Rexistência: a insistência do que ex-siste

por Cláudia de Moraes Rego

1 | Uma articulação entre história, ficção, fantasma e discurso

Algumas questões bem atuais causaram este trabalho e certamente me fizeram sensível a coisas que vi e ouvi recentemente. Tais coisas estarão amalgamadas, entretecidas, no que se seguirá. Por exemplo, na exposição sobre Paul Klee, vi O Angelus Novus que Walter Benjamin, impactado, tinha adquirido e que, depois de sua morte, foi levado para Israel (não sem alguns questionamentos). Em seu estranho e fragmentado texto Sobre o conceito de História, Benjamin escreve na seção IX:

Há um quadro de Klee intitulado Angelus Novus. Representa um anjo que parece preparar-se para se afastar de qualquer coisa que olha fixamente. Tem os olhos esbugalhados, a boca escancarada e as asas abertas. O anjo da história deve ter este aspecto. Voltou o rosto para o passado. A cadeia de fatos que aparece diante dos nossos olhos é para ele uma catástrofe sem fim, que incessantemente acumula ruínas sobre ruínas e lhas lança aos pés. Ele gostaria de parar para acordar os mortos e reconstituir, a partir de seus fragmentos, aquilo que foi destruído. Mas do paraíso sopra um vendaval que se enrodilha nas suas asas, e que é tão forte que o anjo já não as consegue fechar. Este vendaval arrasta-o imparavelmente para o futuro a que ele volta as costas enquanto o monte de ruínas cresce até o céu. Aquilo a que chamamos progresso é este vendaval.[1]

Deparei-me também com as palavras de Caetano Veloso na música Um índio: “Virá que eu vi/ E aquilo que nesse momento se revelará aos povos/ surpreenderá a todos não por ser exótico/ mas pelo fato de poder sempre ter estado oculto/ quando terá sido o óbvio”.[2] “Virá que eu vi” aponta para uma chegada, uma aparição reveladora. O anjo, de forma semelhante, é uma figura que partilha do campo místico onde temos o fantasma, os espectros, as assombrações, embora tenha a peculiaridade de ser mensageiro de Deus. Traz boas novas, redenção, recuperação. Mas o anjo de Benjamin está derrotado pela devastação das guerras e da industrialização que atravessaram o séc. XX. Resta a fantasia do Messias. Cristo veio para nos salvar, Getúlio Vargas identificou-se com ele no sacrifício e na função de salvador da pátria. O índio que virá, se revelará, impávido, em uma alethea, para restaurar alguma pureza perdida.

No Brasil, dizemos a torto e a direito, entre goles de café: ‘é preciso acreditar em alguma coisa…’ O que é esperar pelo messias? É reencontrar, restaurar uma felicidade? Reencontrar uma infância protegida? Onde se é submisso a um Outro que vai guiar, o pastor? “Pode até abusar às vezes, mas é ele que leva, deve saber o que faz…” escutei de um analisante. Sonho de paz de Thomas W. Wilson[3], que tanto incomodou Freud? Sonho de justiça? Sonho que a análise não cura?

 2 | História e psicanálise

A história, campo da narrativa, ‘vou te contar uma história’, é elaboração de “algo visto ou ouvido”[4] ou sentido: a fala do analisante, o depoimento, a transmissão das narrativas ouvidas, o testemunho, a literatura. Mas o recolher histórias e transmiti-las implica um “fazer crer” que, como Lacan disse, ao passar pela atenção, já é mentirosa. “Fazer crer” é uma feliz expressão de Michel de Certeau,[5]  jesuíta psicanalista, se isso é possível (a uma certa altura de sua trajetória, resolveu tirar o “e” que ligava e separava jesuíta e psicanalista). Fazer crer revela que se trata, não necessariamente, da verdade objetiva dos fatos e sim de uma pré-disposição a crer, tanto do lado de quem conta como do lado de quem escuta; quem conta deve saber do que fala e quem escuta deve crer  neste suposto saber de quem conta. Diz Freud:

Não foi possível demonstrar (…) que o intelecto humano possua um faro particularmente bom para a verdade, ou que a mente humana demonstre qualquer inclinação especial para reconhecê-la. Encontramos antes, pelo contrário, nosso intelecto facilmente se extravia sem qualquer aviso e nada é mais facilmente creditado por nós do que aquilo que, sem referência à verdade, vem ao encontro de nossas ilusões carregadas de desejo.[6]

A ideologia seria o discurso onde, semelhantemente aos sofistas, a suposta busca da verdade cede ao empenho de convencimento, de fazer crer, que gera engajamento e, no extremo, subordinação incondicional. Mas Freud era um homem das luzes, um iluminista que apostava que a civilização caminharia para a argumentação racional e para a democracia.

E o que contam as histórias? Contam que “bate-se numa criança”. Contam que o pai bate na criança que ama. Ser amado pelo pai implica obediência. As histórias contam da submissão à lei simbólica e do desejo de libertação da opressão. Entre estes dois polos, a sociedade humana caminhou da barbárie à civilização. Freud o denominou “avanço secular do recalcamento das pulsões”[7].

Mas o excluído, o excesso traumático irrepresentável, retorna. Insiste. Ronda. Assombra. Quando escrevi rexistência[8] é isso que visava:  um campo que não é o da filosofia, imperativo racional da vigília, do eu soberano, da consciência vigilante onde vigora a lógica da não-contradição, império do sentido. É o outro lado: o campo do não-todo, o héteros, o sonho, o fantasma, o mito, a literatura, a mística.

Theodor W. Adorno, da Escola de Frankfurt, perguntou-se em Dialética do esclarecimento: “Porque a humanidade em vez de entrar num estágio verdadeiramente humano, está se afundando em uma nova espécie de barbárie?”[9] Referia-se ao nazismo, antissemitismo e stalinismo. Adorno pensa que há uma relação intrínseca entre razão e dominação. Ou seja, o saber no poder. Crítico do progresso, leitor de Freud e Nietzsche, reconhece a busca da felicidade como transformação do presente no sentido de libertação da dominação e também o oposto, o movimento regressivo de colocar um senhor (pós-Deus, pós-reis) no comando em uma outra dialética que não a de Marx.

A história da civilização seguiria numa alternância entre o movimento progressista e o movimento regressivo. Lembro aqui que Freud havia previsto isso, de uma certa maneira, quando ressalta que o progresso secular do recalcamento não se faz em linha reta, mas comporta idas e vindas.

O belo poema de Kaváfis, À espera dos bárbaros retrata bem esta tensão. É bem conhecido, transcrevo o início e o final. Ei-lo:

O que esperamos na ágora reunidos?
É que os bárbaros chegam hoje.
[…]
Por que subitamente esta inquietude?
(que seriedade nas fisionomias!)
Por que tão rápido as ruas se esvaziam e todos voltam para casa preocupados?
Porque já é noite e os bárbaros não vêm
e gente chegada das fronteiras
diz que não há mais bárbaros.
Sem bárbaros o que será de nós?
Ah! Eles eram uma solução![10]

Zizek avançou nessa direção. Sua proposição é que haveria um momento mítico onde todos eram iguais e não havia antagonismo. Uma sociedade sem desigualdades e, portanto, sem classes. Quando surge a figura do senhor, surge a divisão entre senhor e escravizado. Surge o antagonismo. O senhor é a episteme que se opõe à confusa doxa da multidão.[11] A episteme como conhecimento verdadeiro versus as quimeras ideológicas, fantasias e fetiches do povão. Não há realidade sem fantasma: o círculo da realidade só se fecha mediante este estranho suplemento espectral. Em Lacan, o que vivenciamos como realidade não é a própria coisa; é sempre já simbolizada, constituída por mecanismos simbólicos. Como a simbolização sempre fracassa, o real retorna sob a forma de aparições espectrais. O espectro oculta o recalcamento primário, um ‘x’ irrepresentável que funda a própria realidade.

A luta de classe seria o nome do antagonismo que impede a realidade de se constituir num todo fechado em si mesma. Mas o grande paradoxo é que a sociedade se mantém coesa pelo próprio antagonismo, pela cisão que impede seu fechamento num todo harmonioso. É o empecilho que impede qualquer totalização racional. Zizek traz uma formulação muito interessante: o antagonismo é real; é o núcleo traumático não simbolizável, o troumatismo em torno do qual se estrutura a realidade social, sem emancipação possível. É aí que surge o espectral, o fantasmal, a assombração, preenchendo o abismo irrepresentável do antagonismo.

Para Zizek, num certo exagero, a solução teórica e prática para o populismo autoritário que volta e meia frustra os projetos políticos progressistas só é concebível hoje pela teoria psicanalítica.[12] A psicanálise sabe falar da economia libidinal das comunidades protototalitárias e também sabe da economia simbólica de como, de tempos em tempos, somos capazes de romper o círculo vicioso que gera o fechamento totalitário. Com a invenção da democracia, após o assassinato do pai, a fratria dos irmãos inicia a civilização. A democracia consiste na afirmação do lugar vazio do poder que nenhum sujeito pode ocupar.

As histórias contam do assassinato do pai que bate.

Freud se obstinou a encontrar a verdade material que fundamentaria seu “mito” do assassinato do pai da horda. A leitura de Moisés e o monoteísmo em especial nos seus vários prefácios, revela um quase desespero de Freud na maneira como persevera na penosa e paradoxal escrita de Moisés e o monoteísmo. Acabou por escrever outro mito, o do Moisés egípcio, ao qual aderiu contra todas as críticas, inclusive sua própria crítica.

Neste texto, Freud sustenta uma discussão sobre verdade histórica e verdade material. A verdade histórica são as lendas mitos, tradições de uma determinada comunidade. Mas Freud queria uma prova objetiva da verdade de sua hipótese. A verdade histórica não lhe bastava. Teve que se contentar com o ‘romance histórico’ e uma coreografia de bailarina na ponta de um dedo do pé.

Em Lacan, a verdade, material ou histórica, veio a ser bastante rebaixada de seu vigor filosófico. É meio fraca, não pode ser dita toda, sempre lhe falta algo. Além disso, tem estrutura de ficção. Além disso, é mentirosa! Por último, deve ser minorada como ela merece![13]

Como pensar então a busca pela verdadeira história de uma nação ou uma sociedade? É, como escreveu Benjamin, um “escovar a história a contrapelo”?[14] O que pode ser esta vontade de verdade? Lembro que temos no Brasil uma Comissão da Verdade. A verdade do passado é buscada, animada pela ética de uma ação no presente e não como uma possível adequação científica entre palavras e fatos.

Um exemplo: em 2018, passou-se a contar a história do cais de Valongo. ‘Sabia-se’ há tempos que havia no Valongo um cemitério de escravos. Mas só determinadas condições políticas e culturais permitiram que o cemitério fosse descoberto por acaso e a história começasse a ser contada. É o momento presente que dita a maneira como historiamos o passado.

Neste sentido, é preciso levar em conta o peso da defesa contra o acontecimento traumático: o recalcamento é uma defesa, um querer perder, como sugere Certeau.[15] Não é uma escolha entre ‘vou esquecer isso’ ou ‘não vou me esquecer disso’. O retorno do recalcado é mais poderoso do que o acontecimento traumático. Nietzsche, em sua Segunda consideração intempestiva: Da utilidade e da desvantagem da história para a vida, propõe:

Certamente precisamos da história, mas não como o passeante mimado no jardim do saber, por mais que este olhe com desprezo para as nossas carências e penúrias rudes e sem graça. Isto significa: precisamos dela para a vida e para a ação, não para o abandono confortável da vida ou da ação ou mesmo para o embelezamento da vida egoísta e da ação covarde e ruim. Somente na medida em que a história serve à vida queremos servi-la. [16]

Olhando as vacas pastando, o homem se orgulha de sua superioridade, mas também inveja o animal em sua a-historicidade, vivendo sob “a estaca do instante”[17]. O homem não pôde aprender a esquecer, está preso ao passado que retorna como fantasma e perturba seu presente. A felicidade seria o poder-esquecer, a capacidade de sentir a-historicamente. Nietzsche prescreve: “O histórico e o a-histórico são na mesma medida necessários para a saúde de um indivíduo, um povo e uma cultura”[18].

Para pensar esta questão de um direito ao esquecimento, vamos recordar Primo Levi. Químico, judeu, italiano de Turim, foi deportado para o campo de concentração de Auschwitz na Polônia. Do seu grupo, só três sobreviveram. De volta à Turim, passa a escrever sobre suas lembranças de Auschwitz. Termina por suicidar-se em 1987.

Primo Levi conta que tinha um sonho recorrente que continuou mesmo depois de libertado:

Aqui está minha irmã e algum amigo e muitas outras pessoas. Todos me escutam enquanto conto do apito de três notas, da cama dura, do vizinho que gostaria de empurrar para o lado, mas tenho medo de acordá-lo porque é mais forte do que eu. Conto a história da nossa fome, do controle dos piolhos, e do Kapo que me deu um soco no nariz e logo mandou que me lavasse porque sangrava. É uma felicidade interna, física, inefável, estar em minha casa, entre pessoas amigas e ter tanta coisa para contar, mas bem me apercebo de que eles não me escutam. Parecem indiferentes, falam entre si de outras coisas como se eu não estivesse ali. Minha irmã olha para mim, levanta, vai embora em silêncio. Nasce então, dentro de mim, uma pena desolada, como certas mágoas de infância que ficam vagamente em nossa memória… uma dor dessas que fazem chorar as crianças.[19]

Primo Levi relata que este foi um sonho recorrente durante sua estada em Auschwitz. Contou o sonho e o fato de ser um sonho recorrente para seu companheiro Alberto que disse que também era o sonho dele e de todos ali, o mesmo sonho. “Por quê?”, pergunta-se Levi, “por que o sofrimento de cada dia se traduz na cena repetida da narração que ninguém escuta?”[20]

Este sonho tem sido muito trabalhado em contextos em que há uma ética do presente, uma dimensão política segundo a qual a luta contra o esquecimento faz parte da luta contra o retorno do horror e por um presente melhor. Mas me parece que este sonho deve ser interpretado freudianamente. Ora, segundo Freud, sabemos que os sonhos são egoístas, isto é, são sobre o sonhador, embora o sonho traumático tenha uma outra função. Esta função outra, que não a realização de desejo, seria a elaboração do trauma através da repetição. O sonho de Primo Levi atenderia, portanto, as duas funções: elabora o trauma e realiza o desejo de esquecer e não falar mais disso que não se quer ouvir.

 3 | À margem: Derrida, Benjamin e De Certeau

3.1 | Viver com os fantasmas

Em 1993, Derrida abriu o colóquio internacional Whither marxism? (Para onde vai o marxismo?). Wither (sem “h”) também significa perecer, um título bem ambíguo. Mais tarde, publicou esta conferência no livro Espectros de Marx, traduzido no Brasil em 1994.[21]

Derrida parte exatamente de onde paramos: o antagonismo. Toma a expressão francesa apprendre a vivre a quelqu’un que significa punir, castigar. Mas apprendre significa também ensinar. Em português seria “dar uma lição”. Aí se revela a cena de bate-se numa criança: a lição é apanhar: “A ideia de base é ‘a lição’ assimilada à ‘punição’”[22], o que é revelador “da natureza sádica do ensino na sociedade latino-cristã […] que teria pervertido profundamente o ideal socrático”[23]. Escreve Derrida:

Pois, na boca de um mestre, este fragmento de palavra de ordem sempre dirá alguma coisa sobre a violência. Vibra como uma flecha, na destreza de uma aptidão irreversível e dissimétrica que passa, o mais das vezes, de pai para filho, do mestre ao discípulo, do senhor ao escravo. Não se aprende a viver vivendo. Só se aprende a viver pelo outro e pela morte.[24]

E é neste lugar entre a vida e a morte que Derrida localiza o espectro, o fantasma. Trata-se de aprender a viver com os fantasmas. Estar com os fantasmas é uma política da memória, da história, da herança e das gerações.

Derrida esclarece sua questão: é em nome da justiça que fala de fantasmas, isto é:

É preciso falar do fantasma, até mesmo ao fantasma e com ele, uma vez que nenhuma ética, nenhuma política, revolucionária ou não, parece possível, pensável e justa sem reconhecer em seu princípio o respeito por esses outros que não estão mais e por esses outros que ainda não estão aí, presentemente vivos. (…) Justiça alguma (…) parece possível ou pensável sem o princípio de alguma responsabilidade para além de todo presente vivo, nisto que desajunta o presente vivo, diante dos fantasmas daqueles que já estão mortos ou ainda não nasceram, vítimas ou não das guerras, das violências políticas ou outras dos extermínios nacionalistas, racistas, colonialistas, sexistas ou outros, das opressões do imperialismo capitalista e todas as formas de totalitarismo.[25]

Sem essa “não-contemporaneidade a si do presente vivo”[26], não haveria justiça. Ser justo, para além do presente simples, é momento espectral. Os espectros vêm desajuntar a identidade a si do presente. “É preciso contar com eles … são mais de um: o mais de um.”[27]

O mais de um indica um além da identidade, o espectro desajunta o tempo presente: The times are out of joint, escreve Shakespeare, traduzido por Millôr Fernandes: “O tempo está desnorteado”.[28]

Ora, a frase inicial do manifesto comunista é: “Um espectro assombra a Europa: o espectro do comunismo”[29]. Derrida compara o espectro do comunismo com o fantasma do pai de Hamlet. Hamlet (que Freud considera o Édipo moderno) é exortado pelo ghost de seu pai assassinado a vingá-lo. Hamlet hesita, procrastina. Já no ato I, o fantasma faz sua aparição (está com a armadura do rei Hamlet) e sua fala: “Sou o espírito do seu pai (…) se algum dia você amou seu pai (…) vinga esse desnaturado infame assassinato (…) lembra de mim.”[30]. Observemos que não é o rei que fala, é seu fantasma. Fala em nome do pai.

A aproximação entre estes dois espectros é muito interessante: aponta para o caráter de denúncia de uma injustiça, pois, embora com enredos diferentes, cobram justiça. No caso de Hamlet, para o assassinado e no caso do espectro do marxismo, para a opressão do proletariado. Os espectros mobilizam o sentimento de culpa. O espectro de Marx nos lembra de nossa dívida histórica com a escravidão e com a desigualdade social. Recordo aqui que Freud situa o surgimento do sentimento de culpa no momento após o assassinato do pai da horda. O impulso original de Marx foi uma promessa messiânica de justiça, um outro espectral, uma promessa que só existe no porvir. A virada totalitária que culminou no stalinismo tinha raízes neste messianismo, mas transformou-se numa máquina de matar opositores: foram muitos milhões de mortos. Para Zizek, aí se encontra o ponto cego do comunismo, ‘seu forcluído’: o que não foi simbolizado, a relação entre a massa e o líder, retornou como culto à personalidade.[31]

O espectro do comunismo, ou o mais atual espectro de Marx, que aparece no chamado marxismo cultural ou guerra cultural marxista, propõe que a luta de classes e a desigualdade social teriam um fim e a história também. Para Freud, depois do assassinato do pai, os irmãos estabelecem a democracia, ou seja, o lugar do poder fica vazio. Mas a democracia é difícil, exige nível civilizatório alto… A mim parece que Derrida aponta para a sustentação de um ideal igualitário que seria justo, quase sinônimo de justiça, como um meio de temperar a pulsão de morte, encarnada no necropoder. Como diz o fantasma do pai: “Lembra de mim!”, para minorar o gozo mortífero.

Por aí, vamos passar a Benjamin[32], pois o seu messianismo é também a sustentação no presente de um ideal.

3.2 | A queda da palavra na significação

É impossível falar de W. Benjamin sem pensar na Segunda Guerra Mundial. Tentando, em um grupo, sair da França para escapar da Gestapo, Benjamin, que já estivera recolhido num campo de trabalhos, acaba por se precipitar quando o grupo é detido num posto de fronteira e toma cianureto. No dia seguinte, o grupo foi liberado.

De fato, Benjamin pertence a uma geração muito marcada pelos totalitarismos nazista e stalinista no século XX. Nasceu em 1903, judeu alemão, filósofo, historiador, crítico literário. Muito próximo ao judaísmo, produziu uma obra original, fragmentada, com estilo inconfundível e difícil. Brecht, junto a Adorno e Horkheimer, da Escola de Frankfurt, se incomodavam com a sua religiosidade e ficaram consolados quando Benjamin finalmente se “converteu” ao materialismo histórico. Vou apresentar alguns conceitos de Benjamin.

O primeiro é a perda da experiência. Para Benjamin, a experiência repousa sobre a possibilidade de uma tradição compartilhada com uma comunidade, tradição esta que é retomada e transformada por cada geração, na continuidade de uma palavra transmitida de pais a filhos. A “experiência” é uma dimensão que, ao mesmo tempo, transcende e comporta a existência de cada um. Reconhecemos aí o Simbólico de Lacan. O que ocorre quando esta experiência é rompida ou perdida por fatores históricos como guerras, migrações genocídios, etc? O choque (termo de Benjamin) ou o trauma corta o acesso à experiência, à linguagem, ao Simbólico. Há um emudecimento devido à impossibilidade de assimilar o choque.

Nesse caso, o historiador e o annalista (como disse Lacan, comparando o analista ao historiador que consulta os anais)[33] tentam construir uma outra narrativa, a partir das ruínas da narrativa; uma transmissão feita dos cacos de uma tradição. Restos, rastros, fragmentos, resquícios, Benjamin é um catador de cacos, semelhante ao analista. Seria a tarefa do historiador e do analista, a transmissão do inenarrável. Em oposição à história contada pelos vencedores, sempre comemorativa dos grandes feitos, Benjamin propõe a rememoração, que é uma ascese da atividade historiadora no que se abre ao buraco, ao branco, ao esquecido, ao recalcado.

Fragmento de um texto de Benjamin sobre o mundo messiânico onde desvela-se seu estilo:

É o mundo da atualidade integral e de todos os lados, aberta. Somente nele há pela primeira vez uma história universal. Aquilo que se chama hoje com esse nome só pode ser uma espécie de Esperanto. A ela (a história universal) não pode corresponder nada até que a confusão que provém da torre de Babel seja eliminada. Ela pressupõe a língua na qual todo texto de uma língua viva ou morta deve ser traduzido. Ou melhor, ela própria é essa língua. Mas não como escrita, antes como festivamente celebrada. Este mundo se cumpre como uma festa. Esta festa é purificada de toda solenidade, nenhum tipo de canto a acompanha. A sua língua é uma prosa integral que faz saltar as cadeias da escrita e é compreendida por todos os homens (como a língua dos pássaros é compreendida pelas crianças nascidas nos domingos). [34]

A ideia de uma prosa integral coincidiria com a ideia messiânica da história universal. A leitura deste texto provoca um efeito de desconcerto. É poesia? É proposta? É uma fantasia? O estilo de Benjamin foi denominado fragmentarismo construtivo, o que não fica distante do método psicanalítico. Apesar de, em geral, os lacanianos não lerem Benjamin e os benjaminianos não lerem Lacan, fato bem observado por Claudio de Oliveira, que  tentou  aproximar a ideia de língua pura, que seria uma língua não submetida ao imperativo da significação, libertada da opressão de dizer algo com sentido, com lalangue.[35]

Para adentrarmos o tal mundo messiânico, temos que voltar à sua concepção de história, pois parece que há quase uma sinonímia entre história universal, mundo messiânico e língua pura.

Benjamin considera que o surgimento da condição histórica do homem coincide com o surgimento da significação na linguagem humana. Contar a história é significar. É dar sentido ao Real do vivido. A história surge ao mesmo tempo que a significação.

A partir desta relação entre história e linguagem ou, mais precisamente, entre história e significação, Benjamin ousa pensar em um momento que, ora situa como adâmico, num início, ora situa num fim pós histórico, onde a linguagem se libertaria do sentido. Ou seja, no início ou no fim, não haveria significação. Na vertente adâmica, Benjamin situa no Gênesis a queda da palavra na significação. A palavra, em sua pura vida sentimental, onde é puro som de sentimento, gozo diria Lacan, decairia para a significação. Esta língua pura é a essência mais íntima da própria linguagem (lalangue?); é aquilo através do que não se comunica mais nada. É a própria linguagem que se comunica. Nesta linguagem, não pode existir o problema do indizível, que é o que caracteriza a linguagem humana. Este é o nosso pecado original: significar. Para Benjamin, o Gênesis é sobre a origem da linguagem: a passagem de uma língua insignificante para uma língua significante.

Na outra acepção, a do fim, temos o sentido pós-histórico, messiânico. Escreve Benjamin:

Liberá-la desse sentido, fazer do simbolizante o próprio simbolizado, reintegrar ao movimento da língua a pura língua que tomou forma, tal é o maravilhoso e único poder da tradução. Nesta pura língua, que não significa mais nada e não exprime mais nada finalmente toda comunicação, todo sentido e toda intenção atingem um estrato em que seu destino é apagar-se.[36]

Ora, Benjamin está falando de uma experiência da palavra sem a mediação da significação, ou seja, além ou aquém da ordem fálica. Poderíamos aproximá-la do heteros? Ou do dizer, aquilo “que fica esquecido por trás do que se diz no que se ouve”[37]? Um dizer que não ‘quer’ dizer nada, não ‘quer’ significar nada. Seria a “cristalina eliminação do indizível da linguagem.”[38] Sim, porque tentar dizer é o que sustenta a fala donde o indizível estaria eliminado Final da análise? Para Lacan, o fim da análise é, de certa maneira, o fim da histéria.[39] E o sinthoma é um savoir faire, não um saber dizer. Claudio Oliveira escreveu sobre Benjamin e Lacan: “Eu creio que no final da análise, o sujeito se libera de sua histéria e experimenta isso que Benjamin chama de o ‘mundo de uma atualidade total’”.[40] Este mundo cessa de não se escrever. Na vertente adâmica, seria como um mundo anterior ao recalque, anterior a qualquer perda: universal, integral, total. Por essa razão, foi atraído e finalmente, para alívio de seus amigos Brecht e Adorno, se ‘converteu’ ao materialismo histórico com sua promessa de fim da história: uma sociedade sem classes, sem antagonismos.

O messianismo de Benjamin se opõe ao historicismo positivista da época, ao progresso, à industrialização, às inovações tecnológicas, ao conceito de profissões e especializações científicas. Identificava-se com Tolstói, que abandonou tudo e foi viver no mato, movido pela ideia de salvação. Opunha-se a que a vida profissional fosse regulamentada e regida pelo Estado. Sua ideia era restituir ao homem sua totalidade. Há esperança política na noção de restituição da justiça, uma esperança ética. Este desejo de justiça é subjacente à concepção de redenção pelo Messias.

3.3 | Um passo para o lado

De Certeau pode ser definido como um “passante”[41] pela maneira como atravessa campos do saber e do crer, sem direito de aí residir. Apresentava-se como jesuíta psicanalista, o que provoca estranhamento nos analistas, pois um crente não ‘poderia’ ser analista. É exatamente esse o ponto: apesar de ter se aproximado da psicanálise pelos textos ligados ao misticismo, como A possessão demoníaca, de Freud, de 1923 (possessão ocorrida em 1677; o caso das possessões de Loudun, analisado por De Certeau, ocorreu em 1634), O caso Schreber (1911) e Moisés e o Monoteísmo (1939), De Certeau vai afirmar que o desprezo que a psicanálise e a filosofia tem pelas religiões e pelo misticismo em geral revela que há um abuso do saber sobre o crer. Mesmo assim, designado pela Companhia de Jesus para historiar a mística dos sécs. XVI e XVII, De Certeau se aproxima da psicanálise em busca de um novo instrumento de compreensão das ‘coisas da alma’.

Queria contextualizar o momento histórico que permitiu que, na fundação da École Freudienne de Paris, entre 134 membros, três fossem jesuítas.

A França se atrasou muito na recepção da psicanálise por resistência à cultura e língua alemã e pelo meio psiquiátrico, cioso do valor de suas teorias. Com a Igreja católica, pior ainda: acusada de pansexualismo, a psicanálise considerava a fé cristã uma ilusão. O Concílio Vaticano II (1962-1965) foi o grande degelo. Aos poucos, a aceitação da psicanálise entre os católicos aumentou. Padres buscaram a análise e alguns se tornaram analistas. Certeau atendia religiosos com problemas e seu supervisor era Lacan.

Mesmo como membro da escola, De Certeau manteve sua posição de entremeio. Seu desejo era estudar o enlaçamento das práticas intelectuais, religiosas, políticas e sociais, sem se autorizar como agente de nenhum discurso, fazendo uma epistemologia destas práticas. No seu entender, as instituições teriam basicamente a função de levar o outro a crer em uma adequação entre um discurso e um real e a partir daí, tomar este discurso como a lei do real. A vida social exigiria a crença que se articula a partir dos saberes garantidos por estas instituições científicas, filosóficas e religiosas. Pretendia escrever uma antropologia do saber e do crer, mas morreu antes, aos 60 anos.

A meu ver, esta posição de epistemólogo das instituições do saber, do crer e do agir o leva a ocupar um lugar político. Vejamos como.

Há um conceito fundamental em De Certeau: a heterologia. Trata-se, literalmente, de um saber sobre o outro. Estaríamos no campo do héteros de Lacan?  Na verdade, a heterologia é a concepção de De Certeau sobre a história: é um saber sobre o outro ausente.[42] O modelo é Robinson Crusoé e a pegada na areia. Este vestígio de outro, daí a heterologia, é um ausente, campo do espectral. A história então é entendida como uma fabricação sobre este ausente. O texto historiográfico tem um caráter performático no sentido de organizar uma narrativa com personagens em uma mise-en-scène.

Esta posição de entremeio aos discursos e às instituições permitiu a De Certeau denunciá-los como colonialistas. O colonialismo consiste em ocupar os espaços do outro e reduzi-lo à mesmidade absorvendo, neutralizando e colonizando a alteridade. Reconhecemos aí o Bate-se numa criança. Masoquismo fundante da subjetividade, a criança entra na linguagem, esta surra do significante. De uma certa maneira, se deixar colonizar pelo Outro é a melhor hipótese. Talvez aí o ponto cego de De Certeau: pretender falar de nenhum lugar. O lugar do agente na segunda escrita dos discursos é o semblant. Ou seja, ele não garante verdade nenhuma.

De Certeau publicou A possessão em Loudun[43] em 1970 e, em 1975, o texto A linguagem alterada no livro A escrita da História.[44] No primeiro, sua leitura é mais voltada para o cenário político religioso da época. No segundo, analisa mais de perto a Madre Superiora Joana dos Anjos.

Vou fazer um relato resumido da possessão, ocorrida nos anos 1632-1936 no convento das ursulinas. Os personagens são: o pároco da igreja local Urbain Grandier, Madre Superiora Joana dos Anjos, o intendente do rei, Barão de Loubardemont, o exorcista jesuíta padre Surin, os médicos e a plateia. Loudun foi palco de lutas religiosas intensas entre a Igreja católica e os reformistas. Por outro lado, a progressiva consolidação do poder do Estado deslocava o campo dos embates entre religiões para o embate entre o Estado e as religiões. Em 1632, a peste assolou a cidade matando um terço de seus habitantes. Quando a peste cedeu, a Madre Joana dos Anjos viu por várias vezes o fantasma de seu confessor, falecido pouco antes. Logo depois, outro fantasma começou a se apresentar à luz do dia emanando perfume de flores. Em seguida, surgiram fenômenos localizados no corpo de Madre Joana e também das outras freiras: contorções, modulações bizarras das vozes, expressões faciais estranhas e gritos apavorantes. Uma multidão de religiosos acorre ao local e define o fenômeno como uma possessão diabólica. Logo os odores cedem lugar à linguagem verbal, através da enunciação dos nomes peculiares dos demônios que habitam o corpo das freiras: Astaroth, Zabulon, Nephtalon, Achad, Allix, Uriel etc. Cada demônio tem vozes e papéis conhecidos e estabelecidos há muito na tradição local. Ou seja, são velhos conhecidos dos crentes, espera-se por eles. Nas sessões de exorcismo, o demônio confessa que foi o pároco Urbain Grandier o autor do feitiço que colocou o diabo no corpo da Madre Joana dos Anjos. Este padre era um grande pregador, mas também um grande sedutor que chegou a ser preso por um escândalo sexual.

As notícias da possessão logo chegam ao palácio real em Paris. O Barão de Loubardemont é enviado a Loudun, pois o governo local estava protegendo Grandier das acusações de feitiçaria. Manda prender Grandier e, ao mesmo tempo, estimula que as sessões de exorcismo saiam do âmbito do convento e ganhem a praça pública, agora com o acréscimo de um grupo de médicos. O processo contra Grandier mobiliza também a população, dividida em torcidas pró e contra. Grandier não confessa, mas mesmo assim é condenado por magia, sortilégio, irreligião, impiedade, sacrilégio e crimes abomináveis. Em dez dias de processo, Grandier é queimado vivo em praça pública.

Após a brutal e sumária execução, a possessão perde força, mas a madre Joana continua sendo exorcizada, ainda por mais dois anos, pelo padre Surin. Exorcista renomado, Surin fica obcecado com o caso de tal forma que, enquanto a Madre Joana dos Anjos vai se libertando dos demônios, o exorcista vai definhando e acaba por ser possuído também. É recolhido ao mosteiro onde enlouquece e onde permanece até sua morte.

Madre Joana dos Anjos, afastados os demônios, começa a ter visões de São José, que não por acaso era o primeiro nome do Padre Surin. Surgem inscrições milagrosas em suas mãos que a levam a uma viagem triunfante pela Europa afora. Instalava-se atrás de uma parede ou biombo com uma janelinha baixa, sentava-se num banquinho com a mão para fora e os crentes faziam fila do lado de fora para ver o milagre. Até que um não crente raspou a tinta com a ponta da sua unha e escancarou a fraude. Madre Joana pareceu não se abalar: voltou para Loudun e escreveu sua biografia no convento onde terminou   tranquilamente seus dias.

Escreveu De Certeau:

Geralmente, o estranho circula discretamente nos subterrâneos de nossas ruas. Mas basta uma crise para que de todos os lados, como um rio inflado pela cheia, ele se erga do subsolo, levante as tampas dos bueiros invadindo os porões e em seguida, a cidade (…) [,] ele só faz revelar a existência, no debaixo, de uma resistência interna jamais reduzida. Esta força à espreita se insinua nas tensões da sociedade… De repente, ela agrava as tensões, ultrapassa os limites das canalizações sociais, quebra barreiras, abre caminhos que depois de sua passagem, deixarão uma outra paisagem e uma ordem diferente.[45]

A possessão em Loudun marca o fim da chamada Idade Média, fim do feudalismo, da razão religiosa substituída pela razão do Estado. É sintoma. Mas De Certeau sublinha também uma analogia entre a relação do analista com o paciente e a do exorcista com a possuída, observada por Freud em carta a Fliess.[46] Traz a célebre frase de Rimbaud, “Eu é um Outro”[47], pois a possuída diz: “algum outro fala em mim”.[48]  O exorcista quer saber o nome deste outro, pois esta é a única arma da terapêutica: nomear. Dizendo seu nome, o demônio entra na classificação da Igreja. O exorcismo é basicamente um procedimento de nomeação. Dizer seu nome é inscrever-se na classificação e isso produz submissão imediata.

Os médicos também querem dar nome à doença. Mas assim como o diagnóstico não cura a doença, e às vezes, não há adesão ao tratamento, Madre Joana transgride este código. Ela pula um nome para outro, não se deixando capturar. Não só não diz, mas, além de brincar de adivinhação com a plateia, inclui nomes fora da lista, como Rabo de Cachorro ou Inimigo da Virgem. Depois de dois anos desta batalha, padre Surin sucumbiu. O saber religioso perde poder, através da desconstrução da cena mística levada a cabo por um sujeito que destituiu o exorcista de seu lugar.

A possessão, ou podemos dizer a alienação, revela a presença do outro de forma invasiva e oprimente, o que leva o sujeito a querer se livrar do estrangeiro que o coloniza por dentro. A possessão não acabou. Apesar de ainda haver exorcistas e visionários e psicografias e exibição de milagres, parece que o exorcista hoje está chamado a eliminar o perigo do outro. Segundo Lévi-Strauss, há sociedades antropoêmicas e antropofágicas. As primeiras ejetam, vomitam, expelem o outro perigoso e o mantém sob vigilância. As sociedades antropofágicas tentam absorver o outro perigoso cooptando-o e neutralizando-o.[49]

Como disse Derrida, é preciso falar com o fantasma. “Comê-lo cru”[50].

REFERÊNCIAS

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* Cláudia de Moraes Rego é psicanalista, doutora em teoria psicanalítica pela PUC-Rio, membro da Escola Letra Freudiana, tradutora de Mal de arquivo (Relume-Dumará, 2001), de Jacques Derrida, autora de Traço, letra, escrita: Freud, Derrida, Lacan (7Letras, 2006).



[1] BENJAMIN, Walter. “Sobre o conceito de História”. In: O anjo da História. Belo Horizonte: Autêntica editora, 2012, p. 14.

[2] VELOSO, Caetano. Índio. In: Bicho. Rio de Janeiro, Polygram, 1977. Para uma interessante reflexão sobre o índio oculto ou isolado, convém consultar o texto citado em Brasil, país do futuro do pretérito do antropólogo Viveiros de Castro, onde o índio isolado é descrito como” habitante da dimensão espectral da metafísica antropológica nativa”. O autor imagina que estes índios isolados permanecerão quando extintos, “sob a forma de seres por assim dizer virtuais, como uma reserva ou remanência espectral sempre à espreita no fundo do espírito dos povos indígenas e nos seus descendentes dispersos na população nacional”. CASTRO, Eduardo Viveiros de. Brasil, país do futuro do pretérito: aula inaugural do CTCH, PUC-Rio. Rio de Janeiro: N-1 Edições, 2019, p. 7; 10. Disponível em: <www.n-1edicoes.org/cordeis/BRASIL,%20PA%C3%8DS%20DO%20FUTURO%20DO%20PRET%C3%89RITO-7>. Acesso em: 24 de novembro de 2020.

[3] Thomas Woodrow Wilson foi o presidente norte-americano que esteve à frente dos EUA durante a primeira guerra mundial, governando entre 1913 e 1921.

[4] FREUD, Sigmund. “Moisés e o monoteísmo”. In: Obras Completas, vol. XXIII. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1976, p. 92 e 93.

[5] DE CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano. Petrópolis: Editora Vozes, 1994, p. 285.

[6] FREUD, Sigmund. “Moisés e o monoteísmo”. In: Obras Completas, vol. XXIII. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1976, p. 153.

[7] FREUD, Sigmund. “A interpretação dos sonhos”. In: Obras Completas, vol. V. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1969, p. 280.

[8] Agradeço a Eduardo Viveiros de Castro o neologismo rexistir. Disse ele, em aula inaugural da Puc-Rio, em 2019, sobre os povos indígenas do Brasil, símbolo da resistência contra o projeto de extermínio das diferenças do atual governo: “Seu existir é, inerentemente, um resistir, o que condenso no neologismo rexistir”.

[9] ADORNO, Theodor W.; HORKHEIMER, Max; Dialética do esclarecimento. Trad. Guido A. de Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985, p. 11.

[10] KAVÁFIS, Konstantinos. Poemas. Tradução de José Paulo Paes. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1982, p. 106.

[11] ZIZEK, Slavoj. “O espectro da ideologia”. In: Um mapa da ideologia. Rio de Janeiro: Contraponto Editora, 2010, p. 25.

[12] ZIZEK, Slavoj. “O espectro da ideologia”. In: Um mapa da ideologia. Rio de Janeiro: Contraponto Editora, 2010, p. 34.

[13] “Para menorizar a verdade, como ela merece, é preciso ter entrado no discurso analítico. O que o discurso analítico desaloja põe a verdade em seu lugar, mas não a abala.” LACAN, Jacques. Encore (1972-1973). Rio de Janeiro: Escola Letra Freudiana, 2010, p. 227. Essa questão é também abordada por Lacan na lição de 12/05/1965, no seminário Problemas cruciais para a psicanálise. CF: LACAN, Jacques. O seminário, livro 12: Problemas cruciais para a Psicanálise. Recife: Centro de Estudos Freudianos do Recife, 2006.

[14] BENJAMIN, Walter. “Sobre o conceito de História”. In: O anjo da História. Belo Horizonte: Autêntica editora, 2012, p. 13.

[15] “Mas em Freud a tradição se particulariza, não sendo apenas relativa a uma perda, mas estando presa nas estratégias de um querer perder. (…) É o movimento que prossegue durante os tempos da latência, na tradição que quer esquecer e que, trabalhando para apagar a lembrança do assassinato inicial, trai (revela) aquilo que oculta. Não querer o saber: a tática do recalcamento é precisamente o que constitui pela produção de um ‘esquecido’(não-sabido), o saber do assassinato do pai primitivo.” CERTEAU, Michel de. A Escrita da História. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006, p. 317.

[16] NIETZSCHE, Friedrich. Segunda consideração intempestiva– da utilidade e desvantagem da história para a vida. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2003, p. 7.

[17] NIETZSCHE, Friedrich. Segunda consideração intempestiva– da utilidade e desvantagem da história para a vida. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2003, p. 11.

[18] NIETZSCHE, Friedrich. Segunda consideração intempestiva– da utilidade e desvantagem da história para a vida. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2003, p. 11.

[19] LEVI, Primo. É isto um homem? Rio de Janeiro: Rocco, 1998, p. 11.

[20] LEVI, Primo. É isto um homem? Rio de Janeiro: Rocco, 1998, p. 140.

[21] DERRIDA, Jacques. Espectros de Marx: o estado da dívida, o trabalho do luto e a nova Internacional. Trad. Anamaria Skinner. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994.

[22] DERRIDA, Jacques. Espectros de Marx: o estado da dívida, o trabalho do luto e a nova Internacional. Trad. Anamaria Skinner. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994, p. 9, nota de rodapé 1.

[23] Les usuels de Robert, citado por: DERRIDA, Jacques. Espectros de Marx: o estado da dívida, o trabalho do luto e a nova Internacional. Trad. Anamaria Skinner. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994, p. 9, nota de rodapé 1.

[24] DERRIDA, Jacques. Espectros de Marx: o estado da dívida, o trabalho do luto e a nova Internacional. Trad. Anamaria Skinner. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994, p. 10.

[25] DERRIDA, Jacques. Espectros de Marx: o estado da dívida, o trabalho do luto e a nova Internacional. Trad. Anamaria Skinner. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994, p. 12.

[26] DERRIDA, Jacques. Espectros de Marx: o estado da dívida, o trabalho do luto e a nova Internacional. Trad. Anamaria Skinner. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994, p. 12.

[27] DERRIDA, Jacques. Espectros de Marx: o estado da dívida, o trabalho do luto e a nova Internacional. Trad. Anamaria Skinner. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994, p. 13.

[28] SHAKESPEARE, William. Hamlet Rio de janeiro: L&PM 1988, p.51.

[29] MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. O Manifesto Comunista. São Paulo: Paz e Terra, 1996, p. 7.

[30] SHAKESPEARE, William. Hamlet. Rio de Janeiro: L&PM, 1988, p. 43 e 46.

[31] ZIZEK, Slavoj. “O espectro da ideologia”. In: Um mapa da ideologia. Rio de Janeiro: Contraponto Editora, 2010, p. 34.

[32] BENJAMIN, Walter. “Sobre o conceito de História”. In: O anjo da História. Belo Horizonte: Autêntica editora, 2012.

[33] LACAN, Jacques. O Seminário, livro 9: A Identificação. Recife: Centro de Estudos Freudianos de Recife, 2003, p. 135.

[34] BENJAMIN, Walter. “Sobre o conceito de História”. In: O anjo da História. Belo Horizonte: Autêntica editora, 2012, p. 185.

[35] OLIVEIRA, Claudio. Língua pura e alíngua: um encontro (im)possível entre Benjamin e Lacan. Revista Trágica: estudos de filolsofia da imanência, Rio de Janeiro, v.9 nº 2, p. 41-50, 2016.

[36] BENJAMIN, Walter. Gesammelte Schriften. Edição de Rolf Tiedemann e Hermann Schweppenhäuser. Frankfurt am Main: Suhrkamp, v. I, t. 3, 1972-1982, citado por: OLIVEIRA, Claudio. Língua pura e alíngua: um encontro (im)possível entre Benjamin e Lacan. Revista Trágica: estudos de filosofia da imanência, Rio de Janeiro, v.9 nº 2, 2016, p. 48.

[37] LACAN, Jacques.  “O aturdito”. In: Outros escritos. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 2003. p. 448.

[38] BENJAMIN, Walter. Gesammelte Schriften. Edição de Rolf Tiedemann e Hermann Schweppenhäuser. Frankfurt am Main: Suhrkamp, v. I, t. 3, 1972-1982, citado por: OLIVEIRA, Claudio. Língua pura e alíngua: um encontro (im)possível entre Benjamin e Lacan. In: Revista Trágica: estudos de filosofia da imanência, Rio de Janeiro, v.9 nº 2, 2016, p. 48.

[39]  Histéria é minha proposta de tradução para hystoire, neologismo de Lacan que amalgama histoire com hystérie. Cf: REGO, Claudia de Moraes. Matou-se Getúlio: histéria*, fantasma e história. In: Trivium, Rio de Janeiro, v. 12, n. spe, p. 23-30, set.  2020.

[40] OLIVEIRA, Claudio. Língua pura e alíngua: um encontro (im)possível entre Benjamin e Lacan. Revista Trágica: estudos de filosofia da imanência, Rio de Janeiro, v.9 nº 2, 2016, p. 49.

[41] GIRARD, Luce “Um caminho não traçado” In: DE CERTEAU, Michel de. In: História e psicanálise. Belo Horizonte: Autêntica, 2016, p. 9.

[42] DE CERTEAU, Michel de.  História e psicanálise. Belo Horizonte: Autêntica, 2016, p.181.

[43] DE CERTEAU, Michel de. The Possession at Loudun. Chicago: The University of Chicago Press, 1970.

[44] DE CERTEAU, Michel. “A linguagem alterada”. In: A escrita da História. Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária, 2002, p. 243 -265.

[45] DE CERTEAU, Michel de. The Possession at Loudun. Chicago: The University of Chicago Press, 1970, p.1.Traduzido livremente do inglês.

[46] Carta de Freud a Fliess em 2 de novembro de 1896. In: MASSON, Jeffrey M. A correspondência completa de Sigmund Freud para Wilhem Fliess. Rio de Janeiro: Imago, 1986, p. 203.

[47]  Carta de Freud a Georges Izambard, 13 de maio de1871. In: RIMBAUD, Arthur. Oeuvres Complètes, Paris: Pléiade, 1946, p. 252.

[48] “Dito de outra maneira, meu primeiro ensaio de interpretação não dava um lugar suficiente a uma questão que, no entanto, permanecia no horizonte, a saber, o próprio discurso das possuídas, enquanto esse discurso se diz falado por um outro.  ‘Alguém fala por mim’: eis o que diz a possuída.” CERTEAU, Michel de. A Escrita da História. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006, p. 245 grifos do autor.

[49] Em 2012, a UERJ realizou um seminário sobre a antropoemia. Em relação à antropofagia, a antropoemia tem restado como tabu. A proposta seria retomar criativamente a antropoemia vomitando o que foi deglutido por vezes por imposição do mestre.

[50] Referência à música Vamos comer Caetano, de Adriana Calcanhotto. A estrofe original de onde o verso foi tirado é: “Pelo óbvio/Pelo incesto/Vamos comer Caetano/Pela frente/Pelo verso/Vamos comê-lo cru”. CALCANHOTTO, Adriana. Vamos comer Caetano. In: Marítimo. Rio de Janeiro: Columbia Records, 1998.




COMO CITAR ESTE ARTIGO | REGO, Cláudia de Moraes (2020) Rexistência: a insistência do que ex-siste. Lacuna: uma revista de psicanálise, São Paulo, n. -10, p. 1, 2020. Disponível em: <https://revistalacuna.com/2020/12/20/n-10-1/>.