por Jacques Lacan
Apresentação | Marcelo Checchia
Tradução | Paulo Sérgio de Souza Jr.
Apresentação
A carta de Lacan para Loewenstein, seu ex-analista, é um fragmento de um dos capítulos de uma longa e controversa história iniciada com a fundação da Sociedade Psicanalítica de Viena e, sobretudo, com a fundação da International Psychoanalytical Association (IPA) em 1910, cujo enredo gira principalmente em torno das disputas por reconhecimento, prestígio e poder. Os conflitos a respeito, por exemplo, do “cargo” dos psicanalistas nas instituições de psicanálise, da formação dos psicanalistas e de quem pode ou não exercer a psicanálise surgiram já desde o início do século XX com a expansão da psicanálise.
O capítulo francês dessa história começou relativamente tarde, em meados da década de 1920. A primeira instituição psicanalítica francesa, a Sociedade Psicanalítica de Paris (SPP), foi estabelecida somente em 1926. Alguns dos protagonistas (a SPP era composta de doze membros no momento de sua criação) desse movimento de inserção da psicanálise na França são Rudolph Loewenstein, Marie Bonaparte, Édouard Pichon e René Laforgue. Já na fundação da SPP havia uma cisão importante, pois nessa mesma época a IPA acabara de estabelecer algumas regras rígidas sobre a técnica psicanalítica e sobre a formação de analistas. Um grupo, liderado por Bonaparte e Loewenstein, defendia a adesão à ortodoxia da IPA; outro grupo, liderado por Pichon, mostrava-se resistente à ortodoxia e à influência germânica na psicanálise francesa. Pela proximidade que tinha com Freud e com o apoio de Loewenstein, Marie Bonaparte acabou exercendo um papel decisivo na obediência da SPP às regras da IPA.
Com a vitória da ala internacionalista da SPP, Loewenstein também assegurou um lugar relevante na SPP como analista didata, o que, supostamente, enfim lhe traria um lugar mais estável e mais prestigiado. Descendente de uma família judia radicada na Galícia polonesa (que foi dominada pela União Soviética) — onde ele chegou a começar uma primeira formação em medicina —, Loewenstein viveu em movimentos migratórios, algumas vezes fugindo do antissemitismo. Primeiro foi a Zurique, onde fez nova formação em medicina e entrou em contato com a psicanálise através de Bleuler. Seu interesse pela psicanálise o levou a Berlim. Lá, mais uma vez recomeçou o curso de medicina e iniciou sua formação em psicanálise, fazendo sua análise com Hans Sachs. Em 1925 tornou-se membro da Sociedade Psicanalítica de Berlim. No mesmo ano, mudou-se para Paris, onde almejava se estabelecer definitivamente. Seu relacionamento com Marie Bonaparte — eles chegaram, diga-se de passagem, a ser amantes durante um breve período — o ajudou a obter rapidamente sua naturalização. Exímio poliglota — falava polonês, russo, inglês, alemão e francês —, adaptou-se rapidamente a Paris. Logo publicou diversos artigos, especialmente sobre a técnica psicanalítica, e se tornou o maior representante da corrente ortodoxa e um dos principais analistas didatas da SPP.
Foi então, com esse psicanalista já renomado e defensor das regras ortodoxas da IPA, que Lacan teve, entre junho de 1932 a dezembro de 1938, sua conturbada experiência de análise. Roudinesco[1] e Laurent[2] dizem que Lacan foi bastante avesso à rigidez do “tratamento padrão” desde o início de sua análise. Foi, porém, sobretudo no final da análise que os conflitos entre eles se intensificaram ainda mais. Lacan considerava sua análise finalizada e precisava oficializar o término para que ele pudesse se tornar titular da SPP e, consequentemente, exercer a função de analista didata. Ademais, como na época a frequência das sessões era maior, a análise costumava demorar entre dois e três anos para chegar a seu termo.
Loewenstein, no entanto, relutava em finalizar a análise com Lacan, gerando um problema institucional. Desde 1934 Lacan já havia sido eleito como psicanalista aderente da SPP, mas não podia ser nomeado enquanto não finalizava sua análise. Impaciente com o impasse de seu final de análise, Lacan recorreu a Pichon, que conseguiu negociar sua nomeação. Em troca, Lacan também deveria apoiar a nomeação de Hartmann[3], que acabara de chegar de Viena fugido dos nazistas. Loewenstein aceitou a intervenção de Pichon, mas com a condição de que Lacan retomasse sua análise posteriormente. Lacan, por sua vez, aceitou a condição imposta por Loewenstein e, em dezembro de 1938, foi nomeado analista titular da SPP. Entretanto, jamais retomou sua análise, o que deixou Loewenstein indignado.
Sobreveio então a Segunda Guerra e as atividades da SPP foram interrompidas. Diversos analistas judeus tiveram de sair da Europa, dentre eles Loewenstein — que foi para Nova York, em 1942, onde se juntou a Hartmann e Kris na fundação da psicologia do ego. Em 1945, com o fim da guerra, apenas alguns psicanalistas voltaram a se reunir restritamente; e somente ao final de 1946 havia quórum suficiente para a SPP retomar suas atividades. A partir de 1947 as reuniões ocorriam novamente como antes da guerra, mas desde então a SPP passou a funcionar sob a presidência de Sacha Nacht — outro ex-analisante de Loewenstein —, cargo que ocuparia até 1952.
Os cinco anos de presidência de Nacht foram bastante contestados e provocaram uma crise no interior da SPP. Diferentemente do período da constituição da SPP — quando as polêmicas giravam em torno da oposição entre o grupo internacionalista, que defendia a adesão à IPA, e o grupo nacionalista, que defendia uma psicanálise francesa própria —, nesse período pós-guerra a crise se deu em torno da criação de um instituto de psicanálise cuja função seria a de formar novos psicanalistas. A polêmica principal na criação do instituto dizia respeito à análise leiga, isto é, à ampliação do exercício da psicanálise aos não médicos. Nacht era um árduo defensor da ordem médica e foi o principal representante do grupo que defendia a restrição da psicanálise aos médicos. Contudo, o grupo de analistas — cujo principal representante foi Daniel Lagache, mas que também era representado por Lacan — que defendia a ampliação do exercício da psicanálise era grande. Nacht, então, fez uma série de manobras, usando de seu poder enquanto presidente, para defender sua posição. Tais manobras geraram intensas revoltas, inclusive entre os estudantes.
Nesse mesmo período da presidência de Nacht, Lacan foi ganhando cada vez mais reconhecimento. Em 1948 ele se tornou membro da Comissão de Ensino, e em 1951 iniciou seus Seminários. Rapidamente não só os seminários estavam cheios de analistas em formação (mais da metade dos frequentadores da SPP), como também seu consultório (ao menos um terço deles). Pelo número de analistas em seu divã, bem como pela frequência comum das sessões na época, logo se evidenciou que Lacan fazia sessões mais curtas, ferindo a norma de análise didática de sessões de 45 minutos — o que, aos olhos da IPA, era uma grave infração. Ernest Jones, por exemplo, na inauguração do Instituto de Psicanálise da SPP, em 1954 — no ano seguinte, portanto, da cisão da SPP e da instituição da Sociedade Francesa de Psicanálise (SFP) —, diz: “A formação de futuros analistas obedece, no mundo inteiro, a regras fixas pela Associação Psicanalítica Internacional. É importante sublinhar que o instituto que inauguramos hoje é o único que a IPA reconhece na França como apta a dar o ensino necessário à prática da psicanálise”[4].
Com a prática das sessões curtas, Lacan tornou-se então o epicentro dos conflitos institucionais que vinham desde a fundação da SPP. Ele foi impelido a justificar sua prática três vezes e a prometer que iria aderir às regras da IPA. Foi mais uma promessa que não cumpriu, levando à ira os ortodoxos da SPP. A situação ficou insustentável, até que Lagache, Dolto e Favez-Boutonier pediram demissão da SPP e fundaram a SFP, instituição à qual se juntaram Lacan e diversos outros psicanalistas.
Foi então, após algumas semanas dessa cisão, que Lacan escreveu a Loewenstein contando detalhes do entrevero que ocorrera nos últimos tempos, especialmente com Nacht. A carta denuncia os abusos de poder de Nacht e defende o posicionamento ético dos psicanalistas da nova instituição. Embora Loewenstein já residisse nos Estados Unidos há mais de dez anos e estivesse distante do funcionamento da SPP, Lacan esperava contar com seu apoio para que a SFP fosse legitimada pela IPA.
No entanto, Lacan não imaginava que, mesmo após quinze anos, Loewenstein estivesse ainda bastante ressentido com o fato de ele não ter cumprido sua promessa de voltar à análise. Poucos meses antes de receber a carta, mais especificamente em 22 de fevereiro de 1953, ele escrevera a Marie Bonaparte: “Ele [Lacan] sempre representou para mim uma fonte de conflito: de um lado por sua falta de qualidades de caráter, de outro por seu valor intelectual, que tenho em alta estima, não sem violento desacordo. Mas o lastimável é que, embora tivéssemos combinado que ele continuaria a análise após a eleição, ele não voltou. Não se trapaceia impunemente num ponto tão importante assim (isso, cá entre nós). Espero realmente que seus potros, analisados às pressas, ou seja, não analisados em absoluto, não sejam admitidos”.[5] Ou seja, Lacan não tinha o apoio de seu ex-analista. Sua carta jamais foi respondida. ♦
Carta de Jacques Lacan a Rudolph Loewenstein, de 14 de julho de 1953, publicada em Ornicar ?, n. 7 (Suplemento “La scission de 1953”), 1976; pp. 120-135.
Meu caro Loew,
Se não lhe escrevi antes sobre os acontecimentos — extravagantes (no sentido próprio) — pelos quais o nosso grupo acaba de passar, foi em razão da solidariedade que, desde que a ele pertenço, tem dominado a minha conduta. Esse laço, o senhor sabe, hoje está rompido. Deixei passar alguns dias, tanto para deixar a verdadeira distensão que essa ruptura nos trouxe ter os seus efeitos quanto para me dedicar, primeiro, à implementação de uma comunidade de trabalho que se anuncia sob os melhores auspícios; inesperados, eu diria, caso não encontrássemos ali justamente o próprio fruto do nosso esforço nesses últimos anos, o sentido do nosso trabalho, os princípios do nosso ensino — resumindo: tudo aquilo em que acreditamos, durante longos meses, que devesse ser auferido de nós, e que o foi da maneira mais perniciosa por aqueles que havíamos introduzido na disciplina psicanalítica.
Basta lhe dizer que inaugurei a vida científica da nova Sociedade Francesa de Psicanálise quarta-feira passada nesse anfiteatro da Clínica que o senhor conhece, caro Loew, através de uma comunicação sobre “o simbólico, o imaginário e o real”[6], diante de um público de 63 pessoas — das quais 45 já nos deram sua adesão como candidatos ao nosso ensino e aos nossos trabalhos.
Lagache, cujo rigor de conduta desde o começo da nossa crise não se desmente, estava presidindo essa sessão. E se disserem ao senhor, entretanto, que representamos o clã dos psicólogos, não acredite: nós lhe mostraremos — com listas em mãos — que temos entre os nossos alunos mais médicos do que a antiga Sociedade, e dos mais qualificados. Mas não teríamos como, de resto, levar o mérito sozinhos. Pois, para ser justo, é preciso lhe participar o comportamento insensato dessa equipe que, na fundação do Instituto[7], enxergou a oportunidade de confiscar, para o seu proveito, a autoridade verdadeiramente enorme que a antiga Sociedade adquiriu para si junto aos estudantes. Essa autoridade — fundamentada na boa fé de gente que, na experiência mesma de sua própria análise, de suas supervisões, achava por onde justificar o cabimento dos engajamentos e das regras a eles impostos — apresentou-se, de repente, a eles na figura mais autocrática e mais desagradável: em vez de um colégio de respeitados senhores, dentre os quais cada um, conforme as suas afinidades, encontrasse os seus mestres e os seus recursos, eles viram surgir a figura única do nosso antigo camarada Nacht[8] — que o senhor sabe que nunca foi famoso pelo bom grado, mas que, frente a dificuldades imprevistas, revelou-se sob os aspectos de uma falta de tato e de medida, de uma brutalidade nas palavras, de um desdém para com as pessoas que eu não mencionaria aqui, caso não devesse ser esse o boato entre os estudantes por diversos anos. Em seu apoio, dois novatos sem experiência didática: Lebovici[9], cujo nervosismo — reversão das sevícias quotidianas de que ele é alvo em seu serviço no hospital (penso que o senhor sabe o bastante a respeito do modo de relação que, às vezes, pode se estabelecer entre aluno e médico-chefe para não ser preciso que eu me estenda aqui) — sempre causou a impressão mais desagradável nos estudantes, para os quais ele aparenta ser uma “víbora”. O outro, Bénassy[10], moço que não deixa de ter cultura, revelou repentinamente, para estupor geral, ter uma mentalidade tacanha; promotor já esperado das medidas mais intriguistas, instaurando a “convocatória” para cursos — em que vem gente de cabelo branco — e soltando, bruscamente, frente à insurreição de todos, derrisórias confissões: “Eu devo reconhecer que, ao fundar esse Instituto, nós havíamos esquecido dos senhores”; para concluir, aliás: “agora é tarde demais: esqueçam”. E, para coroar tudo isso, a condução geral entregue às mãos de um jovem[11], escolhido por Nacht pela sua notória mediocridade — e de cujo nome não teria como lhe dizer nada, visto que nem mesmo era membro associado da Sociedade quando foi alçado a tais funções —: este, de repente, se encontrava posto na função de designar, aos estudantes em análise didática, quem seriam seus supervisores; e até mesmo, àqueles que seriam admitidos dali em diante, quem seriam seus analistas. Absurdo de iniciativas, bombardeando os estudantes com as notas administrativas mais desconcertantes; ainda que — misericórdia! — obscuramente em conformidade com as diretivas de Nacht, ele culmina a sua confusão e deve ser considerado um dos artesãos do fracasso do Instituto (pois acaso se pode chamar de outro modo uma situação em que lhe restam em torno de 25 alunos, dos 83 que foram convocados para se inscrever?).
É esse o ponto em que chegamos.
Para que o senhor possa analisar os expedientes, devo ser justo com Nacht em relação ao fato de que ele não balançou nem cedeu no prosseguimento de seu intento. E se ele ainda agrupa ao redor de si uma maioria entre os colegas antigos, deve isso a uma constância em sua política que seria digna de inspirar o respeito, caso ela não houvesse procedido — não menos constantemente — pelos meios mais desprovidos de escrúpulos.
Se acreditou que poderia me levar para o jogo dele, me fazendo durante anos uma pacienciosa corte, creio que a decepção deva lhe ter sido severa. No entanto, ele só se beneficiou com essa relação: informações, ideias, leituras — para as quais se orienta mal, devido à falta de acervo. Foi recebido por minha mulher e encontrou na casa de meu concunhado, o pintor Masson[12], a hospitalidade que lhe permitiu casar-se novamente fora do anonimato da cidade grande, na atmosfera cordial de um pequeno vilarejo provençal.[13] Foi exatamente em julho passado, e minha mulher e eu fomos testemunhas.
Já naquela época, no entanto, ele pôde sentir minha reprovação com relação à forma verdadeiramente pouco correta através da qual se fizera eleger um mês antes — e por cinco anos — ao cargo de Diretor de um Instituto que ainda não existia. Sem que a Assembleia houvesse sido prevenida por uma questão de ordem, o princípio, a duração do mandato e a proposição — por ele mesmo — de sua própria candidatura como candidatura única foram acolhidos por uma votação (levantando as mãos) da qual os melhores dos seus partidários tinham de convir, há poucos meses, que era um procedimento “fascista”[14]. Também daquela vez eu havia concluído o ano com uma comunicação seguida da mais acalorada discussão. E essas proposições foram uma surpresa para a Assembleia. Devo confessar que votei a favor na primeira — embaraçado, no entanto —, mas fiquei literalmente estupefato quanto vi que a segunda lhe sucedia imediatamente. Nacht não me parecia indigno de exercer funções de direção, mas sequer sabíamos em que é que elas deviam consistir. Pois esse Instituto ainda não existia, nem programa nem estatutos: somente um local encontrado, de repente, por ele e adotado, com toda a urgência, apesar dos seus inconvenientes; ao passo que era sempre dele que partiam as objeções, os obstáculos e, por fim, as recusas que haviam descartado, até então (temos provas escritas disso), todas as escolhas que foram propostas para uma fundação — cujo adiamento havia entravado o nosso trabalho durante anos. O voto em seu nome foi, contudo, longe de ser unânime; outros — e, nomeadamente, Lagache[15] —, mais advertidos que eu, abstiveram-se.
No fundo, a minha confiança nele permanecia firme, cumpre dizer; e quando, graças o seu esforço, o Instituto estava materialmente pronto, em novembro, foi um desmoronamento, para mim, escutar de sua própria boca o tamanho cinismo com que ele encarava seu uso puramente político: “dar bastante corda”, por exemplo, para aqueles que ele tinha o intento de neutralizar a ação; abandonar completamente a questão da defesa dos não médicos que havíamos acolhido em grande número entre nossos alunos, apesar dos envolvimentos deles num certo número de ações judiciais em tramitação; propor, como palavra de ordem destinada a mobilizar um pequeno grupo, a oficialização do diploma de psicanalista na França — ao que ele sabia muitíssimo bem que, a não ser com um sucesso surpreendente, através de uma manobra política sempre questionável, o Conselho da Ordem dos Médicos sempre se oporia —; domesticar, com o auxílio desse engodo, o conjunto impressionante daqueles que haviam recorrido a nós depois da guerra manifestando sua imensa necessidade de uma técnica verdadeiramente compreensiva do doente mental; e organizar nessas bases aquilo que os defensores do seu grupo confessaram aos quatro cantos, no momento em que se acreditaram os donos da situação: uma “barragem” destinada a submeter à autorização de uma pequena equipe o acesso ao exercício da profissão.
O ensino não era, então, a finalidade do Instituto, mas o meio de uma dominação daqueles mesmos que ansiavam por ele com uma esperança que apresentava comoventes manifestações. E eles iam pagar caro por isso (entendido no sentido literal, como o senhor logo verá).
Não escondi de Nacht a minha reprovação, cuja natureza, no princípio, ele não entendeu. “É do seu interesse”, “Você tem aqui uma oportunidade de ouro: como é que você vai desperdiçar?”. Quantas vezes escutei esse chamado, a cada vez que, durante esses meses de sórdida luta, a minha voz — em consequência disso, sempre recusada — teria podido fazer pender a balança em favor deles.
A oposição se engajou, infelizmente para nós, dando passos em falso. Nacht, achando que o jogo estava ganho, acreditou poder se livrar da pessoa da Princesa[16], então muitíssimo engajada na defesa da Senhora Williams — da qual ele ousara declarar publicamente que era lamentável que o Tribunal a tivesse absolvido[17] —: ele despachou simbolicamente a Princesa dos nossos conselhos, recusando-se a recebê-la.
Decerto se pode considerar que a ação dessa pessoa sempre fora nefasta em nosso grupo. O prestígio social que ela representa só pode mesmo é deturpar as relações; o que ela retira de seu papel junto a Freud faz com que seja escutada por todos com uma paciência que assume a figura de aprovação; o respeito que se deve a uma idosa suscita uma tolerância com as suas opiniões que desmoraliza os jovens, ao ver dos quais nós aparentamos uma ridícula sujeição.
Naquele momento eu não sabia — o que fui sabendo dali em diante — a respeito das manobras constantes dela, no passado, para manter seus privilégios no grupo.
Ela aproveitou, para entrar ali, da primeira das extravagâncias às quais Nacht e os seus não cessaram de se entregar e que, no entanto, longos meses depois, não os levou a nada além da perda — tamanho é o poder de uma minoria coerente.
A Comissão de Ensino foi avisada, um dia, com quarenta e oito horas de antecedência, de que teria de receber em sua próxima reunião avisos importantes do Comitê Diretor (Comitê do qual ninguém havia ouvido falar ainda como estando em funcionamento). Foi para receber o comunicado de um programa de estudos, não só bem fraco, mas manifestamente feito para pôr na sombra tudo o que se havia feito até então no plano da iniciativa de cada um — e nomeadamente o meu próprio seminário de textos, que era acompanhado há um ano e meio por 25 alunos, a quem nada obrigava, com uma fidelidade que não se desmentia —, com o benefício exclusivo para o seminário, dito “técnico”, de Nacht, que se via formando, ao absorver sozinho a atividade do “terceiro ano”, o coroamento da formação psicanalítica. Para frisar ainda melhor o alcance da coisa, o meu seminário reservado aos “primeiros anos” tinha sido colocado em horário simultâneo (fato único no programa) com um seminário atribuído a Lagache com a mesma rubrica (tirante o fato de que os textos atribuídos a Lagache eram, em geral, inacessíveis aos leitores franceses).[18]
Ao prato que nos estava sendo servido com o tom de “vocês não acharam excelente?” pelos cúmplices, assaz engraçadinhos, que o haviam cozinhado na intimidade, ainda se somava uma sobremesa de mesmo gosto: era, nos é dito, de toda urgência política que Nacht (já três vezes prorrogado em sua função, para além dos limites estatutários) fosse mantido na Presidência da Sociedade até a votação dos estatutos do Instituto, que ainda permaneciam na indeterminação — e que nos davam a entender que seria preciso amadurecer por muito tempo.
Devo dizer que voltei para casa prodigiosamente animado e fiquei quinze dias sem manifestar nada a ninguém. Estou deixando passar o fato de que Nacht, na casa de quem eu havia almoçado na véspera desse primeiro dia memorável, tinha me garantido quanto à sua intenção de, enfim, deixar-me a Presidência[19] — curioso procedimento para o qual ele nunca encontrou outra desculpa, a não ser o fato de que sua mulher lhe teria desaconselhado ficar me atazanando, dizendo para mim aquilo que ia ser proposto no dia seguinte!! O mais incrível é que ele parece tê-la realmente considerado responsável por ter, assim, “alterado as nossas relações”.
Evidentemente, tudo isso foi utilizado pela Princesa para agitar o grupo. Contudo, Lagache veio me ver para me expor o quão lamentável era o fato de que tenhamos deixado a Nacht, por tanto tempo, uma função representativa para a qual a própria neutralidade — se não a nulidade — das suas posições doutrinais nos havia parecido fazer dele alguém particularmente apto; e que ele, de fato, tenha sustentado isso com dignidade, concluindo toda e qualquer discussão um pouco mais estimulante com algumas palavras que equivaliam a considerar o objeto como algo indiferente, no fim das contas, aos olhos da sua experiência — e isso com um tom cuja benignidade poderia passar como estando gratamente em conformidade com a sua função.
Uma mudança de estilo podia ser esperada como favorável, agora que a fundação do Instituto devia, em princípio, restituir à Sociedade uma maior disponibilidade para o trabalho doutrinal. A minha designação para a Presidência devia ter a anuência de todos.
Em uma Assembleia excepcional conseguida pela Princesa, Lagache então removeu o abscesso com grande coragem, com o mote:
“O trabalho não pode continuar assim nessa Sociedade, pois a maioria aqui está infeliz”. O conjunto dessas palavras e dos ataques da Princesa, cujo estilo o senhor conhece, fez explodir a bomba, mas serviu — misericórdia! — para cristalizar, em torno de Nacht, um núcleo “médico”, do qual só se pode lamentar que era então minoritário — pois Nacht aproveitou disso para mantê-lo, a partir de então, numa atmosfera obsidional, que lhe deu uma coerência que ele não tinha em nenhum plano (nem doutrinal, nem técnico, nem sequer em termos de amizade).
Com uma perfeita hipocrisia, Nacht quis ver nisso a marca de uma missão conferida a ele, dali em diante, pelo grupo. A sua técnica foi constante: toda e qualquer manifestação vinda do outro lado, nem que fosse a mais inocente (a candidatura de Favez como membro titular[20], por exemplo), foi apresentada aos seus partidários como sendo traço de um complô.
As semanas de crise que se seguiram foram conduzidas na base de termos de compromisso que ele fazia com que fossem assinados pelos oito que se agruparam ao redor dele. O princípio era o seguinte: para que pudesse conduzir as tarefas do Instituto com sucesso, era preciso que ele fosse “senhor em sua casa”[21], isto é, que ele permanecesse Presidente da Comissão de Ensino ao mesmo tempo em que era Diretor do Instituto, visto que era preciso justamente admitir que não se podia mantê-lo por mais tempo numa Presidência, que me seria restituída — o que era de comum acordo —, mas à qual se somava, até então, a função de presidir a Comissão.
Foi nesse ponto que engatou, portanto, a batalha.
Durante todo esse tempo, e desde a primeira sessão, eu me abstive de todo e qualquer ataque pessoal contra Nacht e limitei minha oposição a meus votos. Esforcei-me — o que estava suficientemente indicado pelas funções que me eram confiadas com o consentimento de todos — em atuar como mediador.
Nas reuniões com a Princesa, mantive — contra todos e sem fraquejar — o princípio de que era preciso que a Direção do Instituto fosse conservada àquele que havia tomado a iniciativa de fundá-lo — todas as testemunhas da minha ação lhe avalizarão isso —; e, apesar de todas as pressões, jamais admiti que podia substituí-lo, a não ser em caso de última necessidade.
Foi contra minha vontade, justamente, que fui testemunha das espantosas ligações telefônicas que a Princesa fez para Anna Freud, em que os nossos adversários eram qualificados por ela como gângsteres e em que ela lhe perguntava se a Internacional[22] reconheceria o grupo deles em caso de cisão (ao que lhe foi respondido que seriam certamente reconhecidos, tal como aconteceu com outras cisões em escala nacional).
A cisão foi, com efeito, desde a origem, o instrumento de chantagem daquele que era, dali em diante, o “grupo Nacht” — e ela não cessou de ser agitada até o momento em que ele próprio se tornou majoritário.
Foi assim, com efeito, que a coisa se deu. A chantagem pela demissão não pôde ser processada pelo Comitê de Direção do Instituto sem que, no final, ele devesse se resignar. Normalmente a Comissão de Ensino devia acolher a acusação e foram, mais uma vez, os partidários de Nacht que fizeram obstrução a isso.
Com isso acreditei que eu devesse aceitar, crendo ser o único em condições de chegar a uma arbitragem.[23] Fui eleito, de fato; não levei comigo nenhum Secretário Científico — muito embora Lagache e Bouvet teriam certamente aceitado me conceder sua ajuda[24] —, e declarei, de imediato, que eu me considerava apenas Diretor provisório com fins de se chegar a estatutos que fossem do acordo de todos; e, já no dia seguinte, convoquei os oito defensores do grupo Nacht para se reunirem comigo para estudar a situação. Todos aceitaram individualmente, para se esquivarem em seguida sob a injunção de Nacht.
Fiz, então, aquilo que me parecia a única tentativa para uma saída saudável. Retirei-me por oito dias (eram as férias de Natal) para longe de todo contato com quem quer que fosse e elaborei os princípios de um Instituto, de modo que me parecesse destinado a garantir um ensino aberto à diversidade dos espíritos que tínhamos de satisfazer e a prolongar a tradição da Sociedade.
Não havia nesse projeto — que todos então reconheceram conter ideias para o futuro — nada que parecesse com uma moção de compromisso. Se eu estava levando em conta a presente conjuntura, foi unicamente na forma que eu tratava de conservar para ficar o mais perto possível do projeto já apresentado — isso de modo a evitar o conflito de amor-próprio que tivesse podido surgir da ideia que de que eu estivesse apresentando “o meu estatuto”. Para a delicada questão da Presidência da Comissão eu estava apresentando uma solução certamente um pouco complexa, mas que, no estado de enrijecimento em que estavam os espíritos, parecia-me a única que podia fazer com que recobrassem a razão. Resumindo, eu tinha a esperança de reconduzir os oponentes à noção dos princípios.
Foi aí que fracassei: opuseram-me que a forma dos ditos estatutos não era jurídica. Era bem verdade, e eu nunca tive a esperança de que seriam votados como tal; mas, sim, de que seriam o ponto de partida de uma aliança por fim restabelecida, com uma perspectiva que desse ênfase no próprio ensino, e não em suas incidências políticas.
Só o fato de ali eu não fazer menção nem à Princesa nem às suas funções honorárias já foi o suficiente para decidir tudo.[25]
Numa entrevista pessoal que ela havia solicitado a Nacht, e à qual — ao sair de um jantar em minha casa, onde ela teve o descaramento de anunciar isso para nós (Lagache, Bouvet e eu) — deu sequência, com ele, durante uma hora e meia, com a Sociedade inteira inquieta, esperando, ela fez um trato com Nacht que só o seguimento das coisas nos mostrou quais foram os termos.
Um dos primeiros efeitos foi me ver entre os seus seguidores que permitiam garantir a Nacht sua maioria <palavra ilegível>, e um rival para a Presidência na pessoa de Cénac[26] — do qual o senhor imagina com que intenção, totalmente desinteressada de “conciliação”, ele aceitou esse papel. Eu fui, contudo, eleito Presidente.[27]
E por conta disso me tornei o símbolo da resistência num longo processo do qual um relatório de Lagache lhe indicará as etapas[28]; e através do qual Nacht realizou, ponto por ponto, o que tinha estado em suas intenções — os que me apoiavam já sabiam desde a origem —: assegurar-se, através da entrada maciça do Comitê de Direção (incluindo o Secretário Administrativo!) na Comissão de Ensino, uma maioria permanente no funcionamento ordinário e extraordinário dessa Comissão; remanejar, de cima em baixo, o exercício tradicional das funções dessa Comissão, isto é, fazer com que os sujeitos, em todas as etapas, sejam examinados por uma comissão de apenas quatro membros — o Diretor do Instituto, único elemento permanente, tendo aí, é claro, voz preponderante; o que, pelo fato de ser o secretariado dele quem designa os outros três, lhe garante, o senhor compreende, eu imagino, uma assaz bela probabilidade de não ser nunca contrariado etc.
O sucesso de todas essas propostas, a propósito de cada uma das quais eu ouvi toda vez ser afirmado — por um ou mais membros do seu próprio grupo — que se tratava de um excesso ao qual ele não daria nunca a sua adesão, foi obtido todas as vezes, apesar disso, graças a uma técnica sabiamente acertada, que consistia em passar a bola — rejeitada uma primeira vez — para a Princesa em circunstâncias nas quais, o conjunto não estando advertido disso, a maioria se mostrava favorável.
Esse joguinho, perfeitamente desmoralizante para os próprios oponentes, levou quatro meses para chegar ao fim e foi coroado por uma sessão especialmente consagrada a dar para a Princesa Marie Bonaparte o prêmio pelos seus bons e leais préstimos (que ela teve de esperar até então), integrando-a definitivamente e por toda a vida ao contingente dos membros do Conselho de Administração do Instituto (médico) de psicanálise, órgão que — comunicados nos jornais nos fizeram saber — desonera definitivamente a Sociedade Psicanalítica de Paris de tudo o que concerne ao ensino e à habilitação de psicanalistas.
O senhor verá, numa carta aberta de Juliette Boutonier, o que é que, durante esse tempo, virou o standard de existência dessa Sociedade infeliz; e como a “gangue” (a Princesa dixit) ocupava o tempo das suas reuniões com conciliábulos nas salas da diretoria do Instituto, de onde ela emergia — no momento em que os “trabalhos” fúteis aos quais se havia entregado a Sociedade tinham fim — para a sessão administrativa, onde começavam a se ocupar com coisa séria.
A última, o senhor sabe, consistiu em demitir, por fim, o Presidente da Sociedade para que o passo em falso da sua eleição imprevista fosse enfim reparado, e para substituí-lo — segundo a própria expressão de M. Lebovici — por uma personalidade ainda mais insignificante (logo, mais dócil) que aquela que, da primeira vez, havia fracassado contra ele.
É aqui que encontramos os famosos estudantes esquecidos nessa coisa toda.
Com efeito, estes, aos quais se havia demandado, desde a abertura do Instituto, em março, taxas de inscrição absolutamente exorbitantes[29], tinham, naquele momento — isto é, enquanto acontecia mais uma luta da qual ninguém entre nós que os defendíamos havia feito, durante o ano todo, nenhuma menção com eles —, tinham ousado, portanto, levantar reivindicações — aliás, da forma mais respeitosa para com os seus Diretores e mestres —; e é na forma de sua resposta que estes, por sua vez, começaram a perder a dignidade. Um deles não hesitou em dizer que estava jogando fora 200.000 francos por mês com aquele negócio; o mesmo, ainda: que, se por um lado lhes estavam demandando muito dinheiro, a psicanálise seria, por outro, um ofício que permitia faturar bastante em seguida.
O mesmo, ainda, não titubeava em dizer, frente a um dos delegados que lhe apresentava queixas de seus camaradas, que o papel que este estava assumindo fazia com que ele tivesse um mau pressentimento quanto ao seu futuro analítico. Para todas as manifestações deles, a resposta-chave foi: “Vocês estão manifestando a que ponto são mal analisados” (tratava-se, aliás, dos seus próprios alunos).
Não é de se espantar que, nessas condições, os calouros chegassem a pensar que estivessem fazendo um deslocamento, e foram postos na via de uma interpretação mais justa das suas reações pelo teor dos termos de compromisso que se pedia que eles assinassem, uma segunda vez, com o Instituto — depois de já o terem feito, de bom coração, para com a boa e velha Sociedade. Isso lhes deixou com a pulga atrás da orelha, e eles pediram para ver os estatutos.
O efeito produzido foi indescritível. Foi o momento em que o grupo dos nossos colegas, cada vez mais desmantelado e recusando-se a compreender tudo o que acontecia, escolheu dar uma lição. Haviam tentado intimidar os estudantes anunciando a eles a formação de uma Comissão Disciplinar e propondo nomear como chefe um antigo magistrado (sic !). Isso teve um certo efeito. Mais era difícil que ele fosse definitivo junto a pessoas que ainda não haviam se engajado no Instituto. Como é que se pôde pensar que, chutando alto, a intimidação seria decisiva? Um tal de Pasche[30], antigo existencialista convertido ao posto de jacobino da nova instituição, e que, desde os primeiros conflitos, declarou-me que se tratava de ter em mãos um poder cujos efeitos se levaria “até as últimas consequências”, fez com que eu soubesse — com toda a estima na qual ele tinha tanto a minha pessoa quanto um ensino cujos termos haviam sido, para ele, frequentemente iluminadores — que a minha própria presença no lugar em que eu ocupava estava na origem da resistência dos estudantes; que é porque eles se sentiam apoiados por mim, ali dentro, que ela prosseguia; e que, portanto, convinha que nós nos separássemos.
Vou me lembrar por toda a minha vida, através das palavras daquele Robespierre — que conservavam alguma aderência no delírio deles —, das figuras convulsionadas daqueles que, na caçada, participaram desse toque de rendição originário. Não era um espetáculo belo e, resistindo aos latidos deles, eu me dava o luxo de assisti-lo uma segunda vez.
Para dizer a verdade, essa segunda vez foi bem mais calma. A moção de censura proposta pela Senhora Odette Codet[31] junto à Princesa, tomada por garantida, foi votada. Mas um certo número daqueles nos quais o espetáculo anterior havia mexido com o horror humano, foram embora definitivamente para fundar uma nova Sociedade — e eu logo me juntei a eles.
Agora o senhor sabe toda a história do caso. E pode imaginar que experiência ele não foi para mim. Fui posto à prova da mais constante e desoladora traição. Alguém, Nacht, por quem eu tinha amizade comportou-se de maneira tal que, a cada vez que a mulher dele — atarantada, aliás, com esse caso — telefonava para a minha, eu podia encontrar aí o indício certeiro de que ele me daria, nas 48 horas seguintes, um novo golpe.
Ele não poupou nada para me atingir. Uma discussão antiga que havia sido conduzida no terreno da teoria e da experiência, e que incidia numa técnica que, justificada ou não, eu tinha defendido publicamente — a saber, o uso regular de sessões mais curtas em determinadas análises; e, especialmente, na análise didática, em que a natureza particular das resistências me havia parecido justificá-la —, foi despertada novamente por ele, ao passo que eu havia declarado publicamente que, me submetendo ao princípio de standards fundamentados numa regulação profissional, a partir do momento em que passássemos para uma fase de organização da profissão, eu não voltaria a essa prática, seja lá qual fosse o interesse que ela me parecesse ter; e que, no ano anterior, eu havia progressivamente regularizado — e definitivamente posto no tempo regulamentar todas as minhas análises didáticas, desde o fim do ano —, sem que se tenha podido, a partir de então, alegar contra mim o menor descumprimento.
Lembraram um pretenso compromisso, assumido em fevereiro de 1951 — e precisamente a propósito de uma análise didática particularmente bem sucedida —, de me ater ao standard comum, sem quererem se lembrar do fato de que haviam me autorizado, ainda no mês de dezembro de 1951, a expor diante da Sociedade as razões dessa técnica que eu, com efeito, havia seguido aberta e publicamente.
Utilizaram contra mim o número dos meus alunos, alegando ser esse o único motivo daquela redução no tempo consagrado a cada um deles, sem se lembrarem de que todos os que haviam passado anteriormente pelo exame da Comissão tinham podido dizer, individualmente, que benefício haviam tirado em cada caso; e demonstrar, em suas supervisões, a boa qualidade das suas formações.
Nacht, ao relatar um comentário que uma de nossas colegas, médica hospitalar (Senhora Roudinesco[32], para dar nome aos bois), teria feito no que se refere a esses fatos, de uma forma que se mostrou falsa na investigação — a saber, que ele, Nacht, teria mentido —, teve sucesso, sob o jugo dessa alegação reproduzida para cada um dos nossos colegas da Comissão no decorrer de uma rodada que lhe tomou toda uma tarde, em conseguir com que vários deles assinassem um atestado de que eu teria, com efeito, justamente assumido o compromisso em questão quando da reunião da Comissão de fevereiro de 1951. Isso com o único objetivo de produzi-lo dessa forma no dia seguinte, numa reunião de estudantes em que ele não teve, aliás, nenhum efeito.
Foi feito de tudo para que os meus estudantes me deixassem. E depois de minha partida da Sociedade, informaram a esses estudantes em análise — suspeitos, por assim dizer, de vícios em suas iniciações — que eles poderiam, dali em diante, se apresentar espontaneamente — isto é, sem a minha autorização — para serem habilitados às supervisões diante da Comissão de Ensino.
Nem um me deixou, nem sequer pensou nisso. E ouso até mesmo dizer que as minhas análises prosseguiram sem ser sensivelmente influenciadas por toda essa tempestade do lado de fora.
Eu posso lhe dizer também que o que essa provação me ensinou, quanto ao ardil e quanto à fraqueza dos homens, é capaz de virar uma página em minha vida. Vi como um amigo resvala para longe a cada passo, no sentido em que uma pressão mais forte do que ele o arrasta contra você; vi que renúncias os melhores vêm te aconselhar a fazer, usando o seu bem como pretexto; a leviandade com que cada um considera aquilo que não tange os seus interesses imediatos; e como se vincula a essas empreitadas um homem honesto e generoso, obtendo dele — graças à fadiga — a primeira concessão feita ao desejo de paz, e que é uma infâmia.
Vi o que pode ocorrer num meio de pessoas “analisadas”, como se diz; e eu sabia — através do próprio Freud — que isso ultrapassa tudo o que se pode imaginar: eu jamais teria, com efeito, imaginado isso. Dou-me conta de que fiz reviver alguns traços disso para o senhor, agora; disso que puderam ser, para mim, esses meses de pesadelo, e aos quais verdadeiramente só pude sobreviver seguindo, através das emoções terríveis que elas me concederam, o meu seminário de textos e de supervisão, sem faltar sequer uma vez, e sem — creio eu — ter-lhes visto balançar a inspiração nem a qualidade. Muito pelo contrário, este ano foi particularmente fecundo, e creio ter feito com que fizessem um progresso autêntico na teoria e na técnica próprias à neurose obsessiva.
Sim, vivi graças a esse labor ao qual me dediquei — às vezes num verdadeiro desespero —, e também graças a uma presença cujo amparo não balançou nem um instante, ainda que ela mesma (sim, ela, minha mulher) não tenha ficado livre das tentativas de abalar a firmeza que vi nela em certos momentos. Sim, acredite em mim, Loew; não quero lhe falar do mais abjeto — e, contudo, aquilo também o foi.
O que mais me consterna é, talvez, a atitude de um certo número de titulares e de associados. Graças a Deus os mais jovens se mostraram ser de outro temperamento, eu lhe disse. Mas para aqueles que conheceram a ocupação e os idosos que os precederam, vi com terror uma concepção de relações humanas que se manifestou no estilo e nas formas que vemos florescer nas democracias populares. A analogia era chocante, e os efeitos de massa que são resultados disso me ensinaram mais sobre o problema que sempre me fascinou quanto ao tipo de processo dito “de Praga”[33] do que todas as minhas reflexões, ainda que avançadíssimas, sobre esse assunto.
Fico pensando na espécie de fé que me leva, agora, para além de tudo isso, que quase me faz esquecer. Sim, ela é feita de um poder de esquecimento que se deve ao fato de que tenho diante de mim esse público precioso daqueles que me seguiram — que jamais me teriam abandonado, mesmo se eu tivesse saído sozinho —; ao fato de que vou escrever, para Roma, o meu relatório sobre a função da linguagem na psicanálise; ao fato de que sei, cada vez melhor, o que tenho a dizer sobre uma experiência que só esses últimos anos me permitiram reconhecer em sua natureza e, somente assim, de dominar verdadeiramente.
Espero vê-lo em Londres[34]. Aconteça o que acontecer, saiba que o senhor encontrará ali um homem mais seguro dos seus deveres e do seu destino.
Lagache vai lhe fazer chegar o dossiê do caso — e o senhor verá ali que não somos nós que fizemos fracionismo.
Essas páginas não foram escritas para contribuir com esse dossiê, mas para lhe dar — no tom livre que a nossa relação particular nos permite — o testemunho vivido sem o qual a história não teria como ser escrita. Nenhuma objetividade teria como ser atingida em matéria humana sem esse fundamento subjetivo.
É por isso que lhe autorizo a utilizá-las junto a quem o senhor acreditar poder dar ouvidos; e, nomeadamente, Heinz Hartmann — para o qual enviarei, aliás, uma mensagem.[35]
O senhor sabe, Loew, que, se passar pela França — antes ou depois do Congresso —, ficaremos contentes, minha mulher e eu, que o senhor viesse com a sua mulher fazer uma visita à nossa casa de campo, para a qual faz tempo que o senhor está convidado. Eu poderia lhe dizer muito mais sobre o que esperamos, todos, do futuro de nosso trabalho. Estamos aqui de todo coração por nos vermos, atualmente, em grande atraso para com o senhor quanto a isso.
Saiba, porém, que nossa fidelidade para com a sua pessoa permanece inalterada.
Jacques Lacan ♦
REFERÊNCIAS | Carta (notas)
BOURDIN, D. La psychanalyse de Freud à aujourd’hui: histoires, concepts, pratiques. Paris: Bréal, 2007.
DE MIJOLA, A. Freud et la France – 1885-1945. Paris: PUF, 2010.
FERNANDES VELLOSO, M. A; MELO MEIRELES, M. Seguir a aventura com Enrique José Pichon-Rivière: uma biografia. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2007.
KUTTER, P. (Org.) Psychoanalysis international: a guide to psychoanalysis throughout the world, vol. 1 (Europe). Stuttgart-Bad Connstatt: Frommann-Holzboog, 1992.
PLON, M.; ROUDINESCO, É. Dicionário de psicanálise. Trad. V. Ribeiro; L. Magalhães. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
ROUDINESCO, É. Jacques Lacan & Co.: a history of psychoanalysis in France. Trad. J. Mehlman. Chicago: University of Chicago Press, 1990.
KOPJEC, J. (Org.) “A challenge to the psychoanalytic establishment”. In: LACAN, J. Television: a challenge to the psychoanalytic establishment. Trad. D. Hollier; R. Krauss; A. Michelson. Nova York / Londres: W. W. Norton & Co., 1990.
* Jacques Lacan é… Jacques Lacan.
** Marcelo Checchia é psicanalista, doutor em psicologia clínica pela USP. Autor de Poder e política na clínica psicanalítica (Annablume, 2015), organizador da edição brasileira das Atas da Sociedade Psicanalítica de Viena e um dos coordenadores da Coleção Atentado.
*** Paulo Sérgio de Souza Jr. é psicanalista, tradutor e linguista. Pós-doutorando pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ; doutor e bacharel pela Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP. Foi professor-associado da Universitatea “Alexandru Ioan Cuza” din Iași e tradutor residente do Institutul Cultural Român (Bucareste).
[1] ROUDINESCO, Elisabeth. História da psicanálise na França – a batalha dos cem anos, volume 2. Trad. V. Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988.
[2] LAURENT, Éric. Lacan analisante. Opção lacaniana on-line, 3, pp. 1-7, novembro de 2010.
[3] Heinz Hartmann, vienense de origem, teve uma primeira experiência de análise com Sandor Rado, que era membro do Instituto Psicanalítico de Berlim. Em 1925 tornou-se membro da Sociedade Psicanalítica de Viena e, em 1932, diretor da IPA. De 1934 a 1936 teve uma segunda experiência de análise, agora com Freud. Em 1937 apresentou, pela primeira vez, o texto “Psicologia do ego e o problema da adaptação”, que foi objeto de duras críticas por parte de Lacan.
[4] JONES, Ernest (1954) Allocution du Dr. Jones – Inauguration de l’Institut de Psychanalyse. Ornicar? – La scission de 1953, pp. 151-159, 1976.
[5] LOEWENSTEIN, Rudolph apud ROUDINESCO, Elisabeth. Jacques Lacan: esboço de uma vida, história de um sistema de pensamento. Trad. P. Neves. São Paulo: Cia das Letras, 1994, p. 99.
[6] Cf. “Le symbolique, l’imaginaire et le réel”, conferência pronunciada em 8 de julho de 1953. Disponível em: <http://aejcpp.free.fr/lacan/1953-07-08.htm>. (N. do T.)
[7] A Sociedade Psicanalítica de Paris – SPP havia sido fundada em 4 de novembro de 1926 por Angelo Hesnard, Henry Codet, René Allendy, Adrien Borel, René Laforgue, George Parcheminey, Charles Odier, Edouard Pichon, Raymond de Saussure, Marie Bonaparte, Eugénie Sokolnicka e Rudolph Loewenstein. Tratava-se de um grupo composto por jovens psiquiatras que, após fundarem a revista “L’Evolution psychiatrique”, juntaram-se a analistas mulheres que não eram médicas e a Rudolph Loewenstein, um emigrado de origem polonesa que havia feito sua formação no Instituto de Psicanálise de Berlim — e que se tornaria o principal didata do grupo em questão. Os membros fundadores estiveram envolvidos em diversas atividades, dentre as quais: a organização da primeira Conferência de Psicanalistas de Língua Francesa (1926); a edição da “Revue Française de Psychanalyse” [Revista Francesa de Psicanálise, 1927-ss.] e a constituição de uma comissão linguística para a unificação do vocabulário psicanalítico francês. Ademais, em 10 de janeiro de 1934, inauguraram o Instituto de Psicanálise, sob direção de Marie Bonaparte. Com a ocupação nazista, no entanto, a SPP cessa suas atividades oficiais e, a partir de 1949, passa a ser uma questão reinaugurar o tal Instituto. Em 1951 foi criado um comitê provisório no intuito de redigir, para tanto, os seus estatutos, mas questões relativas à formação do analista acabaram por entravar todo o processo. Lacan se refere aqui, então, a esse novo Instituto de Psicanálise de Paris — que estava em vias de ser criado e que seria efetivamente inaugurado no ano seguinte, em 1954. (N. do T.)
[8] Sacha Nacht (1901-1977), nascido na Romênia, emigrou com a família para a França em 1919 — em função do numerus clausus lá impingido aos judeus (um teto numérico para admissão de pessoas em profissões específicas) —, a fim de continuar os estudos em medicina. Adversário da análise leiga, acreditava que apenas médicos devessem poder praticar a psicanálise. Foi o fundador do novo Instituto de Psicanálise de Paris e seu primeiro diretor. (N. do T.)
[9] Serge Lebovici (1915-2000) foi um professor de psiquiatria e psicanalista francês. Membro da SPP, era a favor de uma psicanálise reservada aos médicos e combateu com vigor o partidários da análise leiga. Sucessor de Nacht na direção da Sociedade (1962-1967), Lebovici teve um papel no combate ao lacanismo e a certas figuras importantes da psicanálise com crianças na França (Françoise Dolto, Maud Mannoni, Jenny Aubry). Nesse momento em que é mencionado por Lacan, Lebovici ocupa o cargo de Secretário Científico. Futuramente, em 1975, ele se tornaria o primeiro francês a ocupar a presidência da IPA. (N. do T.)
[10] Maurice Bénassy (1904-1985), assim como Lebovici, era Secretário Científico de Sacha Nacht. (N. do T.)
[11] Henri Sauguet (1913-2009) ocupava, então, o cargo de Secretário Administrativo. Será presidente da SPP em 1965-66. (N. do T.)
[12] André Masson (1896-1987), que era casado com Rose Maklès, irmã de Sylvia (ex-mulher de Bataille e companheira de Lacan desde 1938), foi um importante artista surrealista francês que, durante a Segunda Guerra — em exílio nos Estados Unidos —, esteve na origem do expressionismo abstrato norte-americano. Masson teve seu trabalho reconhecido através de uma retrospectiva em 1950 (juntamente com Giacometti, na Kunsthalle da Basileia). Recebeu em 1954 o Grande Prêmio Nacional, expondo em 1976, a sua maior retrospectiva. (N. do T.)
[13] Trata-se de Le Tholonet, em Aix-en-Provence. (N. do T.)
[14] Nacht — ao propor, em 17 de junho de 1952, que os mandatos tivessem cinco anos de duração — já estava no comando da instituição pelo quarto mandato sucessivo, de um ano cada. (N. do T.)
[15] Daniel Lagache (1903-1972) iniciou seus estudos na Escola Normal Superior em 1924 — contemporaneamente a Paul Nizan, Raymond Aron e Jean-Paul Sartre —, onde cursou filosofia. Seu interesse por psicopatologia o levou a iniciar os estudos em medicina e, na sequência, em psiquiatria. Trabalhou como conferencista na Universidade de Estrasburgo (1937), antes de assumir, na Sorbonne, as cadeiras de psicologia (1947) e psicologia psicopatológica (1955). (N. do T.)
[16] Marie Bonaparte (1882-1962), psicanalista e escritora, era sobrinha-bisneta de Napoleão e princesa da Grécia. Através da indicação de R. Laforgue, iniciou sua análise pessoal com Sigmund Freud, de quem se tornaria próxima — tendo sido, dentre os analistas franceses da primeira geração, a única a ter tido contato pessoal efetivo com ele. Em Marie Bonaparte, la dernière Bonaparte (Paris: Perrin, 1999), Célia Bertin afirma que a princesa era amante de Loewenstein — fato que, ao que tudo indica, Lacan desconhecia. (N. do T.)
[17] Margaret Clark-Williams (1910-1975), psicanalista americana que vivia na França, esteve envolvida num processo judicial devido à denúncia realizada pelo pai de um paciente seu, o qual suspeitava que o filho houvesse piorado a partir do tratamento com ela. A denúncia, inicialmente feita junto ao Conselho de Medicina, acabaria se convertendo em processo por exercício ilegal da profissão — levantando a questão do exercício da psicanálise por não médicos. Ela foi absolvida em 31 de março de 1952, mas condenada no ano seguinte, em 15 de julho. (N. do T.)
[18] O programa proposto por Nacht consistia em três ciclos anuais de “teoria geral da psicanálise”, “leituras clínicas” e “técnicas”. Os cursos deviam ser divididos entre os membros interinos, menos o último — que deveria ser ministrado por ele próprio. Atendimentos clínicos em hospitais psiquiátricos e pediátricos eram considerados atividade complementar. Havia também um seminário atribuído a Lagache sobre vocabulário e bibliografia em psicanálise — precursor do Vocabulário de Laplanche e Pontalis — e uma conferência extraordinária sobre “Psicanálise e Folclore”, que seria da responsabilidade de Lacan, assim como o seminário para os calouros e alguns outros cursos avulsos. (N. do T.)
[19] A presidência da SPP, na qual Lacan ocupava o cargo de Vice-Presidente. (N. do T.)
[20] George Favez (1902-1981) foi um psicanalista francês, casado com Juliette Favez-Boutonier, também membro da SPP. Ele teve sua candidatura como membro titular negada pela instituição — o que lhe permitiria conduzir análises didáticas, em contraposição à mera condição de membro associado. (N. do T.)
[21] Cf. Freud (1917) “Uma dificuldade da psicanálise”. In: Obras completas de Sigmund Freud, vol. 14. Trad. P. C. de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2010; pp. 240-251. (N. do T.)
[22] Associação Psicanalítica Internacional (International Psychoanalytical Association – IPA). (N. do T.)
[23] O grupo dos chamados “liberais” (formado pelos antigos analisantes de Lagache e Laforgue, somados à Princesa e a Bouvet) tentaria destituir a soberania de Nacht na instituição. Em 2 de dezembro de 1952, a votação que havia ocorrido em junho foi contestada por Lagache. Elas foram remarcadas; Nacht destituído, mas recolocado na presidência em caráter temporário. Era preciso, no entanto, votar os estatutos o quanto antes, alegava Nacht; de modo que, em 16 de dezembro, ele e seu grupo propunham que apenas os artigos contestados e importantes fossem postos em votação, o que encontrou reprovação do grupo composto por Berge, Blanche Reverchon-Jouve, Dolto, Daniel Lagache e Juliette Favez-Boutonier — que constituíam maioria, devido aos votos da Princesa, de Cénac, de Bouvet e de Odette Codet. É quando que Lacan assume como diretor provisório. (N. do T.)
[24] Eleito no segundo turno, Lacan recebeu 9 votos contra 8 — e 1 em branco. Ele não levou consigo nenhum Secretário Científico, mas manteve Henri Sauguet como Secretário Administrativo. (N. do T.)
[25] Em 20 de janeiro de 1953 foi feita uma votação cujo objeto eram os estatutos. Marie Bonaparte fez neles algumas emendas e, tendo recebido o título de Presidenta Honorária, passaria a estar estrategicamente próxima do comitê gestor do Instituto — que, em função do resultado das eleições nesse dia, seria chefiado por Nacht. (N. do T.)
[26] Michel Cénac (1891-1965), que fez análise didática com Loewenstein, foi o psiquiatra e psicanalista francês responsável pela escrita, durante a ocupação nazista, pelo único trabalho publicado em revista com o termo psicanálise no título: “Psychiatrie et psychanalyse: l’apport de la psychanalyse à la psychiatre” [Psiquiatria e psicanálise: a contribuição da psicanálise à psiquiatria, 1943]. Era membro da Sociedade desde o ano de 1929. Em 1950, durante a XIII Conferência dos Psicanalistas de Língua Francesa, apresentou com Lacan o trabalho intitulado “Introduction théorique aux fonctions de la psychanalyse en criminologie” [Introdução teórica às funções da psicanálise em criminologia” (Escritos, pp. 127-151)]. (N. do T.)
[27] Marie Bonaparte resolveu apoiar Cénac para a presidência da Sociedade, em detrimento de Lacan. Em todo caso, este seria eleito no terceiro turno, tendo Lagache como Vice, Mâle como Assistente, Pierre Marty como Secretário e Bouvet como Tesoureiro. Cénac seria eleito presidente da SPP posteriormente, em 1955. (N. do T.)
[28] Cf. D. Lagache, “Le memorandum Lagache”, Ornicar ?, n. 7 (Suplemento “La scission de 1953”), 1976; pp. 102-116. (N. do T.)
[29] As taxas que vigoravam eram, então, de 15.000 francos por ciclo; entre 500 e 1.000 por seminário; 1.500 por supervisão coletiva. (N. do T.)
[30] Francis Pasche (1910-1996) foi um psicanalista francês de origem suíça. Cf. uma entrevista com ele, a respeito de sua obra, disponível em: <http://did.asso.fr/les-entretiens/113-francis-pasche-a-propos-de-sa-pensee-et-de-son-oeuvre.html>. (N. do T.)
[31] Odette Codet (1892-1964) havia sido eleita membro associado da Sociedade em 1934, juntamente com Jacques Lacan. Membro titular a partir de 1935, era contrária à medicalização da psicanálise defendida por Nacht, também era avessa à psicanálise laica sustentada por Lacan. Em 2 de junho de 1953, numa reunião administrativa, Michel Cénac repudiara a postura deste último, que, enquanto presidente e didata, supostamente convivia próximo demais dos estudantes. Codet, pegando o embalo — e com o apoio daquela de quem fora analisante, Marie Bonaparte —, propôs a votação de uma moção de censura contra Lacan, a qual seria votada na sessão do dia 16 do mesmo mês. (N. do T.)
[32] Jenny Roudinesco (1903-1987) — nascida Jenny Weiss e assinando, após o divórcio com Alexandre Roudinesco, Jenny Aubry — foi uma pediatra e psicanalista francesa. É a mãe de Élisabeth Roudinesco. Nesse momento, Jenny está em análise didática na instituição; é quando escreve uma carta aberta, endereçada a Nacht e a Lacan, em que denuncia o mal-estar entre os analistas em formação. A carta, no entanto, fez com que fosse acusada pelo grupo Nacht como cúmplice num complô do qual Lacan faria parte. (N. do T.)
[33] Em 27 de novembro de 1952 chegavam ao fim os Processos de Praga, também conhecidos como Processos Slánský — sobrenome do principal acusado, o então Secretário-Geral do Partido Comunista Tchecoslovaco. As audiências, conduzidas em clima de expurgo stalinista ao longo de uma semana, condenaram onze políticos à morte e três à prisão perpétua. Cf. “A confissão”, de Constantin Costa-Gavras (1970), filme baseado no livro A confissão: na engrenagem do processo de Praga, de Artur London. Um dos poucos sobreviventes dos processos, London era Vice-Ministro de Relações Exteriores e contava entre os três que foram condenados à prisão. (N. do T.)
[34] Em setembro do mesmo ano, no decorrer do XVIII Congresso Internacional de Psicanálise. É nesse congresso, aliás, que o Centro de Estudos Psicanalíticos do controverso Werner Kemper — fundado após ele e seus analisantes deixarem o Instituto Brasileiro de Psicanálise em 1951 — é oficialmente reconhecido pela IPA como grupo de estudos. Cf. Hans Füchtner, “O caso Werner Kemper: psicanalista, seguidor do nazismo, nazista, homem da Gestapo, militante marxista?!”, Pulsional Revista de Psicanálise, ano XIII, n. 138, pp. 49-89 [Disponível em: <www.editoraescuta.com.br/pulsional/138_05.pdf>. (N. do T.)
[35] Heinz Hartmann (1894-1970) foi um psiquiatra e psicanalista austríaco, considerado um dos fundadores da Psicologia do Ego. Foi presidente da IPA entre 1953 e 1959. A carta foi enviada a ele por Lacan uma semana depois, em 21 de julho de 1953, dizendo, entre outras coisas: “O senhor sabe, creio eu, que não inaugurei a cisão; que segui aqueles que — testemunhas e atores do que se passa aqui há anos —, compreenderam que ela era necessária e conseguiram, assim, a confiança de 45 candidatos, eles próprios revoltados com a forma com que a equipe do Instituto novamente fundado estava concebendo as relações entre mestre e aluno”; “[…] conto com a sua autoridade para fazer com que se respeite o trabalho autêntico e profundamente cuidadoso de fazer viver o ensino de Freud, que é o nosso”. A carta, em sua íntegra, encontra-se disponível em: <http://www.ecole-lacanienne.net/pictures/mynews/9917835CB831A5EB84B0E347B2992D86/1953-07-21.pdf>. (N. do T.)
COMO CITAR ESTE ARTIGO | LACAN, Jacques (1953) Carta a Rudolph Loewenstein de 14 de julho de 1953 [Trad. P. S. de Souza Jr.]. Lacuna: uma revista de psicanálise, São Paulo, n. -1, p. 13, 2016. Disponível em: <https://revistalacuna.com/2016/05/22/carta-de-jacques-lacan-a-rudolph-loewenstein/>