante. Essa catástrofe não está atrás de nós, mas à frente. Ela delimita nosso futuro.

Como podemos agir? Como podemos falar? Quando começa a época do declínio.

O potencial fim da humanidade parece roubar de uma só tacada um sentido de tudo. Para que trabalhamos? Quem lerá, continuará pensando e escrevendo os nossos textos? Imaginações e pensamentos narcisistas intrudem, nos quais, contudo, ao fim e ao cabo, trata-se somente dos próprios privilégios, da própria sobrevivência, da própria herança. Um pensamento no qual os outros, outras pessoas, mas também o outro não-humano e mais-que-humano, já desapareceram há muito. Entretanto, esses outros, os outros humanos, não-humanos e mais-que-humanos, podem nos proporcionar aquilo que agora chamamos de vida. E eles podem, então, também se tornar parte de nossa sobre-vida.

O fim da humanidade gera em nós o temor do fim de toda vida e o fim de toda vida gera a imagem da transformação de nosso planeta azul em bola vermelha, morta e desolada.

Do ponto de vista geológico, nosso planeta começou sem vida, com a não-vida a partir da qual, por fim, diferentes formas de vida se desenvolveram — até que uma delas ameaçou extinguir não apenas a si mesma, mas todas as outras e reconduzir o planeta à ausência de vida originária.

A crise planetária de nossa época nos obriga a nos confrontar com aspectos traumáticos do passado radical, com a perda, com o fato de que nada dura para sempre, até mesmo a humanidade, e que tudo, até mesmo nosso planeta, nosso sistema solar, em algum momento desaparecerá[55]. A confrontação com o outro não-humano e mais-que-humano se torna para nós também uma confrontação com a morte, não apenas com a morte que nós, como indivíduos, teremos que morrer, mas com a morte de nossa espécie, com a morte de nossas espécies companheiras, como Donna Haraway chama nossos(as) companheiros(as) de viagem não-humanos(as) e mais-que-humanos(as).

Em sua última entrevista, o filósofo francês e fundador da desconstrução, Jacques Derrida, que morreu de câncer em 2004, diz: “aprender a viver significa aprender a morrer, ter em conta e aceitar a mortalidade absoluta (ou seja, sem salvação, sem ressureição, nem redenção — nem para si mesmo nem para os outros)”[56]. Derrida vê a questão da vida sempre já entrelaçada com a questão da morte: lavielamort — a vida, a morte, dizia uma das suas expressões a fim de designar esse entrelaçamento numa só respiração e palavra[57]. Vida e morte não se diluem, permanecem diferrantes, mas entram, em Derrida, em uma outra relação uma com a outra. Aquilo que consideramos mutuamente excludente, Derrida vê entrelaçado e tenta, com isso, estabelecer a morte não como a catástrofe no fim de nossa vida, mas tê-la em vista já vivendo sempre no coração da vida.

Quando Derrida diz que aprender a viver significa aprender a morrer, trata-se, então, de ter em vista a morte em seu entrelaçamento na e com a vida. Não a pôr em um fim que quase sempre já é um fora da vida. Dessa maneira derridiana, aprender a viver significa, portanto, confrontar-se com o outro da vida, a morte, não como um fim, mas como vestígio que se inscreve continuamente na vida. Eu gostaria, nesse sentido, de pensar Searles com Derrida: é a primeira cisão do não-humano que ela inscreve, ao mesmo tempo, em nós para sempre. Aprender a viver, nesse sentido, significa também aprender a viver em entrelaçamento, em parentesco e em relacionalidade com o outro não-humano e mais-que-humano e pôr em questão as oposições destrutivas de nosso pensamento ocidental. Vale ter em vista um ser-com que possa surgir como algo partilhado, e não como algo dividido. Não dividir e não destruir é o que exige o reconhecimento da alteridade no coração daquilo que nós chamaremos repetidamente de Próprio. Nesse sentido, ter em vista o outro não-humano e mais-que-humano do ponto de vista psicanalítico significa também não a morte da psicanálise, mas a continuação de sua existência.

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[*] Agradeço especialmente a Elisabeth Schäfer e aos membros do Sigmund Freud Research Group [Grupo de pesquisa Sigmund Freud] pelas discussões inspiradoras. Gostaria de dedicar este texto ao filósofo e psicanalista Philippe van Haute, um amigo e membro do grupo de pesquisa, que nos deixou para sempre em 5 de novembro de 2022.

Todas as citações do inglês foram traduzidas pela autor(a) para o alemão. [Todas as citações foram traduzidas do alemão, salvo quando indicado o contrário (N. de T.)].

Esther Hutfless é filósofa e psicanalista em Viena, Áustria. Professora adjunta de filosofia, psicanálise, ciência da psicoterapia, psicologia social psicanalítica, estudos de gênero e teoria queer na Universidade de Viena e na Universidade Sigmund Freud em Linz. Hutfless é uma das editoras-chefes da série de livros Figures of the Unconscious publicada pela Leuven University Press. Atualmente, Esther Hutfless está trabalhando nas interseções da teoria queer e psicanálise e no projeto de habilitação “Die kommende Psychoanalyse” (Psicanálise por vir).

Gabriel Salvi Philipson é doutor em Teoria e História Literária na Unicamp sob orientação de Márcio Seligmann-Silva, tendo realizado estágio de pesquisa na Freie Universität Berlin, sob orientação de Susanne Zepp, com pesquisa fomentada pelo CNPq, pela FAPESP e pelo DAAD pesquisando a relação entre teoria descolonial e filosofia da técnica a partir das obras teóricas e filosoficcionais de Vilém Flusser. É também tradutor, bacharel (2013) e licenciado (2014) em Filosofia e mestre (2017) em Teoria Literária e Literatura Comparada na USP. Atualmente, realiza pesquisa de nível pós-doutoral em Estudos da Linguagem na PUC-SP sob supervisão de Fábio Roberto Lucas, na linha de pesquisa “Poéticas literárias: oralidade, escrita e manifestações tecnológicas” sobre a escrita literária literal da natureza e as (im)possibilidades da literatura no antropoceno a partir das obras da Intermundial Holobiente. E-mail: gsphilipson@gmail.com.



[1] Kelly-Oliver contou cerca de 80 espécies diferentes de animais mencionadas nas obras de Freud. Cf. OLIVER, K. (2009). Animal Lessons. How They Teach Us to Be Human. Nova Iorque: Columbia University Press, p. 247.

[2] Cf. STANFORD FRIEDMAN, S. (2002). Analyzing Freud: Letters of H. D., Bryher and Their Circle: Letters of H.D., Bryher, and Their Circle. Nova Iorque: New Directions Books.

[3] GRINKER, R. (1979). Fifty Years in Psychiatry. A Living History. Berkeley: University of California Press, p. 9.

[4] Utilizo no presente artigo o termo “o outro não-humano e mais-que-humano” em contraponto ao conceito de “natureza”, um construto carregado com muitas fantasias nos discursos “ocidentais” e que em geral funciona como o outro e o negativo da “cultura”. Particularmente quanto ao “outro mais-que-humano”, trata-se de um termo que David Abram (1996) popularizou e que procura desconstruir o dualismo cultura-natureza. O “mais” rompe, além disso, com a dualidade hierárquica entre humano e não-humano.

[5] SEARLES, H. F. (1960). “The Nonhuman Environment”. In Normal Development and in Schizophrenia. Nova Iorque: 1973, International University Press, p. 16. Isso se mostra, por exemplo, na publicação de dois tomos de Vamik Volkan e Salman Akhtar sobre o animal na psicanálise, ou na confrontação de Marcel Heiman com o cachorro a partir da história de um caso psicanalítico. Cf. AKHTAR, S. & VOLKAN, V. D. (2014a). Mental Zoo: Animals in the Human Mind and Its Pathology. Londres: International Universities Press/Karnac Press; AKHTAR, S. & VOLKAN, V. D. (2014b). Cultural Zoo: Animals in the Human Mind and Its Sublimations. Londres: International Universities Press/Karnac Press. Uma rápida nota marginal sobre isso que ilustra como a relação com o animal tece ideias de gênero heteronormativas e problemáticas na psicanálise. Heiman atribui sobretudo à mulher e ao homem homossexual, devido a um problema edipiano não resolvido, uma relação como objeto sublimado com o animal (GENTILE K. [2018]. Animals as the Symptom of Psychoanalysis Or, The Potential for Interspecies Co-emergence in Psychoanalysis. Studies in Gender and Sexuality, ano 19, caderno 1, p. 9; HEIMAN, M. [1956]. The Relationship Between Man and Dog. Psychoanalytic Quarterly, ano 25, p. 568–585).

[6] Cf. WELLENDORF, F. (2011). Überlegungen zur inneren und äußeren Realität. In: Peter Diedrichs, Jörg Frommer, Franz Wellendorf (orgs.). Äußere und innere Realität. Stuttgart: Klett-Cotta, p. 23.

[7] FREUD, S. (1920): Jenseits des Lustprinzips. Gesammelte Werke. Frankfurt am Main: Fischer, Band 13, p. 246. [Tradução brasileira: FREUD, Sigmund. Além do princípio de prazer. In: História de uma neurose infantil: (“O homem dos lobos”): além do princípio do prazer e outros textos: (1917-1920). Obras completas v. 14. Tra. P. C. de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2021, p. 149 (N. de T.)].

[8] POVINELLI, E. A. (2017). Geontologies: The Concept and Its Territories. E-flux journal. Disponível em: <www.e-flux.com/journal/81/123372/geontologies-the-concept-and-its-territories>.

[9] Cf. LAPLANCHE, J. (1992). “Die unvollendete kopernikanische Revolution”. In: Die unvollendete kopernikanische Revolution in der Psychoanalyse. Gießen: Psychosozial-Verlag, p. 21.

[10] LAPLANCHE, J. (1992). “Die unvollendete kopernikanische Revolution”. In: Die unvollendete kopernikanische Revolution in der Psychoanalyse. Gießen: Psychosozial-Verlag, p. 15.

[11] LAPLANCHE, J. (1992). “Die unvollendete kopernikanische Revolution”. In: Die unvollendete kopernikanische Revolution in der Psychoanalyse. Gießen: Psychosozial-Verlag, p. 10-11.

[12] Em alguns momentos deste texto uso o conceito de Mitwelt, mundo-com, ambiente compartilhado, no lugar de Umwelt, mundo-circundante, meio-ambiente, para apontar para o caráter partilhado e para desconstruir a centração no humano que ressoa no conceito de Umwelt.

[13] Gostaria de salientar neste ponto que meu foco na vida e na não-vida, no humano e no não-humano não deve ser entendido como abstrações ou desvios do fato de que os humanos não causaram de maneira igual as numerosas catástrofes ecológicas com as quais estamos atualmente confrontados. Ao contrário, foram determinadas formas de sociedade humana: coloniais, racistas, patriarcais, industriais, capitalistas etc.

[14] DODDS J. (2011). Psychoanalysis and Ecology at the Edge of Chaos. Nova Iorque: Routledge, p. 31.

[15] Cf. a introdução a: FREUD, Sigmund (1915a). Übersicht der Übertragungsneurosen. Gesammelte Werke. Texte aus den Jahren 1885 bis 1938, p. 630. Frankfurt am Main: Fischer. Cf. também: FERENCZI, S. (1924). Versuch einer Genitaltheorie. Internationale Psychoanalytische Bibliothek, Band XV. Leipzig/Viena/Zurique: Internationaler Psychoanalytischer Verlag. E: SOREANU, R.; STABERG, J.; WILLNER, J. (2022). Ferenczi Dialogues. On Trauma and Catastrophe. Leuven: Leuven University Press.

[16] FREUD, Sigmund (1913). Totem und Tabu. Gesammelte Werke, tomo 9, p. 3–195. Frankfurt am Main: Fischer Verlag.

[17] FREUD, Sigmund (1915a). Übersicht der Übertragungsneurosen. Gesammelte Werke. Texte aus den Jahren 1885 bis 1938, p. 627–651. Frankfurt am Main: Fischer, pp. 643-644.

[18] FREUD, Sigmund (1915a). Übersicht der Übertragungsneurosen. Gesammelte Werke. Texte aus den Jahren 1885 bis 1938, p. 627–651. Frankfurt am Main: Fischer, p. 645.

[19] FREUD, Sigmund (1915a). Übersicht der Übertragungsneurosen. Gesammelte Werke. Texte aus den Jahren 1885 bis 1938, p. 627–651. Frankfurt am Main: Fischer, p. 645.

[20] FREUD, Sigmund (1915a). Übersicht der Übertragungsneurosen. Gesammelte Werke. Texte aus den Jahren 1885 bis 1938, p. 627–651. Frankfurt am Main: Fischer, p. 646.

[21] FREUD, Sigmund (1915a). Übersicht der Übertragungsneurosen. Gesammelte Werke. Texte aus den Jahren 1885 bis 1938, p. 627–651. Frankfurt am Main: Fischer, p. 646.

[22] SEARLES, H. F. (1960). “The Nonhuman Environment”. In Normal Development and in Schizophrenia. Nova Iorque: 1973, International University Press, p. 3.

[23] Faço uso em meu texto do conceito de “humano” sabendo bem que ele também possui uma história problemática justamente a partir das imaginações do Iluminismo. O conceito de humano sempre nos remete de novo especialmente à violência das demarcações, clivagens e extinções, à desumanização e à aniquilação de determinados agrupamentos humanos.

[24] GENTILE K. (2018). Animals as the Symptom of Psychoanalysis Or, The Potential for Interspecies Co-emergence in Psychoanalysis. Studies in Gender and Sexuality, ano 19, caderno 1, p. 8.

[25] Minha confrontação com o outro não-humano e mais-que-humano deve ser situada, portanto, também no contexto de uma continuação da crítica queer, na qual não se trata apenas da desconstrução da sexualidade binária, mas de modo bastante geral da desconstrução das oposições binárias, uma vez que elas não podem ser consideradas de modo isolado, devendo ser entendidas como interligadas e interdependentes.

[26] Cf. DODDS J. (2011). Psychoanalysis and Ecology at the Edge of Chaos. Nova Iorque: Routledge, p. 31; RUST, M.-J. (2008): Climate on the couch: Unconscious processes in relation to our environmental crisis. Psychotherapy and Politics International, 6(3), p.150-170.

[27] DODDS J. (2011). Psychoanalysis and Ecology at the Edge of Chaos. Nova Iorque: Routledge, p. 32.

[28] FREUD, Sigmund (1927). Die Zukunft einer Illusion. Gesammelte Werke, tomo 14, p. 325–380. Frankfurt am Main: Fischer Verlag, p.336-337. N.T.: FREUD, Sigmund. Inibição, Sintoma e Angústia, Futuro de Uma Ilusão (1926-1929) – Obras Completas – Vol. 17. Trad.: Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2014. Com algumas modificações do tradutor do presente artigo.

[29] Searles, morto em 2015, se especializou sobretudo no tratamento psicanalítico da esquizofrenia. Sua confrontação com a esquizofrenia e sua relação específica com o mundo exterior resultou em uma confrontação psicanalítica em geral com nosso mundo-com, com o outro não-humano e mais-que-humano, e levou Searles a se ocupar com e a estudar questões ecológicas.

[30] SEARLES, H. F. (1960). “The Nonhuman Environment”. In Normal Development and in Schizophrenia. Nova Iorque: 1973, International University Press, p. 420.

[31] GENTILE K. (2018). Animals as the Symptom of Psychoanalysis Or, The Potential for Interspecies Co-emergence in Psychoanalysis. Studies in Gender and Sexuality, ano 19, caderno 1, p. 9.

[32] SEARLES, H. F. (1960). “The Nonhuman Environment”. In Normal Development and in Schizophrenia. Nova Iorque: 1973, International University Press, p. 39; GENTILE K. (2018). Animals as the Symptom of Psychoanalysis Or, The Potential for Interspecies Co-emergence in Psychoanalysis. Studies in Gender and Sexuality, ano 19, caderno 1, p. 9.

[33] SEARLES, H. F. (1960). “The Nonhuman Environment”. In Normal Development and in Schizophrenia. Nova Iorque: 1973, International University Press, p. 421.

[34] Neles também se mostram talvez dinâmicas com que nos topamos na concepção freudiana de Eros e pulsão de morte.

[35] SEARLES, H. F. (1960). “The Nonhuman Environment”. In Normal Development and in Schizophrenia. Nova Iorque: 1973, International University Press, p. 420.

[36] SEARLES, H. F. (1972). Unconscious Processes in Relation to the Environmental Crisis. Psychoanalytic Review 59, p. 368.

[37] DODDS J. (2011). Psychoanalysis and Ecology at the Edge of Chaos. Nova Iorque: Routledge, p. 71.

[38] SEARLES, H. F. (1972). Unconscious Processes in Relation to the Environmental Crisis. Psychoanalytic Review 59, p. 369. Como na obra de Freud, em Searles também há certa analogia entre a relação com a mãe e a relação com o outro não-humano e mais-que-humano. O último é, com isso, quase que desgeneralizado.

[39] SEARLES, H. F. (1972). Unconscious Processes in Relation to the Environmental Crisis. Psychoanalytic Review 59, p. 364.

[40] SEARLES, H. F. (1960). “The Nonhuman Environment”. In Normal Development and in Schizophrenia. Nova Iorque: 1973, International University Press, p. 39.

[41] SEARLES, H. F. (1972). Unconscious Processes in Relation to the Environmental Crisis. Psychoanalytic Review 59, p. 366.

[42] SEARLES, H. F. (1972). Unconscious Processes in Relation to the Environmental Crisis. Psychoanalytic Review 59, p. 367.

[43] SEARLES, H. F. (1960). “The Nonhuman Environment”. In Normal Development and in Schizophrenia. Nova Iorque: 1973, International University Press, p. 101.

[44] Cf. SEARLES, H. F. (1960). “The Nonhuman Environment”. In Normal Development and in Schizophrenia. Nova Iorque: 1973, International University Press, p. 44.

[45] FREUD, Sigmund (1930). Das Unbehagen in der Kultur. Gesammelte Werke, tomo 14, p. 421–506. Frankfurt am Main: Fischer Verlag.

[46] SEARLES, H. F. (1972). Unconscious Processes in Relation to the Environmental Crisis. Psychoanalytic Review 59, p. 368.

[47] LAPLANCHE, J. (1992). “Die unvollendete kopernikanische Revolution”. In: Die unvollendete kopernikanische Revolution in der Psychoanalyse. Gießen: Psychosozial-Verlag, p. 25.

[48] LAPLANCHE, J. (1992). “Die unvollendete kopernikanische Revolution”. In: Die unvollendete kopernikanische Revolution in der Psychoanalyse. Gießen: Psychosozial-Verlag, p. 36.

[49] LAPLANCHE, J. (1992). “Die unvollendete kopernikanische Revolution”. In: Die unvollendete kopernikanische Revolution in der Psychoanalyse. Gießen: Psychosozial-Verlag, p. 36.

[50] LAPLANCHE, J. (1987). Neue Grundlagen für die Psychoanalyse. Gießen: Psychosozial-Verlag, 2011, p. 181.

[51] LAPLANCHE, J. (2004). The So-Called ‘Death Drive’: A Sexual Drive. British Journal of Psychotherapy, Jahrgang 20, caderno 4, p. 465.

[52] HUTFLESS, Esther (2021). “Of Traces, Translations and Deconstruction. Reading Laplanche with Derrida”. In: The Undecidable Unconscious, Volume 8, University of Nebraska Press, p. 19.

[53] LAPLANCHE, J. (1987). Neue Grundlagen für die Psychoanalyse. Gießen: Psychosozial-Verlag, 2011, pp. 119-ss.; HUTFLESS, Esther (2021). “Of Traces, Translations and Deconstruction. Reading Laplanche with Derrida”. In: The Undecidable Unconscious, Volume 8, University of Nebraska Press; QUINDEAU, I. (2017). Geschlechtervielfalt und polymorphes Begehren: Queere Perspektiven in der Psychoanalyse. In: Hutfless, Esther; Zach, B. (orgs.), Queering Psychoanalysis. Psychoanalyse und Queer Theory – Transdisziplinäre Verschränkungen. Wien: Zaglossus; SCARFONE, D. (2014). Eine kurze Einführung in das Werk von Jean Laplanche. Internationale Psychoanalyse. Ausgewählte Beiträge aus dem International Journal of Psychoanalysis, 9.

[54] KRUGER, J.-L. (2004). Translating traces: Deconstruction and the practice of translation. Literator, ano 25, caderno 1, p. 51.

[55] DODDS J. (2011). Psychoanalysis and Ecology at the Edge of Chaos. Nova Iorque: Routledge, p. 72.

[56] DERRIDA, Jacques. (2007). Learning to Live Finally. The Last Interview. Hampshire: Palgrave, p. 24. Já há uma formulação completamente semelhante no Considerações atuais sobre a guerra e a morte de Freud: “Não deveríamos admitir que com nossa atitude cultural diante da morte vivemos psicologicamente acima de nossos meios, mais uma vez, e voltar atrás e reconhecer a verdade? Não seria melhor dar à morte o lugar que lhe cabe, na realidade e em nossos pensamentos, e pôr um pouco mais à mostra nossa atitude inconsciente ante a morte, que até agora reprimimos cuidadosamente? Isso não parece uma realização maior, seria antes um passo atrás em vários aspectos, uma regressão, mas tem a vantagem de levar mais em conta a verdade e nos tornar a vida novamente suportável. Suportar a vida continua a ser o primeiro dever dos vivos. A ilusão perde o valor se nos atrapalha nisso. Recordemo-nos do velho ditado: Si vis pacem, para bellum. Se queres conservar a paz, prepara-te para a guerra. No momento atual caberia mudá-lo: Si vis vitam, para mortem. Se queres aguentar a vida, prepara-te para a morte”. FREUD, Sigmund (1915b). Zeitgemäßes über Krieg und Tod. Imago, 4, p. 21. [Versão brasileira: FREUD, Sigmund. Obras completas, v.12 – Ensaios de Freud. Trad.: Paulo Cesar de Souza. São Paulo: Cia das Letras, 2011 (N. deT.)].

[57] DERRIDA, Jacques. (2019). Life Death. Chicago: The University of Chicago Press.




COMO CITAR ESTE ARTIGO | HUFTLESS, Esther (2024) A revolução copernicana inacabada – psicanálise e o outro mais-que-humano [Trad. Gabriel S. Philipson]. Lacuna: uma revista de psicanálise, São Paulo, n. -16, p. 10, 2024. Disponível em: <https://revistalacuna.com/2024/08/01/n-16-10/>.