por Adriana Simões Marino, Augusto Ribeiro Coaracy & Thiago Oliveira
NOSSOS ANTECEDENTES
Este trabalho[1] tem como objetivo uma transmissão sobre uma experiência de Clínica Aberta de Psicanálise, das questões que emergem dessa prática e nos convocam à elaboração sobre seus eixos de sustentação. Trata-se do empuxo à formalização contínua de uma práxis acerca de um dispositivo analítico inventivo. Neste exercício de transmissão, é preciso ressaltar que, ao nosso ver, apesar de se tratar de uma iniciativa, não constitui algo novo nem institui propriamente uma novidade. Para logo dissipar efeitos imaginários e perniciosamente narcísicos, é prudente lembrarmos que a ideia de uma psicanálise aberta ao público, especialmente àqueles que não têm condições de pagar por um tratamento, teve como expoente o próprio Freud:
Se a psicanálise, ao lado de sua significação científica, tem valor como procedimento terapêutico, se é capaz de fornecer ajuda àqueles que sofrem em sua luta para atender às exigências da civilização, esse auxílio deveria ser acessível também à grande multidão, demasiado pobre para reembolsar um analista por seu laborioso trabalho.[2]
Encontramos os antecedentes dessa experiência em setembro de 1918, por ocasião do V Congresso Internacional de Psicanálise em Budapeste quando, pela primeira vez, Freud[3] defendeu a criação de centros psicanalíticos de atendimento público e gratuito. À ocasião, estavam presentes representantes oficiais dos governos austríaco, alemão e húngaro, em função dos problemas com as neuroses de guerra e Freud pretendera que a psicanálise fosse inserida como uma política social de saúde pública. O projeto para uma clínica pública financiada pelo Estado logo minguou em razão dos embates que se seguiram na política internacional. Uma série de revoluções ocorreu, a Áustria foi integrada à Alemanha, um filho de Freud esteve em cativeiro e, com o fim da guerra, as neuroses de guerra teriam igualmente “desaparecido”.
Foi em 1920, nos primeiros anos da República de Weimar – que marcou a primeira experiência de uma democracia social e contribuiu para o modelo de intervencionismo estatal do Welfare State[4] –, com Berlin tendo se tornado o principal centro da psicanálise, que a ideia de um centro de tratamento psicanalítico público retornou à pauta. Somam-se a isso as notícias que circularam no pós-guerra quanto ao tratamento despendido pelos médicos do exército, a saber, o eletrochoque usado como forma do combatente restaurar suas capacidades, tendo causado mortes em decorrência das altas descargas elétricas e suicídios[5].
No ano de 1920, uma clínica e um instituto berlinense organizado por Ernst Simmel e financiado por Max Eitingon foram inaugurados[6]. A clínica berlinense funcionava como o que hoje chamamos de “clínica-escola” – havia aqueles considerados analistas e também terapeutas em formação. A ideia condizia com o que fora proferido por Freud[7] em Budapeste:
Em algum momento a consciência da sociedade despertará, advertindo-a de que o pobre tem tanto direito a auxílio psíquico quanto hoje em dia já tem cirurgias vitais. E que as neuroses não afetam menos a saúde do povo do que a tuberculose.[8]
Encontramos aí a primeira experiência da psicanálise no âmbito da saúde pública, de caráter filantrópico. Freud observou que, no início, essas instituições dependeriam da filantropia de analistas, mas acreditava que, em algum momento, o Estado se responsabilizaria por essas instituições, inclusive reconhecendo-as como “deveres” do Estado[9]. Mas é preciso ressaltar que uma psicanálise como política social de saúde pública não equivale a uma Clínica Aberta, cuja experiência se pretende às margens, por encontrar-se deslocada das instituições do Estado. Sem entrarmos nos pormenores dos possíveis impasses que uma psicanálise como direito comportaria, o que pretendemos ressaltar é que uma Clínica Aberta não se constitui como uma política pública, apesar de seu caráter político e público.
Sem prejuízo da inserção de analistas nos serviços de políticas públicas, a Clínica Aberta, como dispositivo, sustenta-se a partir da ética analítica, o que contradiz o esforço neurótico por um Outro supostamente todo-consistente, ponto em que o desejo é escamoteado. Além disso, a Clínica Aberta correria o risco de fazer consistir ainda mais esse Outro caso se baseasse em significantes como “filantropia” e “caridade”, que inadvertidamente compõem o pernicioso sistema capitalista, com seu discurso correspondente, e ancoram-se no desmonte de uma série de políticas oriundas da conquista de direitos sociais.
De fato, em uma perspectiva caritativa ou filantrópica corre-se o perigo de, por parte dos analistas, suscitar construções transferenciais que se pareçam com uma obrigação ou mesmo com a dinâmica neoliberal de perda/ganho de tempo em relação à perda/ganho de dinheiro. Se tomássemos essa perspectiva, a caridade ou filantropia nas Clínicas Abertas compareceriam como o criticável meio de apaziguar os conflitos de classe da sociedade e, porventura, a consciência burguesa do psicanalista.
A construção de uma clínica com base caritativa ou filantrópica pode engendrar um Outro por demais consistente, supostamente sem furo. Afinal, colocar-se de saída em uma relação transferencial como caritativa, aproxima-se da condescendência – o que baliza princípios de dominação. Isso é algo completamente avesso à perspectiva transferencial da psicanálise, se tomarmos a distinção marcada por Lacan[10] de que “o analista é menos livre em sua estratégia do que em sua tática”[11].
É essa a estratégia psicanalítica, mais além de imaginárias formas de captura e dominação por promessas ou perspectivas de identificação massificadas, como a caridade faria, isto é, como derradeiro, “um exercício de poder”[12]. Não cabe ao psicanalista arrogar-se uma pseudoliberdade em ser amável para o analisante, como um ser demandante, ou colocar-se em uma posição de poder tal ou qual, atinente ao seu próprio narcisismo.
O psicanalista pauta sua estratégia clínica pela singularidade dos significantes de cada sujeito, cabendo uma margem de liberdade na tática, mas no sentido da política da direção de um tratamento sob o desejo do analista. Dessa forma, que fique claro: uma Clínica Aberta não substitui nem pretende preencher as lacunas do Estado e a defasagem de políticas sociais públicas por meio da filantropia ou do trabalho voluntário, como uma espécie de “braço esquerdo do Estado”. Isso porque estamos advertidos do risco de constituir essa clínica em um modo panfletário, benevolente e filantrópico, o que pode ofuscar a ética analítica em práticas que visariam sustentar e fazer consistir um Outro por meio de tais significantes-mestres e, inclusive, sob os auspícios de outros significantes, tais como “doação”, “voluntariado” e, por que não, o “bem”.
Se a pretensão pelo bem leva ao pior, como observaram Fingermann e Dias[13], consideramos importante reconhecer o mal-estar que nos causa em prol de alternativas que viabilizem a coisa pública sem incorrer nos engodos dos serviços dos bens e do bem-estar para todos[14]. Dito de outra forma, sinaliza-se uma aposta em uma política que inclua o não-todo, de certo modo sintonizada com a “política da falta” na direção de um tratamento psicanalítico[15].
Afinal, como ressaltou Lacan[16] sobre os engodos imaginários produzidos por este querer o bem: “que eu não me dê conta de que, quando quero o bem a alguém, quero-lhe mal”[17]. Em outros termos, ainda segundo o autor: “Toda canalhice repousa nisto, em querer ser o Outro – refiro-me ao grande Outro – de alguém, ali onde se delineiam as figuras em que seu desejo será captado.”[18].
As promessas dos bens em uma sociedade, de que seria possível atender à demanda[19] de felicidade para todos, encontram-se em uma posição essencialmente de “trapaça”[20]. O bem equivale à única substância concebida pela psicanálise lacaniana: ao gozo. Este bem que traz o pior (aqui, como excesso de mal) não é um “resto a excluir”, o que produz “segregação, miséria, desamparo, tédio, depressões e outras guerras”, mas uma “causa a produzir e a reduzir” ao longo de uma experiência de análise[21].
É como avesso a certos discursos filosóficos, religiosos e científicos que invocam os bens ideais aos bens utilitários, como promessas de felicidade e plena satisfação, que um analista encontra-se na posição de tratar o pior como causa (que remete ao real da castração). Para Lacan[22], enfim, este querer o bem se revela como um poder dotado de um “princípio maligno” que conduz a “um direcionamento cego. É o poder de fazer o bem – nenhum poder tem outro fim, e é por isso que o poder não tem fim”, quando não se consegue sustentar devidamente uma práxis na qual um analista “já renunciou ao poder”[23].
A experiência de uma Clínica Aberta implica uma “abertura” que, conforme se pode depreender, possui um valor formativo e que por isso encontra-se à contramão das referências protocolares ou mesmo do estilo de formação pautado em modelos. Nesse sentido, e retomando o caráter inventivo dessa experiência, é prudente ressaltarmos algo sobre sua história e contextualizarmos as particularidades encontradas nessa experiência. Esclarecida a questão quanto à originalidade – a de Freud – e sem pretendermos nos aprofundar em outras tantas experiências surgidas após a clínica berlinense, como a que Sabina Spielrein precursionou na antiga URSS, entre outras[24], encontramos o projeto da Clínica Pública de Psicanálise da Vila Itororó, uma iniciativa dos psicanalistas Daniel Guimarães, Tales Ab’Sáber, entre outros, que, de uma não-toda dissidência, inscreveu uma questão de método e uma nova aposta.
Então, em uma sequência temporal, a cidade de São Paulo é palco, desde o final de 2016 a meados de 2017, de três versões de clínicas psicanalíticas em espaços públicos e sem a prerrogativa do pagamento em dinheiro: a Clínica Pública de Psicanálise da Vila Itororó; e as duas versões da Clínica Aberta de Psicanálise: Casa do Povo e Praça Roosevelt. Para além das reivindicações de autoria, todas as iniciativas convergem no sentido do reconhecimento de que a psicanálise tem um lugar de importância na civilização, em função dos efeitos do mal-estar social – não obstante, constituinte – na subjetividade, e como apostando que o dinheiro não representa uma condição inequívoca em termos de investimento libidinal à realização de um tratamento, como encontramos desde Freud[25] e conforme abordaremos ainda neste texto. E isso ganha reforço ao percebermos que as três iniciativas reconhecem no avanço de discursos fascistas e reacionários um solo comum, no que se distingue o chamado a uma resistência.
Dessa forma, ao retirar o dinheiro como condição inequívoca para a prática clínica em locais públicos, a Clínica Pública e as Clínicas Abertas alçam um comum em que apostam na possibilidade de fazer psicanálise sintonizada com o mal-estar atual: colocar-se diante de uma hegemonia da discursividade neoliberal, da crescente prática e discursos fascistas e da típica construção de “laços associais” no aparelhamento de gozo através do discurso capitalista[26].
DINHEIRO
Apesar de Freud[27] dizer-se descrente em relação à gratuidade do tratamento, na medida em que poderia aumentar a resistência do paciente – afora outros inconvenientes, especialmente aos analistas –, enfatizou que havia “casos” em que a gratuidade não constituía entraves e conduzia “a excelentes resultados”[28]. A questão do dinheiro aparece desde cedo na obra de Freud e se estende em uma relação direta com o erotismo anal. A primeira notícia dessa vinculação se verifica em uma correspondência dirigida a Fliess em dezembro de 1897, onde afirma que dinheiro e ouro são muito frequentemente associados às fezes e à sujeira.
Onze anos depois, Freud[29] estabelece uma relação entre erotismo anal e três traços de personalidade, a saber, ordem, parcimônia e obstinação. Em Erotismo anal e complexo de castração[30], o autor estende as relações entre fezes e dinheiro, localizando-as em uma equação fundamentalmente simbólica: fezes = dádiva = dinheiro = bebê = pênis. Já nos Três ensaios[31], menciona o caráter de dádiva das fezes, o que depois relacionará ao dinheiro. Também, trará as fezes como protótipo da castração, isto é, quando o sujeito começa a partilhar uma parte de seu corpo, situando-o no interior de relações sociais baseadas na troca. Conforme seus termos, as fezes representam a primeira dádiva da criança, uma espécie de “sacrifício” em troca de afeição. Trata-se de ceder uma parte do corpo na relação com alguém que é objeto de amor.
Em uma análise, conforme ressalta Slemenson[32], o dinheiro promove um “amoedamento libidinal”, o “que remonta à ideia de ‘ciframento’”, abrindo a “perspectiva de pensarmos metaforicamente a ideia de libido como capital”[33]. Isso permite pensar no dinheiro como ciframento do montante das operações de gozo realizadas para o estabelecimento de laços sociais – uma forma simbólica de pensar a “capitalização” do gozo. Nessa lógica, é por ressaltar uma operação em termos da relação entre gozo e desejo que o sujeito paga em análise, isto é, uma forma de assumir a condição desejante e cifrar seu gozo.
Importante situar que o dinheiro, para além de sua condição material, de cédula ou moeda, encontra-se apoiada em uma função significante na cultura. Nos termos da autora, o dinheiro é “um dos objetos marcados pela castração” e por isso remete a uma articulação entre necessidade, demanda e desejo[34]. É um elemento sujeito a um ciframento possível, o que traz algumas questões à Clínica Aberta: É possível que outro elemento possa fazer a mediação realizada pelo dinheiro, vista a importância clínica que mencionamos acima? Nessa linha, será que um processo analítico só se realiza a partir de uma mediação dessa natureza? E mais, podemos pensar em uma psicanálise para além dessa forma de mediação pautada na economia de mercado capitalista?
Trata-se de produzir algum estranhamento em relação a esta espécie de “psicogênese do dinheiro” tida como inerente ao tratamento psicanalítico, considerando iniciativas que se dispuseram a manejar essa problemática de outras formas. A questão do dinheiro pode animar o antigo debate sobre o que é ou não uma psicanálise, como quando Freud referiu-se ao “ouro” de uma psicanálise pretensamente pura e ao “cobre” da sugestão, quando fora do setting tradicional[35]. No entanto, cabe reconhecer que a concepção da psicanálise como prática clínica situada no atendimento individual e sob o formato da clínica “particular”, isto é, como incitam as aspas, do profissional liberal que oferece um serviço, não dispõe de elementos incontestes para sustentar uma clínica não mediada pelo dinheiro.
É justamente para contrapor a este “particular” que propomo-nos a uma experiência de clínica que possibilite uma inventividade necessária para deslocar o dinheiro como condição inequívoca no contexto de uma práxis. Advertidos quanto à máxima freudiana de que a teoria é postulada a partir da clínica, e não o contrário, depreende-se como desejável pensar o dinheiro à luz das experiências ocorridas nos últimos meses na Clínica Aberta. Daí a importância da formalização sobre a viabilidade desse dispositivo que, segundo o entendimento de analistas que a compõem, conduz processos analíticos em que o dinheiro não é prerrogativa.
Não se pretende amenizar o caráter simbólico que o dinheiro tem no âmbito social e nos processos de uma análise, mas reconhecer que dimensioná-lo nas bases que aqui propomos incita à formalização desta clínica, constituindo-se como uma abertura àqueles instigados em seu desejo pelos efeitos de uma experiência de Clínica Aberta de Psicanálise.
UMA EXPERIÊNCIA DE CLÍNICA
As Clínicas Abertas, à diferença da Clínica Pública na Vila Itororó, trazem a proposta em um novo método, em sentido lato, pois não se perde de vista a única regra da psicanálise: a associação livre. Trata-se de um dispositivo que concebe a possibilidade da circulação de psicanalistas dentre um grupo de analistas. Assim, nas Clínicas Abertas, os pacientes são atendidos, a princípio, por algum analista de um grupo de analistas. Daí a fórmula n+1 que lhe deu origem, formalizada desse modo por Tales Ab’Sáber. Lemos essa fórmula da seguinte forma: um número n de analistas mais um, permitindo que cada psicanalista considere seu estilo e percurso de formação, um a um, encontrando-se em um coletivo de analistas que não formam o Um da totalidade ou de um imaginário conjunto completo e consistente.
Esse seria o ponto da diferença entre a Clínica Pública da Vila Itororó e as duas versões da Clínica Aberta (Casa do Povo e Praça Roosevelt). Então, na Clínica Pública permanece uma aposta no método mais clássico da psicanálise, ao manter um psicanalista para um analisante. Com isso, é bom advertir que não há, no modo da clínica psicanalítica (seja ela Aberta ou Pública) operar, a intenção de realizar um grande volume de atendimentos. Afinal, por retirar o dinheiro e colocar-se em lugar público, o tratamento psicanalítico haveria de ser mais fragilmente sustentado apenas para realizar mais e mais atendimentos?
É salutar reconhecer o apelo em não pautar a lógica do dispositivo clínico no espaço público por um atender toda a crescente e sufocante demanda. Entendemos que isso é da ordem de uma fundamental cautela para diferenciar a oferta de um percurso clínico da escalada neoliberal que vivenciamos no presente. Afinal, sabemos que a demanda engendra um circuito infernal – ao pretender correspondê-la – na medida em que não se faz operar a falta[36].
Retomemos o n+1 da rotatividade de analistas da Clínica Aberta. O mais-um, a partir de um referencial lacaniano, permite também que sua estrutura esteja aberta ao funcionamento de carteis, na medida em que sua função é o de fazer trabalhar as questões de cada analista, fomentar a produção e a transmissão de saber, sem constituir um mestre e sem ser, inclusive, representado por um único psicanalista. As Clínicas Abertas encontram-se abertas também aos tempos e percursos formativos de cada um.
Nas Clínicas Abertas, uma pessoa que vem para um atendimento será atendida por algum analista presente na ocasião, considerando que, na possibilidade de retorno e na continuidade dos atendimentos, o analisando poderá ser atendido por um analista diferente. Portanto, cada analista dispõe livremente do tempo que se dedicará à Clínica Aberta – o que pode representar, aliás, um convite ao desejo para cada analista: o desejo de estar lá, de abrir-se à experiência clínica no espaço público – fator que fundamenta uma diferenciação da Clínica Aberta das práticas de filantropia ou caridade, ao não impor-se como sacrifício, moratória ou estratégia neoliberal.
Na Clínica Aberta da Praça Roosevelt (onde os autores deste trabalho se encontram), sustenta-se uma diferença também quanto ao tradicional Plantão Psicológico e dos serviços de assistência e saúde mental, como em equipamentos públicos ou privados, gratuitos, filantrópicos, caritativos ou não. Não apenas a questão da sustentabilidade do projeto, mas também em função de uma práxis em contínua e ainda recente elaboração – da experiência, tendo em vista a soberania da clínica – atenta-se às condições de sua possibilidade, seus alcances, impasses, limites e diferenças entre as duas versões das Clínicas Abertas de Psicanálise.
A aposta encontra-se, inicialmente, na transferência com um grupo de analistas, quiçá com a Clínica Aberta ou mesmo com o espaço público, a partir do significante qualquer que engendra a transferência para cada sujeito em sua singularidade. Os efeitos se verificam, revelando suas condições de possibilidade, como ocorre na inserção de analistas em instituições, onde a transferência não se encontra balizada, ao menos não exclusiva e necessariamente, com um analista ou profissional especificamente. Um exemplo clássico disso são as experiências no hospital La Borde, primordiais para o campo da psicoterapia institucional, sob a coordenação de Jean Oury[37].
Há testemunhos de sujeitos que frequentam a Clínica Aberta que trazem referências de sessões anteriores para um outro analista, que não o(s) da(s) sessão(ões) anterior(es). Há também narrativas de sujeitos que empregam o plural “vocês” ao endereçar-se a um analista, porém outro, que não aquele que o ouviu num encontro pregresso. Apesar das Clínicas Abertas não constituírem, portanto, uma novidade, isso não quer dizer que sejam sem qualquer inventividade, inserindo-se como experiência que pode contribuir para que a própria psicanálise avance – e a fim de alcançarmos “em seu horizonte a subjetividade de sua época.”[38].
UM COLETIVO FORMADO APRÈS-COUP AO GOLPE PARLAMENTAR
Em termos do que a Clínica Aberta – Praça Roosevelt dispõe e circunscreve em seu formato aberto e um tanto poroso, tem-se um dispositivo sem institucionalidade, isto é, não se arvora uma instituição e não se a pretende, cabendo a cada um certa apropriação de seu desejo enquanto analista nessa clínica. Não há, portanto, uma filiação no sentido da referência a uma instituição ou a um único representante, o que não exclui o rigor, um tratamento cioso e constante das questões que emergem das experiências de cada um.
Feitas essas distinções, inscrevemos nossa aposta de que a Clínica Aberta da Praça Roosevelt opere no sentido de um coletivo horizontalizado – não como uma massa e sujeita aos seus nefastos efeitos. Para Freud[39], como sabemos, as características de uma massa são a ausência de crítica, impulsividade, onipotência, a intolerância para com estranhos ou diferentes, a ausência de liberdade e a forte limitação da singularidade subjetiva; assentadas em uma ilusão comum ao amor de um líder ou a uma grande ideia (no lugar de Ideal do Eu), fomentando a identificação entre os membros do grupo em termos de Eu Ideal.
Apoiando-nos em Gallano[40], a noção de coletivo pode ser depreendida a partir da temporalidade só-depois, típica do processo a posteriori da produção de saber em uma enunciação, retroagindo a um ponto de basta. A palavra em francês para isso, o après-coup, é bastante interessante, pois traz a noção de que o saber e o significado substancializam-se após um golpe (coup). Em outros termos, o processo de subjetivação que se perfaz ao produzir um saber, se tomado na perspectiva do après-coup, parte do não sabido inerente à experiência. Eis aí, pois, o instante de ver, primeiro operador do tempo lógico em Lacan[41]: o ponto de partida é um não sabido a respeito de si próprio, localizado no instante de ver.
No processo de precipitação das Clínicas Abertas e da Clínica Pública, clínicas que se alastram em diferentes versões, mas com aspectos em comum, temos que o instante de ver é constituído pelos episódios envoltos no golpe parlamentar de 2016 e o ambiente social nacional e internacional da ascensão do fascismo. Vemos, portanto, a precipitação do sentido e de um saber que constitui as Clínicas Abertas e a Clínica Pública com um après-coup, após-o-golpe parlamentar.
De certo, o instante de ver o golpe, em cada um de seus episódios, ainda que seja efeito de uma escalada bastante anterior ao ano de 2016, coloca em cena um amplo “não querer saber” – o que não constitui, por si só, um contorno identitário. Justamente por não ter de pronto um efeito de identidade é que guarda uma potência, pois já se trata de um ponto de partida diferenciado do Ideal do Eu, como aquele que orienta uma massa. Esse instante de ver o golpe, o avanço do fascismo, engendra um não querer saber que já foi por demais revolvido em tentativas identitárias: as chamadas lutas “identitárias”, que pululam mesmo em movimentos de esquerda e que se manifestam em uma impostura ao dar excesso de consistência à sua própria e “exclusiva” reivindicação, sem atentar, muitas vezes, às suas contradições.
São identidades que se perfazem segundo uma demanda específica, mas que podem levar a uma pulverização do próprio movimento ou, pior, à formação de uma massa, visto que o significante que a demanda designa pode facilmente cumprir uma função alienante. Como exemplo, pensamos a escala industrial da produção de artigos, livros e teses para fundamentar posições de esquerda centradas em uma figura intelectual ou linha teórica – mas que, no limite, encerram sua ação em um atracamento infinito dentre a própria esquerda, isto é, uma tendência a um fechamento conservador.
De outra forma, podemos pensar o comum como algo pautado por uma falta em termos de saber. Então, na perspectiva que aqui nos apoiamos, o comum é sustentado por um não saber inerente ao instante de ver[42]. Assim, o coletivo constitui-se por uma falta em comum e que move a cada qual de uma forma singular. Uma tarefa comum, desde uma solidão subjetiva, própria a cada singularidade, mas com atenção ao que fazem os outros, também vulneráveis a esse não saber que o crescente fascismo impõe. Trata-se, pois, de pensar sobre este não querer saber na base do coletivo da Clínica Aberta – Praça Roosevelt, como uma forma de laço entre o singular e o comum. É claro, formular isso no processo desta transmissão é não concluir de forma antecipada que as Clínicas Abertas estão a salvo de processos grupais/massificantes, mas ter um parâmetro para poder avaliar os efeitos do desenvolvimento dessas experiências.
Assim, lançamos nossa aposta clínica, ética e política, como forma de processar o instante de ver de nossa conjuntura política, por estarmos advertidos de um saber sobre o insabido que toca o mal-estar de nossa civilização. Trata-se de um investimento libidinal atravessado pela pluralidade de cada analista e desses grupos, em um trabalho coletivo que oportuniza a produção de um saber sobre este dispositivo e, de forma mais genérica, sobre a própria clínica psicanalítica. É também um espaço de formação analítica, trocas e bons encontros. Vale dizer, uma Clínica Aberta encontra-se como dispositivo aberto à cidade e inclusive à iniciativa de psicanalistas que porventura desejem se apropriar de uma clínica que carrega consigo um direcionamento clínico, ético e político referido à psicanalise, onde quer que esta se dê na polis.
Ademais, em favor desta noção de comum por sobre as noções de identidade e de massa, está o fato de que não há uma única perspectiva teórica da psicanálise nas Clínicas Abertas. Na Praça Roosevelt, contamos com formações diversas (além de lacanianos, há também winnicottianos, esquizoanalistas etc.). Há diferentes abordagens teóricas, assim como diferenças em cada grupo de psicanalistas que compõe as Clínicas Abertas, sem que tais experiências ensejem em si mesmas um território constituído por muros. Leia-se: não é de uma identidade enquanto psicanalistas que nos faz trabalhar juntos – eis um ponto de partida interessante (e não sem desdobramentos que nos impele à formalização). Trata-se de uma transferência de trabalho atravessada por nossa conjuntura sociocultural, política e com a psicanálise.
Tem-se um coletivo como aquilo que se precipita a partir de um desejo comum, sem fazê-lo consistir como um desejo único. Deste comum, podemos elencar uma transferência com a psicanálise, com a conjuntura política atual (especialmente quanto à ascensão do fascismo) e o reconhecimento da importância de uma apropriação do espaço público (uma casa chamada “do povo” e a praça são lugares fundamentalmente simbólicos).
FINS
A inventividade, de fato, é de cada um que vai à praça. Por estarmos, desde Freud, advertidos dos efeitos de massa, desponta-se um coletivo da Clínica Aberta – Praça Roosevelt – assentado na aposta de uma experiência clínica que se encontra aberta ao inconsciente, na cidade.
São, sobretudo, as questões que emergem desse coletivo que fazem essa experiência primorosa à formação. Dentre a série de questões que pululam em nossos encontros, situam-se as de manejo, direção e, até mesmo, quanto aos seus fins, como no risível: “Atravessar o fantasma na praça?”. Apesar de este questionamento evocar uma curiosa imagética, é prudente aos non-dupes errent que se ressalte ou retome sempre o caráter de experiência de uma psicanálise.
Se o desejo do analista é de que uma análise se dê, pensamos ser preciso uma cautela em relação à idealização obsedante quanto às formulações sobre os fins do tratamento analítico, ou mesmo as querelas sobre a verdadeira e a falsa psicanálise. Trata-se de não abrir mão do caráter transformativo que uma experiência de análise pode oferecer, inclusive, numa praça. ♦
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QUINET, Antonio (2009). A estranheza da psicanálise: A Escola de Lacan e seus analistas. Rio de Janeiro: Zahar.
SLEMENSON, Karin de Paula. (2001). $em?: Sobre a inclusão e o manejo do dinheiro numa análise. São Paulo: Casa do Psicólogo.
* Adriana Simões Marino: Psicanalista. Graduada em Psicologia pela Universidade São Marcos e em Filosofia pela Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). Mestre e doutoranda em Psicologia pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP). Membro do Fórum do Campo Lacaniano (FCL-SP), Psicanalistas pela Democracia e Clínica Aberta de Psicanálise – Praça Roosevelt. Tem experiência em saúde coletiva (Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo) e atua em consultório. Contato: adrianamarino@usp.br.
** Augusto Ribeiro Coaracy: Psicanalista. Fez graduação em Psicologia na Universidade de Brasília (UnB). Mestre em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Tem experiência clínica na Atenção Básica do Sistema Único de Saúde (SUS) e consultório particular. Faz formação em psicanálise no Fórum do Campo Lacaniano (FCL-SP). Contato: augustocoaracy@gmail.com.
*** Thiago Oliveira: Cientista social pela Universidade de São Paulo (USP), psicólogo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Tem experiência clínica em Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), Unidade Básica de Saúde (UBS), Programa De Braços Abertos (DBA), consultório particular e acompanhamento terapêutico. Psicanalista do Instituto A CASA e da Clínica Aberta de Psicanálise – Praça Roosevelt. Contato: oliveira.thiago@gmail.com.
[1] Partes deste trabalho foram apresentadas nas Jornadas de Encerramento de 2017 do Fórum do Campo Lacaniano de São Paulo.
[2] FREUD, Sigmund (1923). O ego e o id. In: Edição standard das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (Trad. de J. Salomão, Vol. 19). Rio de Janeiro: Imago, 1996, p. 319.
[3] FREUD, Sigmund (1919). Introdução a Psicanálise das Neuroses de Guerra. In: História de uma neurose infantil: (“O homem dos lobos”); Além do princípio do prazer e outros textos (1917-1920) (Trad. de Paulo César de Souza, Vol.14). São Paulo: Companhia das Letras, 2010a, pp. 382-388.
[4] Foi com a Constituição de Weimar de 1919 que os direitos sociais ingressaram na história do constitucionalismo moderno, engendrando o moderno Estado Social sob os preceitos do intervencionismo estatal. O modelo seria precursor do que se desenvolveu posteriormente como Estado de Bem-Estar Social (Welfare State). KERSTENETZKY, Celia Lessa (2012). O estado do bem-estar social na idade da razão: A reinvenção do estado social no mundo contemporâneo. Rio de Janeiro: Elsevier.
[5] FREUD, Sigmund (1920). Memorandum sobre o tratamento elétrico dos neuróticos de guerra. In: Edição standard das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (Trad. de J. Salomão, Vol. 17). Rio de Janeiro: Imago, 1996, pp. 227-231.
[6] GAY, Peter (2012). Freud: uma vida para o nosso tempo. São Paulo: Companhia das Letras.
[7] FREUD, Sigmund (1919). Caminhos da terapia psicanalítica. In: História de uma neurose infantil: (“O homem dos lobos”); Além do princípio do prazer e outros textos (1917-1920) (Trad. de Paulo César de Souza, Vol.14). São Paulo: Companhia das Letras, 2010b, pp. 279-292.
[8] FREUD, Sigmund (1919). Caminhos da terapia psicanalítica. In: História de uma neurose infantil: (“O homem dos lobos”); Além do princípio do prazer e outros textos (1917-1920) (Trad. de Paulo César de Souza, Vol.14). São Paulo: Companhia das Letras, 2010b, p. 291, grifo nosso.
[9] FREUD, Sigmund (1919). Caminhos da terapia psicanalítica. In: História de uma neurose infantil: (“O homem dos lobos”); Além do princípio do prazer e outros textos (1917-1920) (Trad. de Paulo César de Souza, Vol.14). São Paulo: Companhia das Letras, 2010b, p. 292.
[10] LACAN, Jacques (1958). A direção do tratamento e os princípios de seu poder. In: Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998, pp. 591-652.
[11] LACAN, Jacques (1958). A direção do tratamento e os princípios de seu poder. In: Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998, p. 595.
[12] LACAN, Jacques (1958). A direção do tratamento e os princípios de seu poder. In: Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998, p. 592.
[13] FINGERMANN, Dominique. & DIAS, Mauro Mendes (2005). Por causa do pior. São Paulo: Iluminuras.
[14] LACAN, Jacques (1959-1960). O Seminário, livro 7: a ética da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.
[15] QUINET, Antonio (2009). A estranheza da psicanálise: A Escola de Lacan e seus analistas. Rio de Janeiro: Zahar, p. 46.
[16] LACAN, Jacques (1954-1955). O Seminário, livro 2: O eu na teoria de Freud e na técnica da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.
[17] LACAN, Jacques (1954-1955). O Seminário, livro 2: O eu na teoria de Freud e na técnica da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 2010, p. 413.
[18] LACAN, Jacques (1969-1970). O Seminário, livro 17: O avesso da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1992, p. 63.
[19] Nos termos de Lacan: “A transferência já é, em si mesma, um campo aberto, a possibilidade de uma outra articulação significante, diferente da que encerra o sujeito na demanda. (…) Ela é algo de articulado, que existe potencialmente para além do que se articula no plano da demanda, onde vocês encontram a linha da sugestão.” (p. 441). E, mais a frente, ressalta: “Nossa operação é, justamente, abstinente ou abstencionista. Consiste em nunca ratificar a demanda como tal.” (p. 441). Desse modo, o analista não responde à demanda, pois, na medida em que ela é feita de significantes, o sujeito pode se a ver com sua própria demanda que, ao mesmo tempo em que não é possível saturá-la (por ser sempre demanda de outra coisa), é feita dos significantes que capturam o sujeito. Assim: “A confrontação do sujeito com a demanda efetua uma redução do discurso na qual discernimos, nas entrelinhas, esses significantes elementares naquilo que constitui a base de nossa experiência.” (p. 490). (LACAN, Jacques [1957-1958]. O Seminário, livro 5: As formações do inconsciente. Rio de Janeiro: Zahar, 1999).
[20] LACAN, Jacques (1959-1960). O Seminário, livro 7: a ética da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1997, p. 364.
[21] FINGERMANN, Dominique. & DIAS, Mauro Mendes (2005). Por causa do pior. São Paulo: Iluminuras, p. 16.
[22] LACAN, Jacques (1958). A direção do tratamento e os princípios de seu poder. In: Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998, pp. 591-652.
[23] LACAN, Jacques (1958). A direção do tratamento e os princípios de seu poder. In: Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998, p. 647.
[24] Dentre essas experiências, citemos duas que se articulam especialmente a este trabalho: a clínica social carioca Anna Katrin Kemper (de 1972 a 1991) e o grupo parisiense Bastilha (fundado em 1994). A clínica carioca se organizou em torno de um diagnóstico crítico sobre a situação social durante a ditadura, postulava o tema da democratização da psicanálise no cerne da democratização nacional e funcionava a partir de um banco de horas de trabalho doado ao projeto. A não remuneração fez com que, muitas vezes, o trabalho fosse tido como assistencialista. A Associação Psicanalítica Internacional (IPA) tentou impugnar o uso do nome “psicanálise” e afastou seus fundadores. No grupo Bastilha, formam-se fundos monetários, principalmente por analistas, para financiar os atendimentos e permite-se a escolha por um analista (Slemenson, 2001). SLEMENSON, Karin de Paula. (2001). $em?: Sobre a inclusão e o manejo do dinheiro numa análise. São Paulo: Casa do Psicólogo.
[25] Rarefeito o possível mal-entendido, é também em Freud que encontramos os aportes teóricos e a originalidade sobre as contribuições da psicanálise em contextos socioculturais e políticos. Em suas investigações, a aplicação (no sentido da extensão) da psicanálise sempre se achou imbricada em suas próprias formulações. A psicanálise, portanto, encontra-se implicada na cultura, às voltas com os fenômenos socioculturais e políticos que atravessam a subjetividade humana.
[26] ASKOFARÉ, Sidi (2009). Da subjetividade contemporânea. A Peste: Revista de Psicanálise e Sociedade e Filosofia. São Paulo, vol. 1, n. 1, pp. 165-175.
[27] FREUD, Sigmund (1913). Sobre o início do tratamento (Novas recomendações sobre a técnica da psicanálise I). In: Edição standard das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (Trad. de J. Salomão, Vol. 12). Rio de Janeiro: Imago, 1996, pp. 137-158.
[28] FREUD, Sigmund (1913). Sobre o início do tratamento (Novas recomendações sobre a técnica da psicanálise I). In: Edição standard das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (Trad. de J. Salomão, Vol. 12). Rio de Janeiro: Imago, 1996, p. 148.
[29] FREUD, Sigmund (1908). Caráter e erotismo anal. In: Edição standard das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (Trad. de J. Salomão, Vol. 9). Rio de Janeiro: Imago, 1996, pp. 159-164.
[30] FREUD, Sigmund (1919). Erotismo anal e complexo de castração. In: Edição standard das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (Trad. de J. Salomão, Vol. 17). Rio de Janeiro: Imago, 1996, pp. 81-194.
[31] FREUD, Sigmund (1905). Três ensaios para uma teoria da sexualidade. In: Edição standard das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (J. Salomão, trad., Vol. 7). Rio de Janeiro: Imago, 1996, pp. 119-229.
[32] SLEMENSON, Karin de Paula. (2001). $em?: Sobre a inclusão e o manejo do dinheiro numa análise. São Paulo: Casa do Psicólogo.
[33] SLEMENSON, Karin de Paula. (2001). $em?: Sobre a inclusão e o manejo do dinheiro numa análise. São Paulo: Casa do Psicólogo, p. 75.
[34] SLEMENSON, Karin de Paula. (2001). $em?: Sobre a inclusão e o manejo do dinheiro numa análise. São Paulo: Casa do Psicólogo, p. 83.
[35] FREUD, Sigmund (1919). Caminhos da terapia psicanalítica. In: História de uma neurose infantil: (“O homem dos lobos”); Além do princípio do prazer e outros textos (1917-1920) (Trad. de Paulo César de Souza, Vol.14). São Paulo: Companhia das Letras, 2010b, p. 292.
[36] LACAN, Jacques (1960). Subversão do Sujeito e Dialética do Desejo no Inconsciente Freudiano. In: Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998, pp. 807-842.
[37] OURY, Jean. (2009). O coletivo. São Paulo: HUCITEC.
[38] LACAN, Jacques (1953). Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise. In: Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998, p. 322.
[39] FREUD, Sigmund (1921). Psicologia das massas e análise do eu In: Psicologia das massas e análise do eu e outros textos (1920-1923). (Trad. de Paulo César de Souza, Vol. 15). São Paulo: Companhia das Letras, 2011, pp. 13-113.
[40] GALLANO, Carmen. (2014). Subjetividad y lógicas colectivas: una introucción al tema desde el psicoanálisis. In: Políticas de lo real. Nuevos movimientos sociales y subjetividade. Barcelona: S&P.
[41] LACAN, Jacques. (1945). O tempo lógico e a asserção da certeza antecipada: um novo sofisma. In: Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998, pp. 197-213.
[42] GALLANO, Carmen. (2014). Subjetividad y lógicas colectivas: una introucción al tema desde el psicoanálisis. In: Políticas de lo real. Nuevos movimientos sociales y subjetividade. Barcelona: S&P.
COMO CITAR ESTE ARTIGO | MARINO, Adriana Simões, COARACY, Augusto Ribeiro & OLIVEIRA, Thiago. (2018) Uma Experiência de Clínica Aberta de Psicanálise. Lacuna: uma revista de psicanálise, São Paulo, n. -5, p. 4, 2018. Disponível em <https://revistalacuna.com/2018/06/04/n05-04/>.