Editorial

Em tempos em que o imperativo do Um pleiteia se afirmar enquanto o horizonte do possível de uma subjetividade supostamente aquém de sua época, parece-nos intrigante a experiência do dissenso. Neste fenômeno, é notável e estranhamente fecundo o fracasso da comunicação, lá onde ele expressa uma capacidade excêntrica de produzir efeitos recuperáveis no tempo, significáveis somente no só-depois.

O Um, ermo, segue desacompanhado no bonde descarrilhado da História. É Ela que nos mostra que o exílio do Um bloqueia e frustra as condições necessárias a toda e qualquer transmissibilidade pretendida. No devir da investida pública, abrigo a céu aberto da transmissão em que as ideias se lançam no para-além das circunstâncias do edicionável, não será a desresponsabilização pelo imprevisível que fará nascer uma comunidade de destino. Ao contrário, admitir e reconhecer o valor do ingovernável de nossas ações será o antídoto contra a sedutora ideia de que o que nos une é a mesma ideia, e não o mesmo amor.

A eficácia da intercomunicação que dilui os ensimesmamentos é medida menos pelos resultados da concordância do que pelos desafios que dela podem surgir lá onde não a esperávamos. Como se, para não fazer o elogio ingênuo ao dissenso, fosse preciso entender em que momento da História valores como consentimento ou condescendência passam a designar o seu contrário – déficits morais, sub-espécies da fraqueza e da covardia. Esses valores têm resultados desejados, é certo, mas não são obrigatórios. Estar em espaço público é “estar atento e forte”, diria o compositor, abdicando da tolerância seletiva e dos arbítrios da razão punitiva tão em voga em nosso momento histórico. Deve-se insistir: se os efeitos do dissenso desobrigarem a comunicação, talvez eles nos levem à comunicação. Quem sabe assim a união, sempre e necessariamente lacunar, imprevisível, desencontrada, não se faça então possível. “Ou não”, diria aquele mesmo compositor. Se não há tempo de a morte temer, a este deve-se dizer: jamais.