Otto Gross: um caso de segregação e esquecimento na história da psicanálise

por Marcelo Checchia

Há inúmeras controvérsias na história da psicanálise, a começar pelo fato de que sua historiografia “oficial” começou pelo próprio fundador da psicanálise[1]e ainda num contexto de mais uma recém-ruptura importante — a primeira foi com Alfred Adler, em 1910 — na comunidade psicanalítica: a saída de Jung da Associação Psicanalítica Internacional (IPA), que ele mesmo presidia. Se por um lado Freud poderia conhecer melhor do que qualquer um os detalhes da história da instituição e da institucionalização da psicanálise, é difícil não considerar que sua historiografia oficial pode ter sido tendenciosa em diversos pontos relacionados à originalidade e às divergências das ideias levantadas por seus antecessores e por seus discípulos.

A história de Otto Gross, psicanalista da primeiríssima geração, evidencia algumas dessas controvérsias e coloca outras em cena. Essa história vem à tona, aqui no Brasil, somente agora com a recente publicação do primeiro volume dos escritos psicanalíticos de Otto Gross[2], acompanhado de uma biografia resumida[3]. Tendo em vista, a partir desses textos, seu papel relevante nos primórdios da psicanálise, a originalidade e genialidade de suas ideias[4], bem como o encantamento e a influência que exercia naqueles que viviam ao seu redor — sejam psicanalistas (casos de Sigmund Freud, Carl Jung, Ernest Jones e Sándor Ferenczi), sejam artistas e escritores (dentre eles Franz Jung, Franz Kafka, Leonard Frank, Franz Werfel e Max Brod) —, convém levantar uma questão muito importante a ser debatida: por que Otto Gross foi esquecido ou mesmo excluído da história da psicanálise?

Mesmo entre os historiadores da psicanálise, digamos assim, mais renomados, ele é desconhecido ou desconsiderado. Peter Gay[5]e Paul Roazen[6]sequer o citam. Ernest Jones — foi Gross quem o introduziu na prática psicanalítica![7]— dedicou apenas um parágrafo a ele em sua biografia de Freud — considerada por muitos a biografia ou história “oficial” —, referindo-se a ele como “esquizofrênico”. Roudinesco[8], também em uma biografia de Freud, chega a destinar mais espaço a Otto Gross, mas acaba reforçando o equívoco que o difamou: era mais um louco entre os pacientes e discípulos de Freud! John Kerr[9]é um pouco mais justo. Mesmo sendo um personagem coadjuvante no livro — o objetivo de Kerr é contar a história de Sabina Spielrein —, ele é retratado mais detalhadamente. Porém, talvez por não compreender bem a influência do anarquismo em suas ideias, Kerr o considera um sujeito que basicamente vivia imerso numa fantasia antipatriarcal.

Curiosamente, mas talvez não por acaso, Otto Gross foi retratado de maneira mais justa por historiadores que não tinham interesse especificamente na história da psicanálise, mas sim pelo anarquismo, pelos escritores do expressionismo alemão ou pela sociologia de Max Weber. Na década de 1970 houve um movimento significativo de reaparecimento da obra de Otto Gross por meio desses historiadores. Martin Green[10], ao retratar a vida das irmãs Von Richthofen — duas pioneiras do movimento feminista — nos dá alguns detalhes do lado sedutor desse psicanalista, trazendo inclusive alguns fragmentos de suas cartas para elas, que foram suas amantes. Na mesma década, alguns estudiosos de Weber passaram a se interessar pela influência de Gross no pensamento do sociólogo. Com isso, mais para o final dos anos 1970, sua vida e sua obra foram retratadas numa perspectiva cultural e política em um artigo de Mitzman[11]. Também em um enfoque político, Dvorak[12]publicou um artigo sobre a relação de Gross com a nova esquerda da época. Já Anz[13]enfatiza sua importância na história literária. No ano seguinte, Hurwitz[14]publica a primeira biografia de Gross, enfim destacando sua importância na história da psicanálise.

Já na década de 1980, sessenta anos após o falecimento de Gross, Kreiler[15]organiza uma primeira compilação com seus principais textos. Alguns anos depois, o historiador norte-americano Russell Jacoby[16], ao tratar de alguns discípulos freudianos esquecidos, especialmente Otto Fenichel, também fez, embora não muito desenvolvida, uma descrição mais fidedigna da pessoa e das ideias de Gross.

Nenhum desses textos publicados nesse período, entretanto, teve algum impacto no campo psicanalítico. Foi somente no final da década de 1990 que se iniciou um projeto mais sério de resgate e difusão da obra grossiana. Gottfried Heuer (um neo-reichiano alemão que vive em Londres), em parceria com Raimund Dehmlow (de Hanover), Anthony Templer (neto de Otto que vive nos Estados Unidos) e Sophie Templer-Kuh (filha centenária de Gross que vive em Berlim), fundou a International Otto Gross Society(hoje denominada International Association for Otto Gross Studies). Em 1999, Heuer oficializou em um comunicado à International Psychoanalytical Association (IPA) a fundação dessa nova Associação e anunciou a disponibilização de toda a obra de Gross, bem como a bibliografia secundária a seu respeito, na internet[17]. Desde então, Heuer organiza anualmente congressos internacionais dedicados ao autor. Com isso, houve uma propagação do pensamento grossiano, especialmente no eixo Alemanha-Inglaterra. A edição francesa da compilação de alguns textos de Gross, prefaciada pelo historiador francês germanista Le Rider[18] — que elaborou uma bela síntese da vida e das ideias do psicanalista anarquista, demonstrando ter estudado seriamente os seus textos —, também pode ser considerada um reflexo desse esforço empreendido pela Associação.

Ainda assim, com exceção desse grupo organizado por Heuer, atualmente Otto Gross permanece excluído dos principais centros de formação em psicanálise. Geralmente, os pouquíssimos que o descobrem o fazem pela via do anarquismo, da literatura ou da sociologia de Weber[19]. Esse fato levanta outras questões relevantes: por que existe tamanha diferença quanto à descrição de Gross entre os historiadores da psicanálise e outros historiadores? Por que os próprios psicanalistas — cuja função é justamente a de escutar os sujeitos para além de qualquer rótulo — aceitam passivamente essa redução de Gross a um diagnóstico? Por que continuam sem dar o devido reconhecimento a esse sujeito tão interessante, cujas ideias influenciaram tanta gente?

Com base em alguns arquivos oficiais como atas, relatórios, textos publicados e, principalmente, em outros “não oficiais”, isto é, em cartas trocadas entre psicanalistas, podemos tentar reconstruir brevemente essa história de segregação e esquecimento. Evidentemente, essa história só pode ser considerada uma construção, uma interpretação de fragmentos de documentos de diferentes épocas colocados em diálogo. Não viso, com ela, chegar a uma verdade derradeira sobre Otto Gross e os demais envolvidos em sua exclusão do campo psicanalítico — mesmo porque, como bem diz Jeanne Marie Gagnebin[20], a tarefa do historiador é “lutar contra o esquecimento e a denegação, lutar, em suma, contra a mentira, mas sem cair em uma definição dogmática da verdade” — mas que essa construção possa ser sólida o suficiente a ponto de causar o desejo de saber mais sobre quem foi Otto Gross e quais foram suas ideias, inserindo-o assim, quem sabe, no debate psicanalítico brasileiro. Espero também que essa construção possa de algum modo levar à reflexão ética sobre o papel dos psicanalistas nas instituições e sobre o modo de se fazer história em psicanálise — afinal, como novamente bem diz Gagnebin, “a verdade do passado remete mais a uma ética da ação presente que a uma problemática da adequação (pretensamente científica) entre ‘palavras’ e ‘fatos’”[21].

Como o diagnóstico é um dos fatores principais dessa querela, retomemos então como ele foi estabelecido e as controvérsias aí envolvidas. Voltemos a 1908, quando Otto Gross foi internado em Burghölzli (hospital em que Jung trabalhava, sob a supervisão de Bleuler) a pedido de Hans Gross (pai de Otto) e com a ajuda de Freud, que prescreveu o pedido de internação: “Segue em anexo o atestado para Otto Gross. Se conseguir segurá-lo, não o deixe escapar antes de outubro, quando poderei me encarregar dele”[22](06/05/1908). Jung deveria cuidar apenas da desintoxicação do ópio e da cocaína, pois cinco meses mais tarde Freud iria até o hospital e faria ele mesmo a análise de Gross — o que não veio a acontecer. Contudo, a despeito do que havia sido combinado com Freud, Jung iniciou a análise de Gross sem mesmo consultar Freud a esse respeito. Ernest Jones, ao saber desse fato, não tardou a escrever uma carta a Freud demonstrando sua preocupação: “eu ouvi dizer que Jung vai tratá-lo psiquicamente e, naturalmente, me sinto um pouco desconfortável com isso porque Jung não acha fácil esconder seus sentimentos e ele tem uma forte aversão a Gross”[23](13/05/1908).

De fato, Jung já conhecia Otto Gross desde 1902, quando ele havia sido internado pela primeira vez para desintoxicação, mas até então ele ainda não havia entrado em contato com o anarquismo. Em 1907, dois anos após um intenso período com os anarquistas em Ascona e um ano antes da segunda internação, Jung o encontrou num congresso médico em Amsterdã e ficou concomitantemente impressionado com a inteligência de Gross e impactado por sua defesa do imoralismo sexual, chegando a dizer a Freud que, de fato, se tratava de um homem muito inteligente, embora “psicopata”. Por que, então, Jung fez questão de atendê-lo se tinha aversão a ele? Parece já haver aqui uma primeira atitude suspeita de Jung. Deixemos isso, por ora, em suspenso.

Quando Jung avisou Freud sobre o início do tratamento, já estava completamente envolvido nessa tarefa, inclusive deixando de lado outras obrigações no hospital. Foram ao menos duas semanas de intenso trabalho psicanalítico, de ambos os lados. As sessões não só eram diárias como duravam quase o dia inteiro, um analisando o outro. No primeiro comunicado a Freud, breve por ser em meio a essa intensa análise, Jung já apresenta um diagnóstico de Gross: “uma neurose obsessiva bem definida”[24](14/05/1908); cinco dias depois, Freud lhe responde: “acho que seu diagnóstico está correto. A mais remota memória de infância que lhe ficou é a do pai dizendo a uma visita: cuidado que ele morde! Foi a propósito de meu caso do Homem dos Ratos que ele se lembrou disso” (19/05/1908). Onze dias após seu primeiro diagnóstico, Jung o reforça: “trata-se de uma típica neurose obsessiva com muitos problemas interessantes” (25/05/1908). Nesse ínterim, Gross voluntariamente diminuiu e depois se absteve de qualquer droga. A análise caminhava bem e a todo vapor. Jung comentou que era fácil trabalhar com ele, considerando-o “um sujeito extraordinariamente decente”. A admiração e o respeito eram tamanhos que Jung se deixou ser analisado por Gross, de modo que, como ele mesmo admitiu posteriormente, sua própria saúde psíquica se beneficiou dessa experiência. Jung ainda conclui: “a análise permitiu múltiplos resultados cientificamente válidos que tentarei formular em breve” (25/05/1908).

Exatamente uma semana depois, Jung escreveu outra breve carta a Freud apenas anunciando que falaria mais de Gross, o que acaba fazendo somente após mais dezoito dias. Nessa carta mais longa, Jung mudou completamente a descrição do caso. Gross não estaria conseguindo superar seus complexos infantis, reagindo “aos fatos de hoje como um garoto de seis anos”. Com bastante pesar, ainda comentou as insuficiências da análise — os momentos de empatia profunda não deixavam vestígios e os insights se perdiam — e anunciou seu novo diagnóstico:

temo que em minhas palavras o senhor já tenha lido o diagnóstico, no qual muito me neguei a crer, que agora vejo à minha frente com uma clareza terrível: dem. prec.O diagnóstico foi-me amplamente confirmado por uma anamnese muito cuidadosa e a psicanálise parcial da esposa dele. O modo como saiu de cena confirma o diagnóstico: anteontem, deixado a sós por um momento, Gross pulou o muro do jardim e sem dúvida em breve há de aparecer em Munique para buscar o crepúsculo do próprio destino[25]. (19/06/1908)

Jung também demonstrou receio de como essa notícia seria recebida por Freud e ainda pediu que o novo diagnóstico não fosse transmitido ao próprio Gross.

Freud, por sua vez, mostrou-se dúbio em sua resposta. Primeiramente, afirmou que esse diagnóstico de demência precoce não tinha para ele um significado preciso e que um término ruim de um trabalho analítico não a distinguiria de uma histeria ou uma neurose obsessiva — ou seja, ele questiona os critérios diagnósticos utilizados por Jung. Além desse questionamento, Freud deu seu próprio parecer, diagnosticando o comportamento de Gross como uma paranoia tóxica: “atribuo isto aos medicamentos, especialmente à cocaína que, como eu mesmo bem sei, produz uma paranoia tóxica”[26](21/06/1908).

Freud ainda refuta — pela primeira vez, desde que começaram a se corresponder, em 1906 — a legitimidade desse tipo de diagnóstico (isto é, de demência precoce), o que é bastante significativo, uma vez que se tratava justamente da “especialidade” de Jung e de um tema que permeava suas correspondências até então. Em seguida, mostrou-se ambíguo ao dizer que não teria motivo para duvidar do diagnóstico junguiano, haja vista sua grande experiência nesse domínio; no entanto, acrescenta: a demência precoce “não é, de ordinário, um diagnóstico real” (21/06/1908). Provavelmente considerando a memória remota da infância de Gross e os intensos conflitos entre pai e filho, Freud retoma o diagnóstico de neurose obsessiva: “não poderia esse estado ser outra psiconeurose (obsessiva) com transferência negativa causada pela hostilidade dele ao pai, que mostra a aparência de ausência ou prejuízo da transferência?” (21/06/1908).

Freud indica aí um possível equívoco no manejo da transferência. Teria Jung se colocado nesse lugar de autoridade paterna? Entretanto, Freud não vai além e passa a colocar panos quentes na situação, dizendo que não poderia subestimar a importância de Jung ter sido obrigado a analisar Gross — o que não é verdade, pois Jung iniciou deliberadamente essa análise — e que nenhum outro caso lhe ensinaria tanto. Freud ainda conclui: “um bom resultado adicional, pelo que vejo, é que, de novo, suas opiniões se aproximam muito mais das minhas” (21/06/1908). Aqui é a atitude de Freud que parece suspeita. Por que essa dubiedade? Por que ele se contradiz a ponto de dizer que Jung foi obrigado a analisar Gross? Por que parece ser mais importante que suas opiniões estivessem mais próximas quando, na verdade, elas se mostravam um tanto quanto distantes em relação a Gross? Por enquanto, deixemos também esse ponto em suspenso.

Vejamos agora outros documentos que mostram que essas suspeitas são, no mínimo, justificadas. Na Biblioteca do Congresso dos EUA, em Washington, DC — onde estão arquivados diversos documentos de Freud e de outros psicanalistas — há um documento intitulado Otto Gross — Biographische Daten(Otto Gross — dados biográficos)[27], infelizmente não datado e não assinado, mas no qual consta a informação de que nos prontuários de Gross nos arquivos do Burghölzli não há “nada que possa ser interpretado como esquizofrenia no sentido dos sintomas básicos de Bleuler, nada que se encaixe na descrição de demência precoce no sentido de Kraepelin” (s.d., p. 6). Segundo o documento, isso também se aplica aos prontuários de Gross no arquivo da Mendrisio, outra instituição psiquiátrica na qual Gross ficou internado.

Outro documento que relativiza o diagnóstico de demência precoce é o obituário de Gross escrito pelo psicanalista Wilhelm Stekel, que analisou Gross em 1914 e que, por conseguinte, também o conheceu profundamente. Gross havia sido internado compulsoriamente pelo pai e a condição para que ele saísse era voltar a fazer um tratamento psicanalítico com Stekel, o que, inclusive, foi aceito por Hans. No obituário, Stekel (1920) afirma que, tão logo a análise se iniciou, ficou evidente que um diagnóstico incorreto havia sido feito; Gross sofria de uma severa neurose agravada pelo vício por ópio e cocaína.

Há, por fim, mais um documento que contradiz o diagnóstico de Jung. Esse documento pode ser considerado o mais relevante, uma vez que se trata de uma carta em que o próprio Jung desmente o diagnóstico que havia estabelecido. Em 1936, em resposta a uma carta do psicanalista Fritz Wittels (1880-1950), que lhe perguntava sobre Gross, Jung afirma que Gross não sofria de alucinações e que “ele estava atormentado por adicções intermináveis, preferencialmente com alcaloides, que de tempos em tempos o colocavam em um estado psicótico […] De qualquer forma, ele não sofria de alucinações auditivas. Ficou internado duas vezes na Clínica de Zurique, onde eu o tratei ambas as vezes somente do cocainismo” (Jung apud Heuer, 2017, p. 84). Aqui, além de mentir ao dizer que só o havia tratado do cocainismo, surpreendentemente Jung concorda com o diagnóstico de Freud dos idos de 1908: Gross entrava em um estado psicótico não porque sofresse de demência precoce, mas por sua intensa e constante adicção. Assim, a contraposição entre as cartas a Freud em 1908 e a carta a Wittels em 1936 indica fortemente que o diagnóstico de Gross estabelecido por Jung não era só equivocado, era intencionalmente equivocado.

Há ainda outros indícios que apoiam essa tese, como é o caso da história da relação entre Sabina Spielrein e Carl Jung. Spielrein, em certa perspectiva, tem uma história bem parecida, além de próxima, com a de Gross. Ela também foi uma pioneira da psicanálise que foi esquecida ao longo do tempo[28], mesmo tendo uma produção bastante significativa. Além de ter sido uma das primeiras mulheres a se tornar psicanalista, foi a primeira pessoa a defender uma tese de doutorado em psicanálise (com uma apresentação rica e detalhada de um caso de esquizofrenia), antecipou o conceito de pulsão de morte e os estudos psicanalíticos sobre a linguagem, foi analista de Jean Piaget, trabalhou diretamente com Lev Vygotsky e, ainda assim, foi esquecida. Já bastante jovem, Spielrein se deparou com a psicanálise. Proveniente de uma rica e culta família judia russa, aos dezenove anos Sabina foi levada até Zurique para ser tratada de alguns graves distúrbios nervosos. Ela foi internada no Burghölzli em 1904 e o médico responsável por seu tratamento era Jung. Foi com ela que ele experimentou pela primeira vez o método psicanalítico. A partir de posições diferentes, ambos descobriram juntos a psicanálise. O tratamento progrediu muito bem, durando dez meses. Sabina foi então incentivada por Bleuler a fazer sua formação em medicina na Universidade de Zurique e foi convidada a acompanhar alguns casos no Burghölzli, sob orientação de Jung. Logo ela se tornou uma espécie de mistura entre paciente, colega e amiga de Jung. O envolvimento entre ambos foi se intensificando e, entre 1908 e 1909, tornaram-se amantes.

Curiosamente, Gross desempenhou um papel relevante nesse relacionamento. Embora não haja comprovação de que ele e Spielrein tenham se conhecido pessoalmente, é bastante provável que isso tenha acontecido. Além de terem frequentado o Burghölzli na mesma época (em 1908, ele enquanto paciente e ela enquanto estudante de medicina), Otto a cita em seu texto sobre a simbologia da destruição[29]e ela o cita em uma carta escrita por volta de 1909, justamente para falar de sua relação com Jung:

eis que ele [Jung] chega radiante de alegria e me fala com profunda emoção de Gross e do grande conhecimento que adquiriu (isto é, em relação à poligamia), e que agora não quer mais reprimir o seu sentimento em relação a mim; confessou-me que eu (excluída, naturalmente, a sua mulher) era a sua primeira e mais querida amiga, e que agora queria me contar tudo a seu respeito[30].

Nesse trecho fica evidente que Jung se apoiou em Gross para se entregar ao amor por Spielrein. Porém, diferentemente de Gross, Jung não sustentou publicamente a poligamia. Manteve por algum tempo relações extraconjugais com Sabina, mas ocultamente. Logo, no entanto, alguns boatos começaram a circular e chegaram até Freud. Insatisfeita com a situação, a própria Spielrein escreveu a Freud pedindo uma intermediação. Para saber do que se tratava, Freud escreveu a Jung perguntando o que estava acontecendo, o qual negou veementemente que houvesse uma relação amorosa com ela. Curiosamente, ele se defende comparando-a a Gross: “como Gross, ela é um caso de guerra-ao-pai. (…). Tanto Gross como Spielrein são experiências amargas. A nenhum de meus pacientes ofereci tanta amizade e de nenhum colhi tanto dissabor”[31](04/06/1909). Aqui mais uma vez Jung cai em contradição em relação a Gross. Quase um ano antes, ao responder ao questionamento de Freud sobre o diagnóstico de Gross, ele afirmara: “em minha opinião, a transferência de negativa de pai nada explica” (26/06/1908). Jung também tenta reduzir o protesto de Spielrein a um tipo de delírio, como se ela tivesse perdido o contato com a realidade. Assim como fez com Gross, ele alterou o diagnóstico inicial de histeria — com o qual Freud havia concordado — para o de uma psicose histérica[32].

Os danos provocados por tal atitude de Jung são inestimáveis, tanto para os que sofreram diretamente desse abuso do poder diagnóstico quanto para a história da psicanálise. Spielrein, após a ruptura com Jung, não obstante tenha conseguido manter um lugar no círculo vienense, ainda assim foi posteriormente ignorada. Como bem disse Cromberg[33], “aprisionada num falso diagnóstico de psicose ou esquizofrenia […], assegura-se com isso de que nada mude e sua obra vanguardista, bem como seu papel como pioneira da psicanálise, permaneça esquecida”.

No caso de Gross, as consequências foram ainda mais graves. Jung sabia que, desde que conhecera o anarquismo em 1905, ele vivia um intenso conflito com o pai. Hans Gross, o pai da criminologia, defensor da teoria da degenerescência e maior partidário da exclusão dos degenerados da sociedade, não poderia ele mesmo ter um filho degenerado. Otto colocava em xeque a posição do pai. Hans buscou então uma forma de assumir o controle da vida do filho. Poucos meses antes de Otto ser internado no Burghölzli, Hans havia pedido a Jung, Bleuler e Freud que, além de o internarem para desintoxicação, lhe dessem um diagnóstico que servisse de justificativa para obter direitos legais sobre o filho. Com o desfecho já conhecido da análise mútua entre Gross e Jung, Bleuler enviou-lhe uma carta com o seguinte parecer:

No que diz respeito a nossa opinião sobre o estado mental de seu Herr Dr. Otto Gross, é preciso mencionar que o Dr. Jung, que realizou o tratamento analítico especial, chegou à convicção de que é uma questão de um distúrbio mental real, e um que, a princípio, é incurável, i.e., demência precoce. A evolução provável será a de que os traços de caráter patológicos se tornarão cada vez mais agudos em conjunto com sintomas próprios da doença mental, ou seja, ideações relacionais e persecutórias, possíveis delírios de grandeza e outros, e alucinações […]. Mesmo sem assumir dem. prec., e considerando apenas uma grave psicopatologia, o prognóstico é sombrio. Certamente, é de se esperar que Herr Doctor será incapaz de sustentar-se […]. Na ausência de mais fatos agravantes, não se deve prosseguir com um internamento forçado, já que tais medidas, se é um caso de demência precoce (o que é altamente provável), a transferência para uma instituição fechada deve ser adiada por tanto tempo quanto possível, uma vez que a experiência mostra que a institucionalização geralmente provoca um efeito adverso em tais estados […]. No que se refere a seu posto de conferencista não remunerado, provavelmente ele terá de ser revogado […]. Infelizmente, somos incapazes de dar mais algum conselho ao senhor, a não ser deixar Herr Doctor permanecer livre até que o destino por si só crie uma situação que torne um tratamento institucional inevitável.[34]

Jung, então, defendeu diante de Bleuler que Otto sofria de uma doença mental real incurável, a demência precoce, o que o tornava incapaz de se sustentar. Bleuler transmite isso a Hans, recomendando, ao menos, que Otto permanecesse livre, mas — provavelmente para não se implicarem ainda mais em seu destino — dando uma margem para que ele fosse internado futuramente. Com essa carta, Bleuler e Jung forneceram a Hans, se não um recurso definitivo para destituir Otto de seus direitos civis, um grande instrumento de poder para continuar perseguindo-o.

Uma semana antes de fugir, sabendo que seria rotulado e que isso lhe acarretaria sérias consequências, Otto — por meio de sua mulher, Frieda — pediu a Freud que fosse transferido para outro hospital. Cinco anos após a fuga, quando internado compulsoriamente em outra instituição, ele disse a alguns psiquiatras a serviço de seu pai:

Quando percebi que não estava mais sendo compreendido, não quis mais ficar [em Burghölzli]. Eu sabia que tinha sido classificado com o diagnóstico de demência precoce, e sabia que não teria futuro assim que os psiquiatras escrevessem seus relatórios. Sendo assim, decidi escapar de qualquer forma. […] Eu sabia que amigos (anarquistas), que poderiam me dar dinheiro, estariam esperando por mim em Zurique.[35]

Após fugir do Burghölzli, Gross passou o resto de sua curta vida como nômade, indo de um lugar a outro da Europa fugindo da polícia, que o perseguia a pedido de seu próprio pai. E tornou-se, para Jung e Freud, um perigo à causa analítica. Claro que sua opção pela vida anarquista e pelo uso de drogas lhe trazia bastantes dificuldades, mas certamente sua exclusão do círculo psicanalítico o prejudicou demasiadamente. E a troco de quê? Se Jung exerceu um papel deliberadamente tão ativo na segregação de Gross, quais eram suas motivações?

É possível presumir que ao menos três fatores pessoais — três complexos, para usar um termo cunhado pelo próprio Jung —, todos eles imiscuídos, pesaram bastante nesse abuso de autoridade. Um deles é o complexo amoroso-sexual, do qual faziam parte sua esposa, Sabina Spielrein e Otto Gross. Se Jung já se encontrava perturbado pelos sentimentos que nutria por Spielrein, quando teve a experiência de análise mútua com Gross esse conflito parece ter ao mesmo tempo se intensificado e encontrado uma possível solução. A Freud, por exemplo, Jung chega a dizer que “durante toda a história [com Spielrein] as noções de Gross me passavam pela cabeça com demasiada insistência”[36](04/06/1909). Sabemos que Gross era um defensor da revolução sexual, do amor livre, e vivia de acordo com esses preceitos[37]. O fragmento de carta de Spielrein mostra como Jung encontrava em Gross um apoio para se entregar a esse relacionamento, uma vez que ele sustentava isso de maneira muito bem resolvida. Manter Gross internado daria, assim, mais tempo a Jung para resolver esse conflito.

Outro fator pessoal a ser considerado é seu complexo paternoem relação a Freud. Diversas pequenas passagens de suas correspondências mostram como ele se manifestava. Às vezes, simplesmente no modo como se referiam um ao outro, por exemplo, quando Jung se dirigia a Freud dizendo: “confesso ao senhor como meu pai […]” (21/06/1909). Outras vezes, ao conversarem francamente sobre a análise de seus próprios conflitos, o “complexo de pai” de Jung se expressava mais diretamente, ora ligado à busca por reconhecimento — “a causa de tal resistência [em escrever cartas a Freud com maior frequência] é esse complexo de pai, esse temor de não corresponder às expectativas”[38](20/02/1910) —, ora à filiação e à herança do poder de quem comandaria as instituições e as publicações psicanalíticas. Em meio às conturbações com Spielrein, por exemplo, Jung disse:

Obrigado pela carta. Fui levado a me dizer que eu escreveria nesse mesmo espírito caso um amigo ou um colega meu se visse em situação igualmente semelhante. Obriguei-me a dizer isso porque meu complexo de pai teimava em insinuar que sua reação não seria a que foi e que o senhor me passaria um bom pito, disfarçando-o como lhe fosse possível sob o manto do amor fraterno. Seria uma suprema tolice que eu, logo eu, seu “filho e herdeiro”, esbanjasse [sua herança] tão insensatamente.[39](12/06/1909)

Nessa fase, Jung tendia a se colocar como o filho temeroso e inibido diante da figura de autoridade paterna encarnada por Freud, que o puniria ou o abençoaria.

À medida que o reconhecimento lhe foi sendo dado, essa relação foi se reconfigurando; sobretudo quando, após o imbróglio com Gross, Freud revela a Jung que ele seria seu sucessor e passa a designá-lo como “meu querido amigo e herdeiro”[40](15/10/1908). Jung foi se sentido menos submisso frente a tal autoridade: “a última noite com o senhor, afortunadamente, libertou-me no íntimo da opressiva sensação de sua autoridade paterna […] Espero que eu agora esteja livre de todos os empecilhos desnecessários. Sua causa há de prosperar […]”[41](12/04/1909). No entanto, embora Freud se queixasse da inibição de Jung[42], essa mudança acabou intensificando a tensão entre ambos. Freud lhe responde: “estranho que, na mesma noite em que formalmente o adotei como primogênito e o sagrei — in partibus infidelium — sucessor e príncipe herdeiro, o senhor tenha me despido da dignidade paterna” (16/04/1909).

Por um lado, Freud não queria perder essa autoridade, o que se tornou evidente para Jung ao longo da viagem de navio aos Estados Unidos, em 1910, quando, num momento de análise mútua, Freud se recusa a prosseguir em suas associações para não perder a autoridade[43]. Por outro lado, ao se dar conta disso, Jung vai se tornando cada vez mais o filho rebelde — tal como Otto Gross —, especialmente após assumir o posto de Presidente da IPA. Enquanto Freud se queixa — “os primeiros meses de seu reinado, meu querido filho e herdeiro, não se revelam propriamente brilhantes”[44](10/08/1910) —, Jung, aos poucos, vai rebatendo cada vez mais incisivamente. No final, já próximo de romperem relações, ele diz: “se o senhor se livrasse completamente de seus complexos e parasse de bancar o pai para seus filhos e, ao invés de visar continuamente os pontos fracos destes, examinasse bem a si próprio, eu então me corrigiria e erradicaria de um só golpe o vício de hesitar em relação ao senhor” (18/12/1912).

Foi em meio a todo esse complexo paterno que entrou em cena Otto Gross, passando a desempenhar um papel em outro complexo pessoal de Jung — o terceiro enunciado mais acima —, o complexo fraternal. Tamanho foi esse amor fraterno que Jung chegou a afirmar que ele seria seu irmão gêmeo — com a ressalva, claro, da demência precoce. Na mesma carta que anuncia a Freud a fuga de Gross e seu novo diagnóstico ele diz: “a experiência foi uma das mais duras de minha vida, pois em Gross descobri muitos aspectos de minha própria natureza, a tal ponto que frequentemente ele parecia meu irmão gêmeo — a não ser quanto à demência precoce”[45](19/06/1908). Quais seriam esses aspectos da própria natureza que Jung descobriu em Gross? Muito provavelmente a poligamia e o espírito insurgente.

Essa identificação fraternal, além de ter influenciado a relação com Sabina Spielrein, entrou em curto-circuito com o complexo paternal em pontos distintos, mas interligados: o da rivalidade fraternal pelo amor e reconhecimento do pai e o da herança. Antes mesmo de Jung conhecê-lo mais intimamente, essa rivalidade havia sido estabelecida pelo próprio pai (Freud). Além de tecer elogios a Gross, ressaltando seu talento e sua inteligência, poucos meses antes da internação Freud escreve a Jung: “o senhor é realmente o único capaz de dar uma contribuição original; excetuando-se talvez O. Gross, mas a saúde dele, infelizmente não ajuda”[46](25/02/1908). Para quem já buscava reconhecimento, uma afirmação dessas, vinda do próprio “pai”, é um chamado para a rivalidade fraterna. Teria Jung iniciado a análise de Gross, à revelia de Freud, motivado por essa rivalidade? Muito provavelmente Jung pretendeu conhecer mais de perto esse “oponente” e, ao mesmo tempo, mostrar a Freud que seria capaz de tratá-lo. Isso o deixaria mais à frente de seu futuro irmão gêmeo; afinal, para Freud, “Gross é um homem tão valioso, tão inteligente, que seu trabalho [de análise] deve ser considerado um benefício à sociedade” (29/05/1908). Essa seria, então, uma grande oportunidade para Jung mostrar todo seu valor a Freud; logo, ele não poderia falhar.

O desfecho já conhecemos: diante do fracasso, Jung se defendeu rotulando Gross de psicótico. Fica evidente, assim, que Jung chegou a utilizar, mais de uma vez, o diagnóstico de um paciente como um instrumento de defesa a fim de garantir seus interesses pessoais. Todos esses complexos levaram Jung a exercer com Gross justamente aquilo que este tanto combatia e que chamava de vontade de potência: a “necessidade de fazer valer o seu eu, a todo custo e por todos os meios”[47]. E, o pior, obteve sucesso. Embora sinalize não ter superado seus complexos[48], Jung sagrou-se, assim, vencedor dessa rivalidade[49]. Apenas quatro meses após tal desfecho (!), Freud o chamou pela primeira vez de “querido filho e herdeiro”, tornando-se oficialmente, em 1910, o “príncipe herdeiro” e o Presidente da IPA.

Cabe agora analisarmos os possíveis motivos da cumplicidade de Freud. Há vários indícios de que ele notou que Jung havia agido contra Gross — ou, no mínimo, equivocadamente. Por que, então, teria sido conivente com ele? Por que Freud não procurou ajudar Otto Gross? Por que o manteve excluído do circuito psicanalítico, mesmo continuando a admirar sua obra e a respeitá-lo pessoalmente[50]?

É possível elencar alguns motivos para Freud mantê-lo a distância. Primeiramente, havia o problema de Gross com as drogas. Freud já havia dito a Jung que “o julgamento que se faz de um homem está fadado a ser incerto enquanto ele recorrer a drogas para superar as próprias resistências” (Freud in Freud; Jung, 29/05/1908). Depois da fuga de Gross, ele decretou:“está viciado e só pode causar grande dano à nossa causa” (30/06/1908)[51]. Freud conhecia bem os danos da cocaína. Muito antes de inventar a psicanálise, fora um dos introdutores da substância como uma forma de tratamento médico, o que trouxe graves consequências para alguns de seus pacientes[52]. Provavelmente esse problema tenha sido outro motivo pelo qual ele só se encarregaria da análise de Gross após a desintoxicação.

Mas Freud parece ter ficado igualmente aliviado por não ter tido de se encarregar da análise de Gross: “Sinto que lhe devo um agradecimento sincero — e aqui o expresso — pelo tratamento de Otto Gross. Era para ter recaído sobre mim o encargo, mas meu egoísmo — ou talvez deva dizer: meu mecanismo de autodefesa — se rebelou contra ele”[53](21/06/1908). Por que seria um egoísmo ou um mecanismo de defesa não tratá-lo analiticamente? Um mês antes ele dissera a Jung que havia sido melhor para ele que o tratamento analítico tivesse sido iniciado por Jung por um egoísmo, pois era obrigado a vender seu tempo e já não possuía mais a mesma energia. Mas isso justificaria o recurso ao mecanismo de defesa? Haveria outras motivações ocultas?

Um fator complicador era o fato de que Freud já conhecia pessoalmente Hans Gross, que gozava de bastante prestígio na Áustria, sendo conhecido como o pai da criminologia moderna. Ele já havia inclusive publicado um artigo de Freud na revista que dirigia. Hans foi um dos primeiros a considerar os aspectos psicológicos no crime, mas era um árduo defensor da teoria da degenerescência: os loucos, pervertidos, ladrões ou inaptos deveriam ser excluídos da sociedade. Seu próprio filho, porém, ao descobrir a psicanálise e o anarquismo, tornou-se a representação encarnada do degenerado.

Hans queria a todo custo controlar Otto, era seu próprio prestígio que estava em risco. Para ele, não haveria médico melhor para “curar” seu filho da degenerescência senão Freud, já que este era uma das pouquíssimas autoridades que Otto, embora a ela não se submetesse, ainda respeitava. Para Freud, no entanto, não poderia haver situação mais delicada: por um lado, reconhecia e admirava a genialidade de Otto Gross e queria ajudá-lo; por outro, ao tratá-lo, não poderia se comprometer a atender a demanda de um pai que estava em litígio com o filho, mas com quem seria importante manter relações — o apoio de um homem com tamanho prestígio poderia ser benéfico à causa psicanalítica. Não é difícil imaginar o alívio de Freud ao saber que Jung se intrometera na história e se incumbira da análise de Otto, e que essa seria a razão para seu egoísmo e sua autodefesa.

Mesmo que não tivesse relação alguma com Hans, a vida excêntrica de Otto, bastante coerente com os princípios anarquistas, certamente seria um grande problema e constituiria um motivo para Freud excluí-lo do círculo psicanalítico. Para quem buscava a consolidação e a expansão da psicanálise na sociedade, ter um de seus principais representantes envolvido em diversos “escândalos” — pela prática do amor livre, que deu fruto a filhos de diferentes relacionamentos; pela amizade com anarquistas que participavam de orgias e saqueavam estabelecimentos comerciais; por sua vida errante decorrente de seus conflitos com o pai e na qual lhe restava exercer a psicanálise apenas em bares e restaurantes — poderia reiterar os ataques à psicanálise.

Além do engajamento pessoal com o movimento anarquista, a proposta de Gross de que a própria psicanálise tivesse um programa de ação revolucionária era algo a que Freud se opunha assertivamente. Gross apresentou essa proposta já em 1908, poucas semanas antes de ser internado no Burghölzli, no Primeiro Congresso Internacional de Psicanálise (Salzburgo). Na ocasião, Freud respondeu a todos os presentes: “nós somos médicos e devemos continuar médicos”. Vinte e dois anos depois, ao romper com Wilhelm Reich — outro psicanalista que articulou a psicanálise à política no final da década de 1920 —, ele também afirmou: “Não é nosso propósito, ou o propósito de nossa existência, salvar o mundo […] Eu sou um cientista. Não tenho nada a ver com política”[54]. Evidentemente, Freud foi um cientista revolucionário e sua obra, que não escamoteia as questões políticas, permanece revolucionária, mas ele se posicionava contra essa forma específica de engajamento político da psicanálise: a proposição de reformas; nesse sentido, Gross seria mais uma vez um transtorno.

Já quanto à política referente à expansão e à institucionalização da psicanálise, pode-se dizer que Freud não só era favorável, mas bastante engajado. Esse é provavelmente o principal motivo para Freud ter sido condescendente com Jung no imbróglio com Gross. Nessa época, o criador da psicanálise já se preocupava com o devir da sua criatura. Os primeiros anos de intensos ataques da comunidade médica e de isolamento já tinham se passado e a teoria freudiana estava ganhando mais adeptos. Com isso, era preciso cuidar da transmissão da psicanálise, de sua consolidação na comunidade médica e de sua expansão na sociedade. Ao mesmo tempo, Freud buscava encontrar um sucessor, pois acreditava que não tardaria muito a morrer[55]; logo, a definição da herança não poderia ser adiada. Ninguém do círculo de Viena lhe parecia adequado para assumir esse encargo e, fora dele, nessa primeira década do século XX, somente Gross e Jung se mostravam como alternativas interessantes. Com Gross fora da jogada, Jung ficou como melhor opção: embora por vezes se mostrasse hesitante quanto à tese de que a etiologia das neuroses fosse sempre sexual[56], defendia a psicanálise nos congressos médicos, escrevia textos bastante claros e didáticos de divulgação[57], e, em acréscimo, era um dos únicos psicanalistas não judeus. Assim, primeiramente Freud passou a Jung a direção do Jahrbuch — primeira revista de publicações psicanalíticas — e, no Congresso de Nuremberg, em 1910, defendeu sua eleição para a presidência da IPA.

Enfim, todos esses fatores levaram Freud, portanto, a querer dissociar Gross da causa psicanalítica. E não faltaram esforços para que isso ocorresse. Primeiro, seu nome e suas contribuições foram apagados do relatório do Congresso de Salzburgo[58], publicado um ano após a fundação da IPA. Muitos anos depois, quando publicada a Standard Edition das obras completas de Freud, a citação de um texto de Gross (“Contribuição à patologia do negativismo”, 1904) em O chiste e sua relação com o inconsciente(1905) foi excluída, e o nome de Gross foi retirado do índice onomástico. As decorrências disso já são conhecidas: depois de excluído, ao longo do tempo Gross foi esquecido.

Obviamente, não se trata agora de negar as dificuldades que ele traria à causa psicanalítica naquela época. Sim, de fato Otto Gross era um problema. Mas a luta pela causa justifica um ato de tamanha violência? Não é um tanto contraditório que uma comunidade de psicanalistas seja intolerante com quem pensa e age de maneira diferente dos padrões estabelecidos e de acordo com a ética de sua própria singularidade? Não haveria outros meios de se lidar com esse problema?

Os prejuízos desse tipo de estratégia de defesa da causa, utilizado tanto por Jung como por Freud (e outros psicanalistas, na esteira deles), são incomensuráveis não só para Otto Gross, cuja vida foi e cuja memória continua sendo diretamente afetada, mas igualmente para a comunidade psicanalítica. A exclusão dos dissidentes acarreta um prejuízo para a própria psicanálise, pois é na tensão entre as diferenças que ela se enriquece e se renova. Ora, o próprio Freud não se servia frequentemente dessa tensão para elaborar e defender determinadas posições teóricas e clínicas?

No caso de Otto Gross, perde-se um riquíssimo debate acerca das ideias de um pensador deveras interessante e genuinamente original; de um psicanalista pioneiro, que constantemente nos provoca a encontrar em nós mesmos a vontade de potência e a analisar seus efeitos, a reconhecer o princípio de autoridade e a cultura patriarcal em suas configurações mais diversas. Sua teoria e sua vida nos instigam a pensar, inclusive, em como as próprias instituições psicanalíticas reproduzem o modelo patriarcal não só por sua estrutura hierárquica, mas também pela instauração de diversos dispositivos de normatização. Quem não obedece às regras e até mesmo às ideias do líder, é punido ou excluído. Isso aconteceu também com outros psicanalistas da primeira geração (Alfred Adler, Wilhelm Stekel, Wilhelm Reich, Otto Fenichel, Otto Rank, entre outros), assim como das gerações seguintes: apenas para citar um caso famoso, Jacques Lacan foi preterido na IPA com a justificativa de não seguir a regra técnica acerca do tempo das sessões, que deveriam ser de cinquenta minutos. A história da IPA e de outras instituições está repleta de casos assim.

Por isso, a publicação dos textos de Gross pode ser chamada — como o fez Heuer na apresentação da coletânea brasileira da obra de Gross[59]— de um retorno do recalcado. Otto Gross, que foi o primeiro psicanalista da história a ser segregado e esquecido, foi quem desde o início chamou a atenção para o princípio de autoridade, para a vontade de potência existente em cada um, para a importância de nos libertarmos desse princípio e para o papel da psicanálise nesse processo de libertação. Seus escritos e sua história trazem à tona a verdade de que os próprios psicanalistas fazem uso do princípio de autoridade para satisfazer sua vontade de potência.

O caso de Otto Gross coloca, assim, uma questão ética para os psicanalistas em diversos níveis: (1) quanto ao uso do princípio de autoridade em suas diferentes formas, das pequenas sugestões feitas no decorrer de uma análise ao uso cínico desse instrumento de poder que é o diagnóstico; (2) quanto ao modo de se lidar com os chamados “dissidentes”, especialmente aqueles que continuam exercendo a psicanálise fora das instituições ou dos cânones estabelecidos; (3) quanto ao modo de se fazer história em psicanálise.

Esse terceiro ponto, pouco tratado aqui, vale ser um pouco mais desenvolvido, pois pode nos ajudar a entender por que Gross costuma ser esquecido entre os historiadores da psicanálise. Esse esquecimento também diz respeito à reprodução do poder patriarcal, uma vez que a manutenção do princípio de autoridade nas instituições psicanalíticas exige que se suprima a história desses psicanalistas marginais. É um modo de se fazer história que, como bem lembrou Heuer[60], é chamado por Erich Fromm de “stalinista”: os dissidentes são purgados da história ou são utilizados rótulos pejorativos para desqualificá-los. Ou então, como diz Ferro[61], é uma “história [que] só conserva da História aquilo que legitima o poder dos que governam”. Ferro denomina esse tipo de história de “História geral” ou “História oficial”, que se baseia em escolhas de informações que seguem um princípio hierárquico, no qual os documentos institucionais têm mais valor do que documentos não oficiais (correspondências, relatos, testemunhas etc.).

É o que infelizmente acabou fazendo, por exemplo, Roudinesco. Ela é evidentemente uma historiadora com trabalhos muito importantes para a psicanálise, buscando sempre defendê-la de seus detratores. No entanto, provável e justamente pela defesa à causa psicanalítica, a autora acaba omitindo uma série de informações importantes da história de Freud com seus discípulos. Ela não nega, é verdade, que Freud “foi sempre muito injusto para com aqueles que, por seus excessos, imprimiam um rosto diferente à sua doutrina”[62], mas ainda assim opta por não contar mais detalhadamente tais histórias — sem remediar, desse modo, as injustiças cometidas por Freud e sem restaurar a imagem dos dissidentes. No caso de Otto Gross, pelo contrário, ela escolhe principalmente as informações que apenas denigrem sua imagem. Afirma, por exemplo, que Kafka foi perspicaz e fez uma descrição mais penetrante de Gross ao dizer que ele o lembrava da aflição dos discípulos de Cristo aos pés do Crucificado, mas omite que o próprio Kafka havia dito que Gross, sem dúvida, não estava sem a razão.

Essa forma de se fazer história, mesmo com a justificativa de defender a causa psicanalítica[63], também é violenta. Sim, ainda há detratores e adversários da psicanálise, mas a psicanálise já está consolidada o suficiente para poder defender-se e para fazer história de outras formas. A história, como muito bem diz Gagnebin, “precisa transmitir o inenarrável, manter viva a memória dos sem-nome, ser fiel aos mortos que não puderam ser enterrados”. Sua tarefa, ela continua,

é altamente política: lutar contra o esquecimento e a denegação é também lutar contra a repetição do horror (que, infelizmente, se reproduz constantemente). Tarefa igualmente ética e, num sentido mais amplo, especificamente psíquica: as palavras do historiador ajudam a enterrar os mortos do passado e a cavar um túmulo para aqueles que foram privados. Trabalho de luto que deve nos ajudar, nós, os vivos, a nos lembrarmos dos mortos para melhor viver hoje. Assim, a preocupação com a verdade do passado se completa na exigência de um presente que, também, possa ser verdadeiro[64].

A história de Otto Gross, justamente, pode nos ajudar a melhor viver e a melhor exercer a psicanálise. E suas ideias, igualmente, podem ajudar a combater essa violência decorrente da estrutura patriarcal e do princípio de autoridade em todos seus aspectos e dimensões. Esperemos então que ele venha a ter algum lugar na história da psicanálise e nos debates psicanalíticos e políticos atuais.

REFERÊNCIAS

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* Marcelo Checchia é psicanalista, pós-doutorando em Psicologia Clínica pela Universidade de São Paulo (Laboratório Psicanálise, Sociedade e Política), autor de Poder e política na clínica psicanalítica (2015) e de O sujeito e a adolescência (2002), organizador de Combate à vontade de potência (2016), um dos organizadores da edição brasileira das Atas da Sociedade Psicanalítica de Viena (2015) e de Otto Gross: Por uma psicanálise revolucionária (2017).



[1] FREUD, Sigmund (1914) “A história do movimento psicanalítico”. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

[2] GROSS, Otto (2017) Por uma psicanálise revolucionária: ensaios. Orgs. M. Checchia; P. S. Souza Jr.; R. A. Lima; Trad. P. S. Souza Jr. São Paulo: Annablume.

[3] CHECCHIA, Marcelo (2017) “Otto Gross, um psicanalista anarquista (biografia resumida)”. In: Por uma psicanálise revolucionária: ensaios. Orgs. M. Checchia; P. S. Souza Jr.; R. A. Lima; Trad. P. S. Souza Jr. São Paulo: Annablume. Disponível em: https://www.academia.edu/36212769/Otto_Gross_-_um_psicanalista_anarquista.pdf.

[4] Otto Gross deixou uma obra importante, rica e que, em suma, nos leva a uma série de indagações sobre os efeitos subjetivos decorrentes da violência exercida por uma cultura patriarcal e autoritária. Ele foi, assim, o primeiro psicanalista a articular mais diretamente psicanálise e política e a pensar em uma participação mais ativa da psicanálise na política.

[5] GAY, Peter. (1988) Freud: uma vida para o nosso tempo. Trad. D. Bottmann. São Paulo: Cia das Letras, 1989.

[6] ROAZEN, Paul (1974) Freud e seus discípulos. Trad. H. L. Dantas São Paulo: Cultrix, 1975.

[7] JONES, Ernest (1953) Vida e obra de Sigmund Freud. Trad. M. A. M. Mattos. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.

[8] ROUDINESCO, Elisabeth. (2014) Sigmund Freud na sua época e em nosso tempo. Trad. A. Telles. Rio de Janeiro: Zahar, 2016.

[9] KERR, John (1993) Um método muito perigoso — Jung, Freud e Sabina Spielrein: a história ignorada dos primeiros anos da psicanálise. Trad. L. Rumchinsky. Rio de Janeiro: Imago, 1997.

[10] GREEN, Martin (1974) Les soeurs Von Richthofen — deux ancêtres du féminisme dans l’Allemagne de Bismarck face à Otto Gross, Max Weber et D. H. Lawrence. Paris: Seuil, 1979.

[11] MITZMAN, Arthur (1977) “Anarchism, Expressionism and Psychoanalysis”, New German Critique, n. 10, Winter 1977, pp. 77-104.

[12] DVORAK, Josepf (1978) “Kokain und Mutterrecht”, Neues Forum, nº 295/296.

[13] ANZ, Thomaz (1978) “Zwischen Freud uns Schwabing. Otto Gross, ein vergessener Kulturrevolutionär im Wilhelminischen Deutschland”, Süddeutsche Zeitung, nº 35.

[14] HURWITZ, Emanuel (1979) Otto Gross. Paradies-Sucher zwischen Freud und Jung. Zurique: Suhrkamp Verlag.

[15] KREILER, Kurt (org.) (1980) Von geschlechtlicher Not zur sozialen Katastrophe. Zurique: Edition Freitag bei Robinson.

[16] JACOBY, Russell (1986) The repression of psychoanalysis: Otto Fenichel and the freudians. Chicago: University of Chicago Press.

[17] Cf. <ottogrossgesellschaft.com> e <ottogross.org>.

[18] LE RIDER, Jacques (2011) “De la psychanalyse à la revolution — le destin d’Otto Gross”. In: GROSS, O. Psychanalyse et révolution. Trad. J. Étoré. Paris: Éditions du Sandre, 2011, pp. 7-86.

[19] Em meu caso, foi por meio da literatura de Kafka. Jamais havia ouvido algo sobre Gross nos círculos psicanalíticos.

[20] GAGNEBIN, Jeanne Marie (2009) Lembrar, escrever, esquecer. São Paulo: Editora 34, p. 44.

[21] Ibid.

[22] FREUD in FREUD, Sigmund; JUNG, Carl Gustav (1974) Correspondência completa [1906-1914]. Trad. L. Fróes; E. A. M. Souza. Rio de Janeiro: Imago, 1976, 04/05/1908.

[23] JONES in FREUD, Sigmund; JONES, Ernest (1995) The complete correspondence of Sigmund Freud and Ernest Jones [1908-1939]. Cambridge (USA): First Harvard University Press paperback edition, 13/05/1908.

[24] JUNG in FREUD, Sigmund; JUNG, Carl Gustav (1974) Correspondência completa [1906-1914]. Trad. L. Fróes; E. A. M. Souza. Rio de Janeiro: Imago, 1976, 14/05/1908.

[25] JUNG in FREUD, Sigmund; JUNG, Carl Gustav (1974) Correspondência completa [1906-1914]. Trad. L. Fróes; E. A. M. Souza. Rio de Janeiro: Imago, 1976, 19/06/1908.

[26] FREUD in FREUD, Sigmund; JUNG, Carl Gustav (1974) Correspondência completa [1906-1914]. Trad. L. Fróes; E. A. M. Souza. Rio de Janeiro: Imago, 1976, 21/06/1908.

[27] ANÔNIMO. Otto Gross — Biographische daten. Misc. Bollingen Archives, Library of Congress, Washington, s.d.

[28] Quem a redescobriu foi o psicólogo junguiano e escritor italiano Aldo Carotenuto, na década de 1970. Aqui no Brasil a psicanalista Renata Cromberg tem resgatado e editado sua obra em língua portuguesa. Cf. R. U. Cromberg (org.) Sabina Spielrein — uma pioneira da psicanálise. Trad. R. D. Mundt. São Paulo: Livros da Matriz, 2014.

[29] GROSS, O. (1914) “Sobre a simbologia da destruição”. In: Por uma psicanálise revolucionária: ensaios. Orgs. M. Checchia; P. S. Souza Jr.; R. A. Lima; Trad. P. S. Souza Jr. São Paulo: Annablume, 2017.

[30] SPIELREIN apud CAROTENUTO, Aldo (1980) Diário de uma secreta simetria: Sabina Spielrein entre Jung e Freud. Trad. A. R. Coutinho. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984, p. 182.

[31] JUNG in FREUD, Sigmund; JUNG, Carl Gustav (1974) Correspondência completa [1906-1914]. Trad. L. Fróes; E. A. M. Souza. Rio de Janeiro: Imago, 1976, 04/06/1909.

[32] CROMBERG, Renata Udler (org.) (2014) Sabina Spielrein: uma pioneira da psicanálise. Trad. R. D. Mundt. São Paulo: Livros da Matriz.

[33] CROMBERG, Renata Udler (org.) (2014) Sabina Spielrein: uma pioneira da psicanálise. Trad. R. D. Mundt.São Paulo: Livros da Matriz, p. 107.

[34] BLEULER apud HEUER, Gottfried (2017) Freud’s ‘Outstanding’ Colleague/Jung’s ‘Twin Brother’, The Suppressed Psychoanalytic and Political Significance of Otto Gross.London, New York: Routledge, p. 80.

[35] GROSS apud HEUER, Gottfried (2017) Freud’s ‘Outstanding’ Colleague/Jung’s ‘Twin Brother’, The Suppressed Psychoanalytic and Political Significance of Otto Gross.London, New York: Routledge, p.784.

[36] JUNG in FREUD, Sigmund; JUNG, Carl Gustav (1974) Correspondência completa [1906-1914]. Trad. L. Fróes; E. A. M. Souza. Rio de Janeiro: Imago, 1976, 04/06/1909.

[37] Inclusive, enquanto estava internado, incentivou que Jones analisasse e tivesse relações com Frieda, o que de fato aconteceu.

[38] JUNG in FREUD, Sigmund; JUNG, Carl Gustav (1974) Correspondência completa [1906-1914]. Trad. L. Fróes; E. A. M. Souza. Rio de Janeiro: Imago, 1976, 20/02/1910.

[39] JUNG in FREUD, Sigmund; JUNG, Carl Gustav (1974) Correspondência completa [1906-1914]. Trad. L. Fróes; E. A. M. Souza. Rio de Janeiro: Imago, 1976, 12/06/1909.

[40] FREUD in FREUD, Sigmund; JUNG, Carl Gustav (1974) Correspondência completa [1906-1914]. Trad. L. Fróes; E. A. M. Souza. Rio de Janeiro: Imago, 1976, 15/10/1908.

[41] JUNG in FREUD, Sigmund; JUNG, Carl Gustav (1974) Correspondência completa [1906-1914]. Trad. L. Fróes; E. A. M. Souza. Rio de Janeiro: Imago, 1976, 12/04/1909.

[42] “Creia que já não há mal-entendidos entre nós e que não o tomo por ‘vacilante’ […] Apenas de quando em quando me irrita — permito-me a franqueza — que o senhor não tenha ainda vencido as resistências que emanam de seu complexo de pai, impondo à nossa correspondência, por conseguinte, uma limitação que jamais seria tão drástica se esse não fosse o caso. Tranquilize-se, meu querido Alexandre, pois à sua conquista deixo muito mais do que pude, a psiquiatria toda e a aprovação do mundo civilizado” (Freud in Freud; Jung, 1976, 06/03/1910).

[43] Dois anos depois dessa viagem, Jung escreve a ele: “A nossa análise, o senhor deve lembrar-se, chegou ao fim com a observação feita pelo senhor de que ‘não poderia submeter-se à análise sem perder a autoridade’” (Jung in Freud; Jung, 1976, 03/12/1912).

[44] FREUD in FREUD, Sigmund; JUNG, Carl Gustav (1974) Correspondência completa [1906-1914]. Trad. L. Fróes; E. A. M. Souza. Rio de Janeiro: Imago, 1976, 10/08/1910.

[45] JUNG in FREUD, Sigmund; JUNG, Carl Gustav (1974) Correspondência completa [1906-1914]. Trad. L. Fróes; E. A. M. Souza. Rio de Janeiro: Imago, 1976, 19/06/1908.

[46] FREUD in FREUD, Sigmund; JUNG, Carl Gustav (1974) Correspondência completa [1906-1914]. Trad. L. Fróes; E. A. M. Souza. Rio de Janeiro: Imago, 1976, 25/02/1908.

[47] GROSS, Otto (1920) “Três ensaios sobre o conflito interno”. In: Por uma psicanálise revolucionária: ensaios. Orgs. M. Checchia; P. S. Souza Jr.; R. A. Lima; Trad. P. S. Souza Jr. São Paulo: Annablume, 2017.

[48] Apesar de ter mantido relações extraconjugais ao longo da vida, jamais assumiu tais relacionamentos como seu irmão gêmeo fizera; ao invés de recusar o princípio de autoridade, utilizou-o a seu favor.

[49] Talvez todo esse conflito entre irmãos tenha influenciado Gross a retomar, em “Protesto e moral no inconsciente”(1919), a lenda de Caim como um símbolo do nascimento do protesto revolucionário.

[50] Após ler o livro de Gross sobre as inferioridades psicopáticas, confessou a Jung: “não tem jeito, o homem é mesmo inteligente!” (Freud in Freud; Jung, 1976, 03/06/1909) e alguns dias depois: “é muito grande o respeito que tenho por Otto Gross” (07/06/1909).

[51] Esse “decreto” foi retransmitido por Jung a Jones em uma carta de fevereiro de 1909: “Em todo caso, o extremo que Gross prega é definitivamente errado e perigoso para a causa como um todo” (F. Jung apud Heuer, 2017, p. 82).

[52] Por isso ele disse a Jung que atribuía o comportamento de Gross “especialmente à cocaína que, como eu mesmo bem sei, produz uma paranoia tóxica” (Freud in Freud; Jung, 1976, 21/06/1908, grifo meu).

[53] FREUD in FREUD, Sigmund; JUNG, Carl Gustav (1974) Correspondência completa [1906-1914]. Trad. L. Fróes; E. A. M. Souza. Rio de Janeiro: Imago, 1976, 21/06/1909.

[54] FREUD apud REICH, Wilhelm (1975) Reich speaks of Freud. Trad. T. Pol. Harmondsworth: Penguin, p. 58.

[55] Ele acreditava que morreria aos 62 anos de idade, isto é, em 1918. (Freud in Freud; Jung, 1976, 16/04/1909). No entanto, viveu mais 21 anos, até 1939.

[56] O episódio Gross foi considerado por Freud importante para o fim dessa hesitação: “quando penso que devo sua conversão final, sua convicção profunda, à mesma experiência com Gross, não posso em absoluto zangar-me” (Freud in Freud; Jung, 1976, 30/06/1909). No entanto, equivocou-se: Jung romperia com o círculo psicanalítico no final de 1912.

[57] Freud disse ao próprio Jung a esse respeito: “[…] o senhor está mais capacitado para a propaganda, pois nunca deixei de notar que há alguma coisa em minha personalidade, minhas ideias e meu jeito de falar que as pessoas julgam estranha e repelente, ao passo que para o senhor todos os corações se abrem” (Freud in Freud; Jung, 1976, 02/09/1907).

[58] As Atas da Sociedade Psicanalítica de Viena (Checchia; Torres; Hoffmann [orgs.], 2017), no entanto, comprovam sua presença, bem como a de sua esposa.

[59] HEUER, Gottfried “O retorno do recalcado” [Trad. A. C. Holanda]. In: Por uma psicanálise revolucionária: ensaios. Orgs. M. Checchia; P. S. Souza Jr.; R. A. Lima; Trad. P. S. Souza Jr. São Paulo: Annablume, 2017.

[60] HEUER, Gottfried (2017) Freud’s ‘Outstanding’ Colleague/Jung’s ‘Twin Brother’, The Suppressed Psychoanalytic and Political Significance of Otto Gross.London, New York: Routledge.

[61] FERRO, Marc (1977) Cinema e História. Trad. F. Nascimento. São Paulo: Paz e Terra, 2010, p. 85.

[62] ROUDINESCO, Elisabeth. (2014) Sigmund Freud na sua época e em nosso tempo. Trad. A. Telles. Rio de Janeiro: Zahar, 2016, p. 161.

[63] Talvez por isso os historiadores não psicanalistas, justamente por não terem de se comprometer com a dita causa, retratem mais fielmente os dissidentes e esquecidos da psicanálise.

[64] GAGNEBIN, Jeanne Marie (2009) Lembrar, escrever, esquecer. São Paulo: Editora 34, p. 47.




COMO CITAR | CHECCHIA, Marcelo (2018) Otto Gross: um caso de segregação e esquecimento na história da psicanálise. Lacuna: uma revista de psicanálise. São Paulo, n. -5, p. 2, 2018. Disponível em: <https://revistalacuna.com/2018/06/04/n05-02/>.