INTRODUÇÃO
Em 1905, Freud publicava um de seus casos clínicos mais famosos – Fragmentos da análise de um caso de histeria, comumente referido como “o caso Dora” –, no qual afirmava que nunca havia passado “por uma só psicanálise de um homem e de uma mulher sem ter que levar em conta uma corrente homossexual bastante significativa.”[1]. Se a libido homossexual é uma constante na clínica psicanalítica, conforme revela seu fundador, parece plausível indagar-se a respeito do destino dado a ela no curso do tratamento psicanalítico. Interrogar o saber e a prática psicanalíticos torna possível a compreensão dos possíveis efeitos induzidos na estrutura do desejo de pacientes cuja libido homossexual se manifesta durante a intervenção analítica.
A análise não está interessada em descrever a cartografia que a psicanálise elabora sobre a homossexualidade; tampouco, as várias controvérsias a respeito do estatuto da homossexualidade na obra freudiana. O objetivo é acompanhar o destino dado à libido homossexual a partir da análise de um caso clínico descrito por Freud em 1909, qual seja, Análise de uma fobia em um menino de cinco anos, contribuindo para a compreensão de quais formas de subjetivação a cena psicanalítica enseja. A hipótese a orientar o presente texto é de que as forças ali observadas dramatizam as antinomias e ambivalências do pensamento freudiano, mas também da chamada modernidade ocidental do qual sua obra é, em parte, herdeira.
A HISTÓRIA CLÍNICA DO JOVEM HANS
Originalmente publicado em 1909, Análise de uma fobia em um menino de cinco anos relata o tratamento do pequeno Hans, “um rapazinho alegre, amável e de mente ativa.”[2]. O jovem paciente sofria de fobia de cavalos, o que lhe causava muitos inconvenientes, tendo em vista que os equinos eram um dos principais meios de transporte de Viena naquela época. O tratamento fora conduzido pelo próprio pai do menino sob supervisão de Freud, para quem o caso não lhe havia ensinado nada que “já não tivesse sido capaz de descobrir (…) em outros pacientes.”[3]. A despeito da incredulidade freudiana com relação ao tratamento, o caso parece ter tipo um papel decisivo para a elaboração do conceito de complexo de castração, pedra angular para o pensamento analítico dos anos vindouros e, no ensaio em questão, se situaria como a referência para os limites e alcances da subjetividade desejante do pequeno Hans.
Antes da fobia de cavalos sucedeu-se uma série de eventos, os quais convêm destacar. Conforme disse, o caso foi conduzido pelo pai de Hans sob a supervisão de Freud, que provavelmente só encontrou pessoalmente o garoto uma ou duas vezes. Baseado nas informações enviadas por correspondência mantida com o pai do menino, Freud dava as direções que o tratamento deveria seguir. Embora a troca de correspondência tenha se iniciado quando Hans estava prestes a completar cinco anos de idade, as informações sobre ele remontam aos três anos, época na qual apresentava interesse ativo não apenas pelo seu próprio órgão genital, mas também pela genitália de outras pessoas.
O interesse de Hans pelo seu pênis ou, no seu dizer, pelo seu pipi, era tanto que, conforme relata seu pai a Freud, o pequeno havia aprendido a distinguir os seres animados dos inanimados com base na presença/ausência do pipi. Esse interesse o levou, certa vez, a perguntar à sua mãe: “Mamãe, você tem um pipi também?” Sua mãe, preocupada com o interesse excessivo do jovem por seu órgão genital, o advertiu que, se continuasse a tocar o pênis, chamaria o médico para que o cortasse. Qualquer leitor minimamente familiarizado com a teoria psicanalítica, certamente concluirá que a situação foi a desencadeadora da angústia de castração do jovem Hans, de seu medo por ter seu órgão genital castrado; e, obviamente, a interpretação freudiana não foi diferente.
Somente quando Hans estava prestes a completar cinco anos de idade seu pai escreve a Freud, narrando as circunstâncias do surgimento da fobia de cavalos e detalhando a sequência de eventos que acabei de apresentar:
Meu caro professor: estou-lhe enviando mais alguma notícia a respeito de Hans, só que desta vez, lamento dizê-lo, se trata de material para um caso clínico. Como o senhor verá, nesses últimos dias ele vem apresentando um distúrbio nervoso que nos tem preocupado muito, a mim e a minha esposa, pois não temos sido capazes de encontrar meio algum de corrigi-lo (…) Ele [Hans] receia que um cavalo vá mordê-lo na rua, e esse medo parece estar de alguma forma relacionado com o fato de ele vir-se assustando com um grande pênis.[4].
Para Freud, Hans não passava de um pequeno Édipo, cujo desejo era “ter seu pai ‘fora do caminho’, (…) para que pudesse ficar sozinho com sua linda mãe e dormir com ela.”[5]. E, exatamente, disso provinha sua fobia por cavalos, a fobia havia se originado dos “complexos que contribuiriam para a repressão e mantinham sob repressão os sentimentos libidinais de Hans para com sua mãe.”[6]. A esse respeito, Freud oferece várias evidências, uma das quais presumia que Hans teria ficado num estado de excitação sexual intensificada ao dormir ao lado de sua mãe na cama dela. O cenário do drama sofocliano clássico estava montado. Hans encenava o papel do jovem Édipo cujo desejo era deitar com a mãe e assassinar o pai. Entretanto, mãe e pai, nos papéis de Jocasta e Laio, dariam um desfecho diferente daquele amplamente conhecido na tragédia grega. Freud entrara, a pedido do pai de Hans, como um quarto personagem, mudando, significativamente, a dinâmica do drama. O quarto personagem não teria um papel secundário, mas, em certo sentido, seria o protagonista da história do jovem Hans.
Certa vez, enquanto sua mãe colocava talco nas partes genitais dele, Hans lhe perguntou com tom de sedução: “Por que é que você não põe seu dedo aí?”[7]. Sua mãe respondeu a ele que seria impróprio. Disso eclodiu sua ansiedade, para a qual encontrou canal de descarga acidental, masturbando-se toda a noite e, dessa forma, obtendo gratificação libidinal. A súbita transformação de sua excitação sexual reprimida em ansiedade, diz-nos Freud, teve lugar espontaneamente, resultado da rejeição de sua mãe aos avanços sexuais dele com relação a ela[8]. A masturbação representava o deslocamento da gratificação dos desejos incestuosos por sua mãe para a satisfação autoerótica. Diante disso, Freud sugeriu que seu pai “começasse a dar a Hans alguns esclarecimentos dentro do tema do conhecimento sexual”[9], de modo a fazer o jovem rapaz perceber que sua ansiedade era resultado de sua masturbação e que, portanto, devia afastar-se da prática.
O tratamento do pequeno Hans se filiava à necessidade de deslocar o interesse excessivo por seu pipi, em encontrar um objeto mais adequado de satisfação erótica. A terapêutica conduzida por Freud tinha como objetivo deslocar o desejo do pequeno Hans, inicialmente dirigido a sua mãe e em um segundo momento dirigido ao seu pipi, por meio da masturbação. Em relação ao interesse excessivo por seu pipi demonstrado na prática masturbatória, era preciso deslocá-lo, tendo em vista que a prática daria a Hans a oportunidade de fixação de inclinações homossexuais. Isso porque, ao discutir a etiologia da homossexualidade, Freud afirma:
Naqueles que mais tarde se tornaram homossexuais encontramos a mesma predominância na influência da zona genital (e especialmente o pênis) que nas pessoas normais. Na realidade é a sua alta estima sentida pelo homossexual pelo órgão masculino que decide seu destino (…) Os homossexuais, então, são pessoas que, devido à importância erógena dos seus próprios genitais, não podem passar em uma forma semelhante no seu objeto sexual.[10].
Para colocar em termos sumários: se continuasse a desejar sua mãe, incorreria em incesto; se o interesse excessivo por seu pipi permanecesse, seu destino seria tornar-se homossexual. Nenhum desses destinos parecia apropriado aos olhos de Freud. Ou, para ser mais específico, temos duas situações a serem modificadas pela intervenção psicanalítica: na primeira, era preciso negar o objeto de desejo (a mãe), mas sem modificar o objetivo (heterossexual); na segunda situação, era preciso que Hans renunciasse ao objeto de desejo (pipi) e ao objetivo (homossexual). Em termos mais amplos, tratava-se de reorientar a conduta de Hans, de maneira a modificar a própria estrutura do seu desejo que ainda não estava totalmente moldada; era preciso dar um destino adequado às suas pulsões sexuais por meio da identificação com seu pai, e não com outros objetos. A análise deveria substituir “a repressão pela condensação.”[11].
Interrogado por seus pais, o jovem paciente devia confessar os prazeres da carne, contar a verdade de seus desejos, colocar seu sexo em discurso e observar a si mesmo, vendo em seus desejos, fantasias e comportamentos o âmago do seu ser, e não resultado da inculcação de normas e valores de seus genitores como fiadores ou representantes da ordem simbólica heterossexual moderna. Vejamos um desses momentos:
Pai: Você sabe que, se não puser mais a mão no seu pipi, você logo vai ficar bom dessa bobagem [ansiedade].
Hans: Mas eu não ponho mais a mão no meu pipi.
Pai: Mas você ainda quer pôr.
Hans: Quero sim. Mas querer não é fazer, e fazer não é querer.
Pai: Está bem, mas para não deixar você querer, nesta noite você vai dormir num saco de dormir.[12]
O trecho acima expressa uma constelação de valores que atravessavam o imaginário da época e de fundamental importância para o tipo de leitura que se está forjando aqui. A preocupação do pai com a prática masturbatória de Hans é prova do encadeamento do poder familiar ao poder médico-psicanalítico, típico dos séculos XIX e XX. O saber médico e a sexualidade são postas em contato por meio da família, de modo que a família se torna agente de medicalização da sexualidade[13]. Freud parecia bastante consciente disso, já que, a certa altura, revela que o sucesso na cura de Hans se deu pelo fato de que a análise foi conduzida pelo pai do próprio rapaz. O conhecimento psicanalítico se encarregará de se tornar a instância a suprimir o hiato entre a soberania familiar e os dispositivos disciplinares[14].
Voltando à história do jovem rapaz, cabe destacar, apesar de uma leve melhora após os primeiros esclarecimentos, a situação de Hans continuava inalterada. Segundo Freud, o desenvolvimento de sua fobia se deu como defesa contra os desejos incestuosos que o pequeno alimentava em relação à sua mãe e à hostilidade em relação ao seu pai. Para ser mais específico, a fobia resultou de uma histeria de angústia. Diferentemente da histeria de conversão em que o conflito psíquico é simbolizado nos sintomas corporais, a histeria de angústia é simbolizada em um evento externo; no caso Hans, no cavalo. Assim, Hans conseguiria a realização inconsciente de seus desejos, a saber: a) conseguiria ficar mais próximo de sua mãe visto que não podia sair de casa em decorrência da quantidade de cavalos na rua, b) deslocava o desejo de morte de seu pai para o cavalo, já que, na interpretação freudiana, o quadrúpede representava o pai. Tendo o tratamento sido bem sucedido, isto é, tendo removida a fobia de cavalos, Freud conclui que
Até agora a educação só estabeleceu para si a tarefa de controlar, ou, seria muitas vezes mais próprio dizer-se, de suprimir, os instintos. Os resultados não têm sido, de modo algum, gratificantes, e onde o processo foi bem sucedido foi somente para o benefício de um pequeno número de indivíduos favorecidos, a quem não se exigiu que suprimissem os instintos.[15]
HANS OU SOBRE OS MECANISMOS DE SEXUAÇÃO DA MODERNIDADE: CORPO, DESEJO E DISCURSO
Ao enfatizar certos aspectos da análise do jovem Hans, espero haver indicado, ainda que de modo pouco explícito, duas questões relevantes à compreensão do objetivo que anima o presente texto, quais sejam, o desejo incestuoso de Hans por sua mãe e a fixação do jovem rapaz à prática masturbatória. O modo como essas duas questões foram abordadas por Freud é bastante revelador da maneira como a psicanálise – ao menos, nesse caso específico – põe em cena formas de subjetivação, nas quais se entrevêem forças cujo sentido visa a conformar os sujeitos às normas hegemônicas de gênero, ao padrão heterossexual. A teoria psicanalítica do incesto e o sentido atribuído por Freud à masturbação são elementos importantes à compreensão dos mecanismos com os quais a psicanálise codifica as enunciações de Hans, impelindo-o a assumir certa posição sexuada nos termos definidos pelo simbólico. Aqui é preciso reconhecer o caráter produtivo e performativo da linguagem[16] ou, mais precisamente, das enunciações freudianas, e as consequências reais operadas por tais enunciações sobre o corpo e a constituição da subjetividade[17].
O professor Freud incitava o pequeno Hans a colocar seu sexo em discurso, com o intuito de realizar deslocamentos e modificações na estrutura do desejo do jovem rapaz. A cura consistia em “capacitar o paciente a obter a compreensão consciente de seus desejos inconscientes”[18]. Era preciso convencer o pequeno Hans de que sua condição ansiogênica só seria superada quando o pênis fosse abandonado como objeto de gratificação autoerótica. A cura psicanalítica incidia sobre a idéia de que certos aspectos do corpo de Hans – nesse caso, seu pipi – deveria se converter em definidor de seu gênero e índice do exercício de certa sexualidade. O “uso dos prazeres” deveria servir a determinados fins. A atitude freudiana diante do jovem rapaz parece estar, intimamente, ligada ao fato de que o sexo conquista sua materialidade em virtude da reiteração forçada das normas[19]. Daí a necessidade da compreensão consciente de seus desejos inconscientes.
A materialidade do sexo cujos limites nunca são plenamente definidos está, para a teoria da performatividade, vinculada à iterabilidade de práticas discursivas com que se produzem efeitos de fronteira e de superfície, definindo os usos legítimos do corpo ou de suas partes bem como o uso dos prazeres. Isso porque existem vínculos bastante importantes entre corpo e discurso. A autoridade de determinado ato de fala resulta da citação de normas, da ritualização forçadas de determinados sentidos produzidos por usa repetição. O sentido só se atualiza e materializa se houver a possibilidade de ser repetido na ausência de seu referente[20]. A análise era instrumento do qual o pai, em um esforço contínuo de seguir as recomendações freudianas, se utilizava para fazer o desejo entrar na estrutura da heterossexualidade compulsória, já que era preciso dar um destino adequado às suas pulsões sexuais por meio da identificação com o pai, instituindo uma identidade entre corpo do jovem Hans e discurso paterno.
A necessidade de identificação com o pai é um dos mecanismos pelos quais a qual a psicanálise impele o jovem Hans a assumir posição sexuada definida pelo simbólico, pela norma heterossexual. No entanto, para uma correta apreciação desse aspecto, é preciso revisitar o conceito de identificação que, desde a teoria psicanalítica clássica,[21] tem sido tratado como uma mera imitação, cópia, mimesis de uma realidade unívoca e dada a priori. Dessa perspectiva, identificar-se designa tão-somente o processo pelo qual uma imagem é representada dentro da configuração do espaço psíquico interior. É preciso considerar a identificação como produções disciplinares, cujo objetivo é construir corpos gendrados através de uma série de exclusões e negações, ausências significantes[22].
Seguindo as reflexões de Judith Butler[23], em cada caso de identificação, há uma interpretação em ação, um desejo e/ou um medo, o efeito de uma proibição, e uma estratégia de resolução, o que torna as identificações múltiplas, desafiantes e singulares. As identificações são, nesse sentido, estratégias que visam a recuperar um objeto primário de amor perdido – e produzido – através da proibição. As identificações operam no sentido de nos proteger contra certos desejos e de facilitar outros; sendo, assim, o lugar no qual ocorrem, de modo ambivalente, a proibição e a produção do desejo[24]. Se assumir um sexo é, em certo sentido, uma identificação; logo, a identificação é, segundo Butler, um local onde se negociam a proibição e o desvio.
O processo de identificação está, intimamente, ligado à resolução temporária do desejo; trata-se de uma tentativa de dar estabilidade ao desejo que, como é sabido, está, desde sempre, em um incessante deslocamento metonímico, em um constante jogo de substituições[25]. E, por essa razão, e tão-somente por ela, quer dizer, por estar vinculadas ao desejo, que as identificações nunca se concretizam plena e finalmente, estando necessariamente sob a lógica de citacionalidade cujo objetivo é estabelecer padrões identitários estáveis para o sujeito no âmbito de uma estrutura heterossexual compulsória[26].
Édipo deve ser lido como uma força cujo fim é estabelecer as linhas “apropriadas” de parentesco e de filiação e a matriz de identificação do sujeito, instituindo o bom uso dos prazeres e do corpo. A chamada lei-do-pai se confunde com o regime da heterossexualidade compulsória, com a grade de inteligibilidade cultural por meio do qual certas experiências corporais, de gênero e do desejo são reificados[27], tentativa de materializar certas formas de sexuação e de existência corpórea, de impor identidade de gênero, de substancializar o sujeito, no âmbito de uma estrutura heterossexual compulsória.
Segundo Derrida[28], a autoridade é sempre uma “força ‘performativa’, força ilocucionária ou perlocucionária”: a autoridade da lei reside no seu processo de enunciação, em sua retórica. Só conhecemos as citações da lei-do-pai, e que elas nunca são eternas repetições, mas são marcadas por transformações no tempo e por variações no espaço, em virtude das múltiplas práticas sociais, em muitos aspectos, conflitantes. Sendo assim, ao se apoiar na iterabilidade como modo de estabelecer sua autoridade, a lei-do-Pai traz em si as possibilidades de sua própria desconstrução, abrindo-se a “falhas” que poderiam indicar linhas de fuga pelas quais outros modos de subjetivação se constituem.
A metáfora paterna é, segundo esse ponto de vista, tentativa permanente de impor, a partir da iterabilidade, uma integridade simbólica e material ou, para colocar em termos derridianos, o “ser como presença”, a algo que está sob o jogo constante da repetição diferencial. A lei-do-pai é tão-somente um rastro, resultado do jogo da différance que supõe sínteses, remessas que impedem que seu significado esteja presente em si mesmo ou remeta apenas a si mesmo[29]. Sua significação é sempre ambígua, múltipla e disseminada. Quer dizer, no momento mesmo em que a cena se pretende repetida metaforizada pelo pai, se acrescenta algo de diferente, movimento que pode ensejar a constituição de outras cartografias corporais e de gênero.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A psicanálise, desde sua invenção, tem se prestado a diferentes e múltiplas interpretações. A presente análise não pretendeu, obviamente, esgotar as possibilidades interpretativas do texto freudiano. Quis tão-somente levar alguns questionamentos sobre os possíveis destinos dados a libido homossexual no curso do tratamento psicanalítico a partir da análise de um caso concreto elaborado pelo seu pai-fundador, abrindo seu texto às antinomias e ambivalências dos mecanismos de sexuação e de produção da experiência corporal na modernidade dita ocidental. A despeito da psicanálise considerar a sexualidade da ordem da pulsão, superando o discurso biologizante até então hegemônico à época de sua criação, seu arcabouço teórico parece insuficiente no sentido de alçar tais ambivalências a estatuto teórico questionador das normas sexuais hegemônicas, sobretudo, no que diz respeito aos lugares socialmente definidos para homens e mulheres.
Se a sexualidade é, efetivamente, da ordem da pulsão, e não da ordem da pura biologia, sua produção, ou melhor, sua materialidade, se dá, ainda que parcialmente, no plano da reiteração de certas normas e valores cuja realização as abre para as tensões das grades de inteligibilidade na qual a experiência está sendo emoldurada; no caso, do presente ensaio, da experiência corporal moderna. A escuta psicanalítica teria muito a contribuir se se encaminhasse no sentido de tornar produtivas as cartografias corporais nas quais se entrevem ambivalências em relação às normas de sexuação hegemônicas, já que ouvir implica sempre uma abertura ao jogo de variações do som cuja ressonância se dá pela vibração de diferenças na materialidade da carne/ouvido. ♦
REFERÊNCIAS
AUSTIN, John (1976) How to do things with words. Oxford: Oxford University Press.
BUTLER, Judith (1992) “Gender trouble, feminist theory, and psychoanalytic discourse”. In: BUTLER, Judith; SCOTT, Joan (orgs.). Feminists theorize the political. London: Routledge.
_______ (2002) Cuerpos que importan: sobre los límites materiales y discursivos del ‘sexo’. Buenos Aires: Paidós.
_______ (2003) Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.
DERRIDA, Jacques (1990) Limited Inc. São Paulo: Papirus.
_______ (2001) Posições. Belo Horizonte: Autêntica.
FREUD, Sigmund (1976) “Análise de uma fobia em uma criança de cinco anos”. In: Edição Standard brasileira das obras psicológicas de Sigmund Freud, vol. VII. Rio de Janeiro: Imago.
_______ (2006) “Fragmento da análise de um caso de histeria”. In: Edição Standard brasileira das obras psicológicas de Sigmund Freud, vol. VII. Rio de Janeiro: Imago.
FOUCAULT, Michel (2006) O poder psiquiátrico. São Paulo: Martins Fontes.
_______ (2010) Os anormais: curso do Collège de France (1974-1975). São Paulo: Martins Fontes.
LACAN, Jacques (1990) Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
* Marcos de Jesus Oliveira é professor da Universidade Federal da Integração Latino-Americana. Doutor em Sociologia. E-mail: marcos.jesus@unila.edu.br.
[1] FREUD, Sigmund (2006). “Fragmento da análise de um caso de histeria”. In: Edição Standard brasileira das obras psicológicas de Sigmund Freud, vol. VII. Rio de Janeiro: Imago, p. 64.
[2] FREUD, Sigmund (1976) “Análise de uma fobia em uma criança de cinco anos”. In: Edição Standard brasileira das obras psicológicas de Sigmund Freud, vol. VII. Rio de Janeiro: Imago, p. 126.
[3] FREUD, Sigmund (1976) “Análise de uma fobia em uma criança de cinco anos”. In: Edição Standard brasileira das obras psicológicas de Sigmund Freud, vol. VII. Rio de Janeiro: Imago, p. 131)
[4] FREUD, Sigmund (1976) “Análise de uma fobia em uma criança de cinco anos”. In: Edição Standard brasileira das obras psicológicas de Sigmund Freud, vol. VII. Rio de Janeiro: Imago, p. 29.
[5] FREUD, Sigmund (1976) “Análise de uma fobia em uma criança de cinco anos”. In: Edição Standard brasileira das obras psicológicas de Sigmund Freud, vol. VII. Rio de Janeiro: Imago, p. 103)
[6] FREUD, Sigmund (1976) “Análise de uma fobia em uma criança de cinco anos”. In: Edição Standard brasileira das obras psicológicas de Sigmund Freud, vol. VII. Rio de Janeiro: Imago, p. 32.
[7] FREUD, Sigmund (1976) “Análise de uma fobia em uma criança de cinco anos”. In: Edição Standard brasileira das obras psicológicas de Sigmund Freud, vol. VII. Rio de Janeiro: Imago, p. 28.
[8] FREUD, Sigmund (1976) “Análise de uma fobia em uma criança de cinco anos”. In: Edição Standard brasileira das obras psicológicas de Sigmund Freud, vol. VII. Rio de Janeiro: Imago, p. 109.
[9] FREUD, Sigmund (1976) “Análise de uma fobia em uma criança de cinco anos”. In: Edição Standard brasileira das obras psicológicas de Sigmund Freud, vol. VII. Rio de Janeiro: Imago, p. 34.
[10] FREUD, Sigmund (1976) “Análise de uma fobia em uma criança de cinco anos”. In: Edição Standard brasileira das obras psicológicas de Sigmund Freud, vol. VII. Rio de Janeiro: Imago, p. 126.
[11] FREUD, Sigmund (1976) “Análise de uma fobia em uma criança de cinco anos”. In: Edição Standard brasileira das obras psicológicas de Sigmund Freud, vol. VII. Rio de Janeiro: Imago, p. 129.
[12] FREUD, Sigmund (1976) “Análise de uma fobia em uma criança de cinco anos”. In: Edição Standard brasileira das obras psicológicas de Sigmund Freud, vol. VII. Rio de Janeiro: Imago, p. 36.
[13] FOUCAULT, Michel (2010) Os anormais: curso do Collège de France (1974-1975). São Paulo: Martins Fontes.
[14] FOUCAULT, Michel (2006) O poder psiquiátrico. São Paulo: Martins Fontes.
[15] FREUD, Sigmund (1976) “Análise de uma fobia em uma criança de cinco anos”. In: Edição Standard brasileira das obras psicológicas de Sigmund Freud, vol. VII. Rio de Janeiro: Imago, p. 130.
[16] AUSTIN, John (1976) How to do things with words. Oxford: Oxford University Press.
[17] BUTLER, Judith (2002) Cuerpos que importan: sobre los límites materiales y discursivos del ‘sexo’. Buenos Aires: Paidós.
[18] FREUD, Sigmund (1976) “Análise de uma fobia em uma criança de cinco anos”. In: Edição Standard brasileira das obras psicológicas de Sigmund Freud, vol. VII. Rio de Janeiro: Imago, p. 110.
[19] BUTLER, Judith (2002) Cuerpos que importan: sobre los límites materiales y discursivos del ‘sexo’. Buenos Aires: Paidós.
[20] DERRIDA, Jacques (1990) Limited Inc. São Paulo: Papirus.
[21] Para Freud, a identificação “comporta-se como um derivado da primeira fase da organização da libido, da fase oral, em que o objeto que prezamos e pelo qual ansiamos é assimilado pela ingestão, sendo dessa maneira aniquilado como tal” (FREUD, Sigmund (1976) “Análise de uma fobia em uma criança de cinco anos”. In: Edição Standard brasileira das obras psicológicas de Sigmund Freud, vol. VII. Rio de Janeiro: Imago, pp. 55-56) e acrescenta que “o ego copia às vezes copia a pessoa que não é amada e, outras, a que é” (FREUD, Sigmund (1976) “Análise de uma fobia em uma criança de cinco anos”. In: Edição Standard brasileira das obras psicológicas de Sigmund Freud, vol. VII. Rio de Janeiro: Imago, p. 57). Lacan, de modo semelhante, a define como a “transformação produzida em um sujeito, quando ele assume uma imagem” (LACAN, Jacques (1990) Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, p. 94.)
[22] BUTLER, Judith (1992) “Gender trouble, feminist theory, and psychoanalytic discourse”. In: BUTLER, Judith; SCOTT, Joan (orgs.). Feminists theorize the political. London: Routledge.
[23] BUTLER, Judith (1992) “Gender trouble, feminist theory, and psychoanalytic discourse”. In: BUTLER, Judith; SCOTT, Joan (orgs.). Feminists theorize the political. London: Routledge.
[24] BUTLER, Judith (1992) “Gender trouble, feminist theory, and psychoanalytic discourse”. In: BUTLER, Judith; SCOTT, Joan (orgs.). Feminists theorize the political. London: Routledge.
[25] BUTLER, Judith (1992) “Gender trouble, feminist theory, and psychoanalytic discourse”. In: BUTLER, Judith; SCOTT, Joan (orgs.). Feminists theorize the political. London: Routledge.
[26] BUTLER, Judith (1992) “Gender trouble, feminist theory, and psychoanalytic discourse”. In: BUTLER, Judith; SCOTT, Joan (orgs.). Feminists theorize the political. London: Routledge.
[27] BUTLER, Judith (2003) Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.
[28] DERRIDA, Jacques (1990) Limited Inc. São Paulo: Papirus.
[29] DERRIDA, Jacques (2001) Posições. Belo Horizonte: Autêntica.
COMO CITAR ESTE ARTIGO | OLIVEIRA, Marcos de Jesus (2017) O “pequeno Hans” revisitado: antinomias e ambivalências da ordem simbólica moderna. Lacuna: uma revista de psicanálise, São Paulo, n. -4, p. 7, 2017. Disponível em: <https://revistalacuna.com/2017/11/20/n4-07/>.