[ En el horizonte del análisis: el amor, el deseo, el goce ]
por Isidoro Vegh
Tradução | Claudia Berliner
Depois de quase cinquenta anos dedicados à prática da psicanálise, me animo a compartilhar com vocês certas questões, que surgem não da Erlebnis, da vivência, mas da Erfahrung, do que chamaríamos de experiência, entendida como essa reflexão que se agrega em um antes e em um depois à nossa prática. Isso me lembra a frase de Lacan, quando diz: “O analista é pelo menos dois”, aquele que sustenta sua prática e aquele que, dessa prática, estabelece sua reflexão teórica.
Para além do que possa ser uma inquietação particular minha, creio que concerne ao futuro da psicanálise, que embora dependa dos modos como a cultura responde ao seu mal-estar, depende também, e essencialmente, do que nós, psicanalistas, possamos desenvolver para a vigência dessa prática inédita na história da humanidade e que tem apenas um século de existência.
Começo, pois, pelas questões que lhes quero apresentar.
Por que se enfatiza — por momentos parece quase moda — o rechaço ao amor, sublinhado tão só como engano, cilada e fracasso?
Por que são desconhecidas outras fórmulas, propostas no ensino lacaniano, como aquela segundo a qual amar é dar o que não se tem para alguém que não o quer? Por que ela é desconhecida ou fazem dela uma leitura surpreendente, afirmando que é a prova de que o amor implica o intercâmbio irrisório do nada?
Por que se desconhece essa outra fórmula do ensino de Lacan, segundo a qual pelo amor-sublimação o gozo condescende ao desejo?
Por que são igualados os lugares em que Lacan afirma “La femme c’est le symptome” [A mulher é o sintoma] com o lugar em que ele se esmerou em esclarecer que sua ortografia é outra e, portanto, seu sentido também, quando diz “La femme c’est le Sinthome” [A mulher é o Sinthoma]?
Por que se ignora todo o capítulo, a aula do seminário “Le Sinthome”, em que Lacan fala da relação entre o homem e a mulher?
Por que se desconhece, consequentemente, que nessa aula ele nos diz que quando o Sinthome corrige o nó no lugar da falha, “há relação sexual”?
Por que se enfatiza, a respeito do gozo fálico, que o desejo no qual se sustenta deixa o sujeito numa insatisfação tal que implicaria uma eternização do anseio que, enquanto insatisfeito, seria uma desgraça, idêntica à que significaria não atingir um gozo absoluto?
E poderia acrescentar outras questões. Por exemplo, sublinha-se o sem-sentido do Real, o fracasso da análise centrada no sentido e se desconhece — não a citam — a frase do seminário “Le Sinthome” segundo a qual nossa tarefa como analistas é devolver ao analisante o sentido.
A todas essas questões se responde desprezando o valor da palavra, reduzindo-a ao lugar do engano. Oferece-se, então, uma única alternativa possível: o encontro com o Real e seu sem-sentido.
Para sustentar essas teses, também excluem uma citação expressa, quase no final de seu ensino, de seu seminário intitulado “L’insu que sait de l’une-bévue s’aile à mourre”, na qual Lacan, ó surpresa!, fala da interpretação, de seu valor de verdade, da conjunção poética de som e sentido.
Que sustentação tem a univocidade dessas acentuações, dessas omissões, dessas tristes conclusões?
O Inconsciente é radicalmente Inconsciente, e seu destino é duplo: retorna e volta a ser recalcado.
A história da psicanálise o demonstra: não foi esta, por acaso, a razão do “Retorno a Freud” a que Lacan nos convidou ante os avanços adaptacionistas da Ego Psychology?
Que o desejo persista por uma insatisfação incompleta do gozo a que aponta é razão aceitável para que algum filósofo o questione. É conhecida a posição de Foucault, que desconfiava da falta na origem do desejo e rechaçava seu conceito ao mesmo tempo em que reivindicava, num neovitalismo, a busca de mais prazer. Seu amigo, Gilles Deleuze, o acalmava, dizendo-lhe que não se devia rechaçar o desejo, mas que ele tampouco aceitava sua causa na falta, e sim na força positiva da vida. Que nos diz a posição desses dois grandes pensadores que admiramos por seus textos valiosos? Que o saber não resguarda do rechaço à falta, do rechaço à castração. Não resguarda os filósofos e, digo, tampouco os analistas.
Que o amor não seja o paraíso, não o torna desprezível.
Que possa ser o engano do “de dois façamos um”, não o iguala à sua banalidade em versão cor-de-rosa.
Que a interpretação não seja suficiente não a torna desnecessária.
E, assim por diante, em inúmeros capítulos em que se exerce o recalque que marca o vivente humano em sua incompletude, aquela que o incita a vir a ser caso supere seu horror. Horror a quê? Horror à castração.
No entanto, encontro em cada um desses autores, mesmo nos filósofos, em suas afirmações, razões que merecem ser desenvolvidas e estendidas.
Pois é verdade que o amor pode ser uma falácia, que a palavra pode ser uma tapeação, que a interpretação do sentido é um fracasso, que o desejo pode se tornar sintoma, que o analista não pode reduzir seu ato à interpretação, que o encontro-desencontro com o real é tarefa da análise e razão do tratamento.
Então?
Um desenvolvimento e extensão da estrutura, apoiado na experiência e no ensino de nossos mestres, Freud, Lacan, pode orientar uma resposta sustentável, que lhes proponho e desejo compartilhar com vocês abrindo várias questões.
Que o Isso não é o Inconsciente, afirmação generosamente desenvolvida por Lacan no seminário “A lógica do fantasma”, vem acompanhada de outra oposição contundente sustentada por Freud: o Trieb, a pulsão, não é o Instinkt, o instinto.
A demanda pulsional inconsciente que chega do Outro é a imixão da linguagem no vivente, desarranja seu corpo, arruína sua relação com o instinto e o torna contranatural.
Exposto à demanda do Outro, uma pergunta se perfila: “me pergunto: que queres?”, à qual seguirá “te pergunto: que quero?”. Instituintes do fantasma, permitem (como mostrou Winnicott com seu objeto e fenômeno transicionais) uma subtração de gozo do campo do Outro e a constituição do fantasma em que se articulará o desejo. De ser objeto do Outro, o sujeito passará a constituir seu objeto de desejo e de gozo. Como objeto de desejo, a falta que o instaura subverte a estrutura.
Subversão do sujeito, o Outro revela sua incompletude e sua demanda encontra um limite. Não será esta a razão pela qual aqueles que têm pretensões a líder, dirigente, Führer rechaçam o desejo e falam de sua desvalorização? O desejo é Odd, singular como Edgar Alan Poe o escreveu em “A carta roubada”. Não faz massa.
Lacan também distinguiu dois termos que nos textos de Freud às vezes estavam indistintos: Supereu e Ideal do Eu.
Enquanto o Supereu se identifica com o matema do Outro sem barra e se expressa em um mandato de gozo, “goza, goza”, o Ideal do Eu aparece, no modelo ótico, como o que distancia o Eu de seu ideal, propiciando uma diferença que relança o desejo.
Ideal do Eu, propiciatório, equivale ao resultado da freudiana resolução edípica, mas que Freud chamava de Supereu. Resgatamos igualmente o valor das teses de Melanie Klein, que falava de um Supereu cruel e sádico que acossava o infans desde seu início.
Isso e Supereu, tentações e mandatos, podem, portanto, passar, ou não, pelo processador lógico que chamamos de Inconsciente. Recordo a frase de Lacan: o Inconsciente não é da ordem do ser nem do não ser, é da ordem do não realizado.
Se tentações e mandatos passam pelo Inconsciente como lógica de incompletude, sofrerão a perda de gozo que habilitará a construção do fantasma como sustentação do desejo e do Ideal do Eu como orientação do ato.
Mas haverá, em todo parlêtre, tentações e mandatos que jamais passarão pelo processador Inconsciente. E também regressões que farão signo do significante do fantasma ou conjunções do Ideal com o sintagma inamovível do Supereu.
Nesses casos, é verdade, a interpretação metafórica é inoperante. Exige outras intervenções, no Real, no Imaginário, no real da língua que revela a homofonia, para desfazer sua fixão, sua fixação a um gozo encoberto e vigente.
E o amor, então? Que o amor não se reduz às palavras, mas precisa de palavras, a palavra de amor. “O amor não se faz, o amor nos faz”, como diria Julio Cortázar.
Que oferece na presença um semblante, mas que não se reduz a seu encobrimento.
Que extrema no real uma resposta ao ser, mas que é do ser, tanto quanto do não ser.
To be or not to be. Erro de Hamlet, ou nosso, se o lemos em uma disjunção exclusiva: nosso ser vive em paradoxo, pois se realiza por sua quota de não ser.
Paul Valéry (aludido por Lacan) ressaltava a impureza do ser na pureza do não-ser. Para nós, não se trata de uma opção, mas de uma conjunção, que o desejo e o gozo alternam em seus tempos. ♦
* Isidoro Vegh é psicanalista. Fundador da Escola Freudiana de Buenos aires e diretor, em diversas oportunidades, dos “Cuadernos Sigmund Freud”. Dá seminários na Escola Freudiana de Buenos Aires desde sua fundação, em 1974. Deu cursos, seminários e conferências em cidades argentinas e do exterior, e é autor de diversos livros, entre eles “Las intervenciones del analista”, “Estructura y transferencia en la serie de las neurosis”, “El abanico de los goces”, “Yo, Ego, Sí-mismo”, “El prójimo. Enlaces y desenlaces del goce”, “Senderos del análisis. Progresiones y regresiones”, “Paso a pase con Lacan” y “Retorno a Lacan –Una clínica del sujeto-”.
** Claudia Berliner é psicanalista e tradutora.
COMO CITAR ESTE ARTIGO | VEGH, Isidoro (2017) No horizonte da análise: o amor, o desejo, o gozo [Trad. C. Berliner]. Lacuna: uma revista de psicanálise, São Paulo, n. -4, p. 5, 2017. Disponível em: <https://revistalacuna.com/2017/11/20/n4-05/>.