Populismo para atravessar a fantasia?

uma entrevista com Yannis Stavrakakis

 Thomás Zicman de Barros (entrevistador)

 

Desde a juventude, Yannis Stavrakakis nutria interesse pela psicanálise. Foi esse interesse que o levou, uma vez concluída sua graduação em Ciência Política em Atenas, a escolher o programa de pós-graduação em Ideologia e Análise de Discurso da Universidade de Essex, e a se mudar por alguns anos para a pequena Colchester, no Reino Unido. Criado pelo teórico político argentino Ernesto Laclau, que viria a ser orientador de Stavrakakis, tal programa de pós-graduação prometia articular abordagens de diversas perspectivas, como pós-estruturalismo, pós-marxismo, desconstrução e psicanálise.

A promessa de interdisciplinaridade era sem dúvida verdadeira, mas não se pode negar que Stavrakakis teve uma importante influência no aprofundamento do uso de noções psicanalíticas pela chamada Escola de Essex. Se Laclau já se referia à obra de Jacques Lacan, desde pelo menos seu primeiro debate com Slavoj Žižek, no começo dos anos 1990, a insistência de Stavrakakis por clareza conceitual, em parceria com o colega Jason Glynos, influenciou seu antigo orientador a ser ainda mais explícito em sua relação com conceitos psicanalíticos.

Stavrakakis iniciou ainda jovem sua produção intelectual. Em 1998, com apenas 28 anos, sugeriu a Simon Critchley, que à época editava a série Thinking the Political (Editora Routledge), a publicação de Lacan and the Political [Lacan e o Político, sem tradução em português], que seria lançado em 1999. Em 2007, Stavrakakis publicou The Lacanian Left [A Esquerda Lacaniana, também sem tradução em português], em que discute a obra de diversos pensadores políticos que, como ele, se influenciaram pelo pensamento de Jacques Lacan. Nos últimos anos, coordenou o grupo de pesquisa Populismus, além de um observatório político de fenômenos populistas, sediado na Universidade Aristóteles de Tessalônica, onde hoje é professor. Como Stavrakakis adiantou na entrevista que segue, uma de suas empreitadas teóricas atuais leva o título de The Routledge Handbook of Psychoanalytic Political Theory, um compêndio que trata dos diversos usos que a teoria política tem feito da psicanálise e que deve ser publicado em breve.

Foi no mesmo campus da Universidade de Essex, em que Stavrakakis iniciou sua carreira acadêmica, que nos encontramos, no dia 1º de agosto, para essa entrevista. Discutimos sobre a relevância da psicanálise para os estudos políticos, o conceito de populismo e como essas noções se relacionam com a perspectiva política que ele defende: a chamada democracia radical.

[O entrevistador]

 

TB | Há dez anos, você publicou um livro chamado The Lacanian Left (2007). Antes disso, você havia publicado outra obra intitulada Lacan and the Political (1999). Por que a psicanálise é importante para se entender fenômenos políticos?

YS | Em certa medida, os dois livros, em especial o segundo, buscavam registrar um movimento que tentava precisamente analisar a política através da psicanálise. Trata-se, é claro, de uma orientação que já havia sido abordada, muito antes do meu contato com essas questões. Na verdade, estamos falando de uma tendência iniciada a partir de limitações enfrentadas por abordagens mais tradicionais e que já eram sentidas no início do século XX. A própria emergência da psicanálise como teoria e prática clínica coincide com o surgimento dessas dificuldades de explicação, crítica e mobilização política, especialmente sentidas pela esquerda há mais de cem anos atrás.

Naquele momento, o problema crucial era o conceito que se tinha de sujeito e de subjetividade. Comumente, se adotava um modelo de subjetividade simplista, típico da modernidade: o sujeito visto como racional, autônomo, responsivo e dotado de certos direitos e faculdades naturais. Curiosamente, essa concepção foi aceita tanto pelo pensamento mainstream, quanto pelas abordagens críticas. O resultado foi o surgimento de diversas dificuldades, notadamente em círculos socialistas e comunistas.

Na perspectiva desses movimentos, se eu lhe explico por que você se comporta de certa forma, ou por que você é explorado de determinada maneira, você, como indivíduo racional, deveria ser persuadido a efetivamente mudar sua forma de ser. No entanto, às vésperas da Primeira Guerra Mundial, já era mais do que óbvio que as coisas não funcionavam dessa maneira. Por exemplo, o fato de muitos proletários terem preferido lutar por suas nações ao invés de dar prioridade para sua identidade de classe transnacional – o que deveria garantir um resultado mais internacionalista — foi uma clara indicação de que havia processos de inconscientes que sobredeterminavam decisões e comportamentos subjetivos, assim como comportamentos sociais coletivos — duas dimensões que são obviamente conectadas. Nada disso podia ser entendido a partir do quadro teórico tradicional, pelo qual então se pensava a subjetividade.

Essa foi, portanto, a razão pela qual houve uma virada rumo à psicanálise: para se construir uma nova forma de entender a subjetividade política e os processos de identificação. O que facilitou esse processo foi o fato de se tratar de um movimento de duas vias. O próprio Freud produziu vários trabalhos que tratavam de temas sociais e políticos, abrindo a psicanálise para esse tipo de reflexão. Mais tarde, Lacan, sempre dialogando com o grande debate sócio-político de sua época, continuou essa fertilização mútua. Assim, o espectro radical — composto por figuras como Wilhelm Reich, a Escola de Frankfurt, e depois Louis Althusser e a corrente pós-althusseriana — passou a desenvolver um interesse por essas formas alternativas de se entender a subjetividade e a identidade coletiva. Foi dessa maneira que uma teoria política psicanalítica começou a se formar. Livros como The Lacanian Left buscaram registrar essa tendência e formatá-la em uma direção mais sistemática, capaz de fazer avançar nossa capacidade reflexiva e embasar nossa ética e estratégia política.

TB | Você parece defender a tese de que a psicanálise pode fornecer uma bússola ética para a política, na direção do que pode ser chamado de projeto de “democracia radical”. Pode explicar como isso funcionaria? 

YS | Não estou seguro se usaria o termo “bússola”, porque isso se aproxima muito de formas tradicionais de moralidade: a moralidade do “bem” que Lacan tentou desalojar em seu trabalho e que Freud associava com o sadismo do superego.

Minha tentativa de relacionar a orientação ética da psicanálise com a democracia radical tem sido o resultado, uma vez mais, da falha das formas tradicionais em pensar uma estratégia política radical. Me parece que uma orientação psicanalítica envolve muito fortemente uma dimensão autocrítica. Ela não pretende substituir uma versão do bem por uma nova versão psicanalítica do bem, mas precisamente desativar essa noção tradicional do bem. Ela quer introduzir uma orientação para além de noções fálicas e fantasísticas do bem. E há aí todo um campo ético que emerge, ao desativarmos esse entendimento fálico e opressivo da moralidade.

Se isso é possível na prática analítica, através de estratégias como a “travessia da fantasia”, minha questão é: qual seu equivalente político e social? Precisamente por achar que não há uma divisão radical entre os níveis subjetivo e objetivo ou coletivo — eles são dois lados da mesma moeda —, acredito que seria possível encontrar tal equivalência [da “travessia da fantasia”] no plano coletivo.

Na política, em particular, acho que o desafio constante de institucionalizar uma cultura democrática – algo que começa ainda na Grécia Antiga, senão antes — envolve o desafio de se lidar com os limites do desejo pessoal, mas também dos laços intersubjetivos. É o desafio da vida comum, com os outros, de uma experiência que incarna ao mesmo tempo uma homogeneidade e uma heterogeneidade radicais, a promessa de identidade e a experiência de alteridade. Democracia é uma forma de lidar com esse paradoxo e de permitir a busca de um futuro melhor, mais igualitário, mais justo. Sem, no entanto, idealizar tal futuro, sem sucumbir às fantasias de plenitude e completude, e sem idealizar nossa capacidade de produzir algum tipo de milagre aqui e agora. Esse desafio sempre foi difícil, e é por isso que a democracia só preponderou por curtos períodos na história humana. Por outro lado, contudo, isso indica que temos algo pelo que vale lutar, que vale ser experimentado, na medida em que nos proveria o equivalente político dessa ética psicanalítica do Real.

TB | Em The Lacanian Left, você associa um projeto de democracia radical com a noção lacaniana de jouissance feminina, de gozo da falta, do não-Todo. Você parece opor esse gozo da falta ao gozo fantasístico de uma sociedade reconciliada, em que os “ladrões de gozo” teriam sido neutralizados, e apresenta essa identificação com a falta na ordem simbólica, como uma forma de realizar a travessia da fantasia. Mas será que essas duas formas de gozo são incompatíveis ou mesmo separáveis? Você cita um exemplo utilizado por Slavoj Žižek, sobre a queda do regime de Nicolae Ceaușescu na Romênia. Nessa ocasião, o brasão socialista foi recortado do centro da bandeira romena, o que representaria a falta na ordem simbólica. No entanto, esse corte na bandeira também representava a rejeição do regime que derrubavam, um regime que talvez fosse apresentado, ali, como “roubando o gozo” do povo. Enfim, é possível uma vida política sem fantasia?

YS | Obviamente não há vida sem fantasia. E não há tampouco identidade sem diferença. Então, estamos falando de um problema inevitável. A questão é saber até que ponto podemos avançar.

Sempre haverá várias fantasias nos sendo oferecidas e elas podem ser muito atrativas, porque somos marcados pela castração simbólica, pela falta que não pode ser verdadeiramente apagada. Nossa realidade sócio-simbólica nos oferece uma variedade de objetos prometendo soluções para essa falta. Essas pretensas soluções podem ser conservadoras ou progressistas, de esquerda ou de direita — todo tipo de objeto pode exercer essa função particular. Assim, para algumas pessoas, a promessa utópica, comunitária, de uma sociedade de esquerda ou comunista pode exercer a mesma função que, para outras pessoas, é exercida pela propaganda consumista de uma nova Lamborghini. Em todos esses casos, há uma promessa de solução final e definitiva para a falta subjetiva e para o antagonismo social.

Claro, todos esses objetos que nos são oferecidos obedecem à lógica fálica do desejo. E quanto mais falhamos [em encontrar a solução definitiva da falta através de objetos fantasísticos], mais nos apegamos a esses objetos ou mais os substituímos por outros objetos que prometem realizar a mesma função. Não há solução para esses problemas. Mas não estamos apenas diante de um beco sem saída. O que julgo mais importante é entender que, durante esse processo, na passagem de um objeto a outro, de uma mercadoria consumista para outra, algo é sustentado: todo um sistema econômico e todo um sistema político. Então, essa organização fálica do desejo tem repercussões importantes sobre a forma que a sociabilidade humana assume e sobre a maneira como nossa identificação social e política ocorre.

Podemos, porém, ter arranjos diferentes? Obviamente uma alternativa não pode supor o desaparecimento da fantasia. Esperar por isso seria demasiadamente utópico. Mas talvez possamos dar um passo além, no sentido de desativar essa atração fálica que todos esses objetos e fantasias parecem exercer sobre nós. Podemos desativar essa atração, ao menos um pouco? Podemos dar um passo a mais para além desses objetos, de forma a encorajar ou permitir que gozemos das experiências de gozo parcial quando elas ocorrem, no lugar de vê-las como primeira manifestação de uma plenitude final que se avizinha no futuro? Podemos prestar atenção nessas experiências parciais que podem ter algo importante a nos dizer?

TB E afinal, podemos?

YS | Ah, mas nós fazemos isso o tempo todo. Tanto no quadro analítico quanto fora dele. Nós apenas não estamos cientes de que o fazemos. E apenas muito raramente damos a essas experiências a importância que merecem.

TB Para além da psicanálise, seu trabalho recente tem sido dedicado a estudos sobre o populismo. Por sinal, seguindo Ernesto Laclau, muitos autores da chamada Escola de Essex têm discutido esse fenômeno. Você chegou mesmo a coordenar um projeto de pesquisa e um observatório político sobre este tema. A seu ver, qual é a relação entre democracia radical e populismo? 

YS | Lembro-me que uma vez estava intrigado com essa questão [sobre a relação entre democracia radical e populismo] e discuti isso com Ernesto [Laclau]. Eu perguntei: “Falávamos muito sobre democracia radical, mas você também tem falado muito sobre populismo na América Latina. Então, qual é a conexão entre os dois?”. E ele me respondeu, me lembro muito claramente: “Oras, do que você está falando? Populismo é democracia radical!”. Então, no entender dele, havia uma conexão clara entre os dois. Eu acho que essa ligação existe. Não chegaria a ponto de dizer que eles são a mesma coisa, mas a conexão existe no sentido em que provavelmente algumas formas de populismo (que, claro, é um fenômeno muito ambivalente e muito complexo) podem prover o sujeito coletivo necessário para materializar e fazer avançar uma orientação de democracia radical.

Populismo tipicamente envolve a criação, a emergência e a construção de um sujeito político e coletivo particular, potencialmente hegemônico, que coloca em cena demandas particulares previamente excluídas. O populismo possibilita a setores sociais vitimados ou excluídos do jogo político, do gozo social e econômico de direitos, emergir no espaço político, obter concessões e influência na tomada de decisão. Na medida em que esse sujeito político se torna o veículo de demandas igualitárias, de demandas que podem ser associadas com uma perspectiva de democracia radical, com o alargamento da participação da população na tomada de decisão, então, nesses casos, podemos dizer que o populismo se torna uma subjetividade política através da qual uma agenda de democracia radical pode verdadeiramente influenciar a esfera pública.

Evidentemente, há outros tipos de populismo, como o populismo europeu de extrema-direita, que aponta numa direção antidemocrática. Também devemos estar atentos para a ambivalência das experiências populistas — uma ambivalência que não depende apenas da orientação e trajetória de um projeto populista examinado isoladamente. Normalmente, isso também depende de como o antagonismo político se estrutura de forma mais ampla. Assim, populismos de tipo igualitário, de democracia radical, devem competir contra projetos antipopulistas, elitistas ou mesmo autoritários. Ocorre que a dialética desse antagonismo político é muito complexa, não podendo ser controlada de antemão. Ela pode levar a formas perniciosas de polarização, ou mesmo à dissolução do vínculo social. Na maior parte dos casos, porém, isso não é devido a um defeito inerente ao populismo de democracia radical, mas ao formato do antagonismo político dentro de culturas particulares.

De toda forma, eu diria que, na maior parte dos casos, esse tipo particular de populismo pode se tornar um veículo que faz avançar uma agenda de democracia radical. E, quando isso não é confrontado com suspeita de violência da parte das forças do establishment, há espaço para uma influência progressista sobre as instituições.

 

TB | Qual seria a diferença entre a democracia radical e a democracia liberal ocidental? 

YS | A democracia liberal é um híbrido institucional que emergiu da articulação de duas tradições políticas muito diferentes — e talvez de duas lógicas antitéticas: a lógica do liberalismo e a lógica da democracia, liberdade e igualdade. Isso foi muito bem documentado por teóricos e filósofos políticos, como C. B. MacPherson e Chantal Mouffe — quando ela fala, por exemplo, do “paradoxo democrático”. Mas isso é algo frequentemente esquecido, porque, principalmente no Ocidente, nós identificamos democracia com liberalismo.

Está claro, porém, que a democracia existia antes do liberalismo. Democracia tem a ver com soberania popular, com participação popular, e com uma forma particular de legitimar a tomada de decisão. Ela vai além de reivindicações sobre o sangue, a família, o conhecimento e a riqueza, como fatores legítimos para que alguns tenham o direito de governar. Como Jacques Rancière bem colocou, a democracia envolve uma lógica diferente, segundo a qual mesmo alguém que não possa reivindicar nenhuma dessas qualidades, que representa ou pertence à “parte dos sem-parte”, tem o direito de participar da tomada de decisão e de governar sua própria comunidade, sua própria sociedade.

Essa lógica particular é profundamente igualitária, e não apresenta articulação necessária com uma orientação liberal, que pode ser perfeitamente compatível com um sistema oligárquico, restringindo o gozo de direitos e liberdades a um grupo bastante restrito de elites sociais. Por exemplo, na América Latina, como você sabe, há uma longa história de liberalismo oligárquico. Mas, também na Europa, no século XIX, o liberalismo dava o direito a voto apenas para pessoas que tinham propriedade e uma certa renda. Foram movimentos como o cartismo no Reino Unido que, ao longo do século XIX, possibilitaram o alargamento e o aprofundamento da democracia, nos afastando do liberalismo de tipo oligárquico. Tais lutas acabaram por facilitar essa articulação paradoxal entre tradições muito diferentes — a liberal e a democrática —, nos legando a democracia liberal.

Mas não podemos ignorar as condições socioeconômicas que permitiram o estabelecimento desse compromisso híbrido. Essas condições têm a ver com o que é comumente chamado de Estado do Bem-Estar, que envolve o compromisso entre capital e trabalhadores, sindicatos e partidos socialdemocratas, que expressavam as demandas desses últimos. O Estado do Bem-Estar revela um aspecto socioeconômico que permitiu o enraizamento dessa articulação híbrida. Foi nesse quadro que foi possível estabelecer o sistema dominante no Ocidente, permitindo o aprofundamento democrático. É nesse contexto que vemos o florescimento do movimento feminista, que deixou uma marca importantíssima, mas também de movimentos por direitos civis, como a luta contra o racismo e a segregação nos Estados Unidos, entre outros. Por mais que o sistema do Estado do Bem-Estar estivesse longe de ser perfeito, ele permitiu e criou dentro de si, em termos econômicos e políticos, um quadro favorável para a busca de toda forma de democratização. Isso foi muito importante e deixou um legado precioso da democracia liberal. Foi importante precisamente porque, se, por um lado, a democratização promoveu avanços, por outro, o liberalismo contribui com o balanceamento do sistema, adicionando pesos e contrapesos.

O que fica claro, porém, é que essa tendência acabou sendo revertida e finalmente invertida. É por isso que muitos teóricos têm falado em “pós-democracia” e de um processo de “des-democratização”. O liberalismo gradualmente se tornou a força condutora, e passou a ser sozinho identificado com a democracia liberal. Tendo perdido sua conexão com valores de democratização e equidade, o sistema inteiro entrou em uma fase pós-democrática, em que se prioriza soluções tecnocráticas, que excluem muitas áreas da vida pública da participação popular na tomada de decisão.

Isso criou um curto-circuito no potencial produtivo do híbrido da democracia liberal.

Então, para mim, a democracia liberal foi muito produtiva em uma época particular quando, de uma perspectiva social, econômica e política, ela criou um quadro permitindo mais democratização, ao mesmo tempo em que protegia os direitos de minorias e controlava quaisquer decisões que pudessem repercutir sobre direitos e liberdade. Porém, a situação mudou completamente do momento em que a “pós-democracia” emergiu e se estabeleceu como “the only game in town”. Desde então, o Estado do Bem-Estar da democracia liberal está sob constante ataque por parte do neoliberalismo, com os dramáticos problemas que experimentamos pelo mundo.

TB | Nesse sentido, desde a primeira publicação de The Lacanian Left (2007), vimos uma crise financeira internacional que acelerou o desmantelamento de políticas de proteção social, mas que também parece ter criado muitas formas de contestação política. Você é grego, e seu país foi um dos que mais sofreu nesse processo, com memorandos e austeridade. Mas a Grécia também foi um dos países que mais ofereceu formas de resistência, no movimento dos Indignados [Aganaktismenoi] e, mais tarde, com a eleição do Syriza [Coligação da Esquerda Radical]. O que podemos falar sobre as dimensões psicanalíticas da crise grega? 

YS | Temos o mau hábito de discutir essas questões de forma muito tecnocrática. Podemos ficar restritos ao nível econômico e discutir sobre dívida, déficit, números, estatísticas que sobem e descem, mas essa não era a forma como a economia era discutida no passado. Em um quadro mais tradicional de economia política — e não me refiro necessariamente a uma abordagem radical, estou pensando em nomes como Adam Smith —, você encontra o engajamento com uma dimensão “moral”, e moralidade nessa perspectiva já tem um sentido amplo. A mesma preocupação está presente na economia política de Karl Marx, quando essa perspectiva adquire um novo giro, abarcando o fetichismo da mercadoria e sublinhando a importância do desejo intersubjetivo na constituição de uma mercadoria. Max Weber, desde um outro ponto de vista, também sabia que havia uma importante ligação entre o comportamento econômico e uma dimensão “espiritual”. Ele levou em consideração o significado que os sujeitos atribuem ao comportamento econômico, um valor moral particular que os sujeitos ligam a ele — daí seu trabalho sobre a ascese e o “espírito do capitalismo”. Poderíamos também mencionar Werner Sombart e muitos outros. Esse é o tipo de reflexão que nos falta hoje. Eu acho que precisamos voltar para esses estudos repletos de nuances e imensamente sofisticados para entendermos fenômenos econômicos em geral, e as crises em particular. É isso que uma abordagem psicossocial tenta fazer. Nesse contexto, uma perspectiva psicossocial é importante para lidar com questões que emergem com a crise econômica, em uma multiplicidade de níveis interconectados, e com a forma como os sujeitos respondem a elas.

No caso grego e no sul da Europa como um todo, me parece que a adoção de uma perspectiva psicossocial e a reativação de alguns desses conceitos introduzidos por Weber, por Marx e por outros teóricos — e claro também pela psicanálise —, nos permite chegar a explicações mais compreensivas sobre o que está em jogo.

Podemos verdadeiramente entender o papel da dívida se nos restringirmos ao entendimento econômico, apenas comparando dívida privada e dívida pública, apenas considerando a situação de um ponto de vista contábil, com suas subidas e descidas ao longo do tempo? É impossível. Temos que ver como a dívida — e o crédito, que é o outro lado da mesma moeda — foi capaz de colonizar nosso mundo-da-vida, sobredeterminando nosso desejo, nossas férias, a forma como criamos nossos filhos, como planejamos nosso futuro. Na verdade, imediatamente antes da crise, créditos e empréstimos eram a forma como algo próximo de um igualitarismo — um falso igualitarismo — era promovido.

A lógica era a seguinte: sem problema, você recebe salários menores, você trabalha em condições piores, há mais incerteza, mas você pode manter seus hábitos de consumo, tomando um empréstimo. Na verdade, você não apenas pode, como deve! Afinal, manter seus hábitos de consumo, no capitalismo tardio, foi galgado a um dever moral socialmente comandado, e a uma fonte de vergonha e culpa, em caso de fracasso. E claro, assim que a bolha estourou, todos foram responsáveis pelo pagamento da dívida por conta própria, e uma libra de carne [a pound of flesh] é requerida, para invocar Shakespeare.

 

TB | Isso é interessante e me faz pensar no Brasil. Hoje, o país está sofrendo com a maior crise econômica e política de sua história recente, com um governo de legitimidade contestável,  impondo medidas de ajuste que não foram validadas em eleições. Mas, num momento anterior, nos primeiros dez anos desse século, havíamos visto o oposto: prosperidade e inclusão social, majoritariamente através do consumo. Você parece pensar que esses dois momentos — o momento de austeridade e o momento de gozo consumista — são na realidade compatíveis. Poderia esclarecer esse ponto?

YS | Isso tem a ver com a forma como um sistema particular se estabiliza. Sistemas tentam se estabilizar de diversas maneiras. Até certo ponto, um sistema pode tentar se estabilizar por meio de medidas coercitivas. Mas isso é muito raro e, na prática, insustentável. Na prática, as pessoas precisam ser persuadidas e oferecer seu consentimento, ou pelo menos seu conformismo habitual. Desse ponto de vista, um sistema pode se sustentar na base de um ethos de proibição, de sacrifício, ou, mais efetivamente, na base de um ethos consumista, de gozo comandado [commanded enjoyment].

Vejamos o que tem acontecido em recentemente diversos países. O sistema pós-democrático tem gerado um aumento exponencial da desigualdade, a criação do chamado “1%” que o Occupy Wall Street trouxe à tona, e todo tipo de problemas trabalhistas, como a precarização, etc. Tudo isso sustentado por um ethos proibitivo. As classes desfavorecidas foram privadas de muitos dos direitos que gozavam durante o período do Estado de Bem-Estar, em que vigorava um ethos consumista. O sistema de Estado-providência só foi permitido porque havia uma incorporação mínima, via consumo, via crédito, como expliquei antes. Ocorre que, como Todd McGowan mostrou, esses são dois lados da mesma moeda, e a história é marcada por um movimento pendular entre eles.

Eu acho que a crise de 2008 revelou claramente uma mudança, com a volta do segundo tipo de incorporação [consumista] para o primeiro [proibitivo]. Em resposta a isso, vemos a emergência de vários movimentos que demandam a inclusão dos setores excluídos e empobrecidos. Mas o que se precisa entender é que nunca é suficiente limitar a intervenção crítica e radical aos quadros da restauração do modelo consumista, de gozo comandado, que foi hegemônico no passado. A mudança real só pode emergir da desativação dessa estrutura dual, desse movimento pendular.

Assim, o problema que muitos movimentos têm enfrentado — especialmente movimentos populistas — é que a restauração do equilíbrio da balança, a reconquista de parte da renda pelos grupos empobrecidos, tem sido feita por meios que continuam sendo fálicos, de maneira consumista, geralmente através da restauração do nível de consumo. E é aí onde mora o problema da política radical: tal restauração não tem permitido uma mudança no que diz respeito à identificação política, a formas de vida que encorajem uma estruturação mais igualitária e progressiva do desejo e do gozo. Como consequência, o momento da crise pode até ser temporariamente “resolvido” com o retorno aos níveis de renda anteriores, mas junto com isso se retorna ao modo anterior de gozo e desejo – um modo neoliberal, talvez possamos dizer. E os sujeitos são levados a votar e se comportar de acordo com esse modo.

 

TB | O fato de movimentos como Occupy Wall Street, Indignados, Aganaktismenoi e Nuit Debout terem mostrado menos sucesso do que outros fenômenos, como a campanha de Bernie Sanders e partidos como Podemos e Syriza, indica que a melhor forma de organizar a contestação política é pela via eleitoral-institucional e com líderes carismáticos? 

YS | Não. Acho que estamos vivendo uma situação em que temos que lidar com as limitações de ambas as estratégias. Por um lado, existe essa estratégia mais horizontal, exemplificada pelo Occupy Wall Street, por mobilizações locais e sem lideranças claras. Essas experiências podem atrair muita atenção, e podem até conseguir mudar os termos do debate público, mas, como você disse, elas apresentam limitações muito particulares. Por outro lado, temos essa estratégia vertical, em que se busca a concentração, a transmutação, a expressão e a representação desses protestos. As dinâmicas simbólicas e afetivas da multidão são canalizadas em algum tipo de ação concentrada, por exemplo através de um partido político que assume a função de representá-la.

Os mais óbvios casos dessa verticalização são, de fato, Podemos na Espanha, em que uma nova formação partidária assumiu essa tarefa de representação, e Syriza na Grécia, com um cenário levemente diferente, em que um partido radical de esquerda já existente, localizado às margens do sistema, assumiu essa função de representação. No entanto, nestes dois casos, em que as coisas avançaram um passo adiante, em que esses partidos adotaram abordagens eleitorais — no caso grego, efetivamente vencendo as eleições e formando um governo —, não podemos dizer que se conseguiu introduzir um novo quadro político contrário à austeridade, contra a imposição brutal de medidas neoliberais, para além de qualquer senso de representação democrática.

Assim, o problema é que horizontalismo sem articulação vertical continua sendo importante, mas articulação vertical sem um sujeito coletivo que apoie suas decisões também é relevante e se torna incapaz de lidar com pressões estruturais — como as pressões que a União Europeia e outras organizações internacionais têm imposto ao Syriza. Logo, para o bem ou para o mal, fica claro que não haverá solução progressista possível sem algum tipo de articulação sustentável e de longo prazo entre essas duas dimensões, horizontal e vertical. Não haverá saída sem uma dialética saliente entre elas — uma dialética capaz de facilitar a criação de novas formas de subjetividade e ação para atravessarmos e desativarmos as limitações atualmente em jogo.

T| E qual é a relação entre populismo e política institucional? Saindo um pouco da Europa e pensando, por exemplo, no presidente Lula no Brasil: durante o período eleitoral, seu partido frequentemente criava um antagonismo se opondo às ditas elites, que historicamente haviam governado o país, sem se importar com o povo. Entretanto, uma vez no poder, Lula sempre dialogou e procurou agradar a essas mesmas elites, não parecendo ameaçar as instituições. Entre a lógica populista da equivalência e a lógica populista da diferença, onde ele se situaria?

YS | Isso volta à minha última resposta. Nunca é só uma coisa ou outra. Não temos nunca um jogo de soma zero: ou equivalência ou diferença, apenas um tipo de lógica institucional e administrativa ou somente uma lógica populista de confrontação e antagonismo. Sempre haverá os dois, em algum grau. A questão é saber onde se localiza o centro de gravidade.

Se você é um populista, é claro que você quer expressar uma série de demandas populares frustradas. No entanto, uma vez no poder, é preciso organizar algum tipo de arranjo institucional para que essas demandas sejam endereçadas, uma forma institucional de incarnar slogans e orientações populistas. Isso pode ser feito, e já foi feito no passado. Posso citar os quatro primeiros anos do PASOK [Partido Socialista Grego], na Grécia, no início dos anos 1980, quando uma série de reformas foram implementadas. Estamos falando de reformas na lei de família, no sistema de ensino superior, etc. Eles também reconheceram a resistência contra os nazistas na Segunda Guerra Mundial, entre outras coisas. Foram diversas reformas simbólicas, econômicas e institucionais, implementadas com uma orientação mais ou menos igualitária. Foi, portanto, possível encontrar um balanço entre a dimensão institucional e a dimensão da confrontação, do antagonismo.

Mas, é claro, o processo pode pender para qualquer lado. Algumas vezes, movimentos populistas logram construir um equilíbrio, mas em outros momentos isso se mostra impossível. Nesses casos, os movimentos populistas tendem a reproduzir o sistema existente. Isso pode significar que eles não são capazes de cumprir nenhum item de uma agenda de reformas, apenas aceitando as regras do jogo. Esse talvez tenha sido o caso brasileiro, sobre o qual, no entanto, não conheço suficientemente para poder articular uma visão mais abrangente.

No caso grego, nos anos 1980, vimos a introdução de um sistema clientelista alternativo. Já havia uma tradição clientelista na Grécia, que permitia ao antigo establishment apresentar algumas soluções para problemas sociais, responder a algumas demandas e ganhar legitimidade. O populismo do PASOK, com sua rotinização, acabou perdendo sua tendência radical e estabeleceu um novo sistema clientelista que, uma vez mais, era altamente problemático, muito corrupto, e que terminou por marcar o fim do projeto original. Outro problema, visto em muitos casos, é a reprodução de algum sistema hierárquico, seja aceitando as regras do jogo ou instituindo uma nova nomenklatura, uma nova hierarquia. Além disso, não devemos esquecer do famoso ditado de Lord Acton: “O poder corrompe, e o poder absoluto corrompe absolutamente”. Para mim, isso pode se aplicar a todas as forças políticas, populistas ou antipopulistas.

TB | Nestes termos, poderíamos falar sobre a Venezuela e a crise que este país atualmente atravessa? 

YS | Não tenho certeza quanto a isso. Trata-se de uma situação mais complexa. Ironicamente, acho que a Venezuela sofreu muito pelo fato de ter enormes reservas de petróleo. Um dos maiores erros do populismo de Hugo Chávez foi não conseguir introduzir alguma forma alternativa de organizar a produção e o consumo. Ele se baseou sobre a renda petrolífera, em grande medida como no antigo sistema. Sim, foi possível redistribuir uma parte dessa renda de forma mais progressista e igualitária, mas, assim que o preço do petróleo despencou, uma grande crise surgiu.

Isso dito, a cultura política local também joga seu papel. No clima venezuelano, altamente polarizado, a crise levou a um desastre que, lenta mas continuamente, flerta com a dissolução do vínculo social em si, talvez com alguma forma de guerra civil. Como discutimos na questão anterior, a dialética antagonística entre forças populistas e antipopulistas pode sempre ter resultados imprevisíveis. Na Venezuela, creio que talvez tenhamos um exemplo do cenário mais desastroso

TB | Recentemente, na Espanha, o Podemos tem evitado a divisão do campo político entre “esquerda” e “direita”, preferindo opor “la gente” a “la casta”, a oligarquia. Você utilizou o termo “esquerda lacaniana” em seu livro. Deveríamos continuar apegados a termos como “esquerda” e “direita”, considerando que é complicado — ou talvez impossível, como Laclau sugeriu em Hegemonia e Estratégia Socialista (1985) — dar um sentido definitivo para um significante como “esquerda”?  

YS | É precisamente por essa fluidez, por esse esvaziamento, se você preferir, que é importante manter o uso de significantes como “esquerda”. Claro que isso se aplica a todos os significantes, mas particularmente a significantes desse tipo. Vale a pena notar que isso [o significante “esquerda”] não tem apenas um significado político. Também há um significado intelectual. Por exemplo, podemos falar da “Esquerda Hegeliana”, etc. […]

TB | Também houve a “Esquerda Freudiana” 

YS | Claro! Na verdade, acho que a “Esquerda Freudiana” era ligeiramente mais política, especialmente quando consideramos figuras como [Wilhelm] Reich. A “Esquerda Hegeliana” usualmente se refere à mais vibrante, imaginativa e progressista expressão de uma tradição intelectual particular, com muitas repercussões, é claro, para a religião, a política e o sentido de consciência histórica.

Em certa medida, isso também vale para Lacan, pois a teoria lacaniana indica, incarna, a mais radical apropriação da empreitada freudiana. De um ponto de vista intelectual, lacanianos constituem a esquerda da tradição psicanalítica. Eles são os mais radicais, os mais arriscados, os mais imaginativos, os mais produtivos nesse sentido. Mas, adicionalmente, minha escolha dessa palavra tem a ver com uma série de importantes teóricos e filósofos sociais e políticos que lidavam com ela. Louis Althusser, [Slavoj] Žižek, [Ernesto] Laclau, [Alain] Badiou: todos se colocavam dentro da esquerda política — seja de uma esquerda comunista ou não-comunista, populista ou não-populista, como da mais diversa mentalidade de esquerda –, todos assumem essa noção. O fato de que todas essas pessoas, que se consideram como parte da esquerda, acabaram por utilizar e se apropriar da teoria lacaniana como a vanguarda da tradição psicanalítica para criar uma versão mais sofisticada e produtiva de uma orientação igualitária, foi também uma importante razão para que eu escolhesse esse significante em particular.

E, é claro, é preciso aceitar que toda significação é inevitavelmente falha. Todos esses significantes estão envolvidos em longos e ambivalentes jogos de linguagem, e são constantemente ressignificados de forma radical. O significado político da esquerda emergiu pela primeira vez na Revolução Francesa, quando, na assembleia, os mais radicais (jacobinos, entre outros) se sentavam à esquerda. Mas isso certamente mudou de forma radical ao longo do tempo. É aí, porém, que reside a beleza da coisa: isso nos abre à contingência, ao fato de que podemos tentar influenciar a significação, mas que de, forma alguma, podemos controlá-la de antemão.

TB | Para terminar, uma última pergunta. Considerando a atual compartimentalização de disciplinas, o que é mais difícil: ensinar teoria política para psicanalistas ou ensinar psicanálise para teóricos políticos?  

YS | De fato, essa é uma pergunta interessante. Primeiro, devo dizer que essa situação [a compartimentalização de disciplinas] está mudando rapidamente. Havia uma desconfiança mútua, até alguns anos atrás, mas hoje a situação não é mais a mesma. Quer dizer, temos muitos importantes teóricos psicanalíticos que adquiriram status de celebridade na academia. Pensemos, por exemplo, em Slavoj Žižek e, até mesmo em Ernesto Laclau e outras pessoas. Eles não tiveram dificuldade em superar resistências vindas de setores que teriam muitas desconfianças contra essa confluência entre psicanálise e política.

Na verdade, hoje estamos caminhando rumo à institucionalização dessa abordagem. Muito recentemente, fui convidado pela editora Routledge para editar The Routledge Handbook of Psychanalytic Political Theory. Isso obviamente significa que uma grande editora considera importante publicar um volume substantivo, de quarenta capítulos, que registre a existência e o desenvolvimento de uma nova orientação dentro da teoria política, que eles chamam de “teoria política psicanalítica”. Isso nos dá uma ideia de como essa orientação tem sido bem-sucedida. Eu aceitei esse convite e atualmente estou editando esse livro. É muito interessante porque, mesmo que eu já fizesse parte dessa corrente, percebi que precisava realizar uma ampla pesquisa complementar para cobrir todas as áreas desse campo. É importante dizer que o livro não se restringe à teoria lacaniana, mas leva também em consideração todas as diferentes tradições psicanalíticas. Eu mesmo me surpreendi com o número de pessoas que têm contribuído para essa empreitada. Também me surpreendi com a sofisticação das abordagens que têm sido desenvolvidas e seu relativo sucesso, nesse difícil ambiente que é a academia, com seus restritivos mecanismos de acesso.

No entanto, mesmo que a situação esteja mudando rapidamente, muitas resistências ainda permanecem, e não há razão para esconder esse fato. Algumas vezes, apresento o mesmo paper para diferentes públicos de cientistas políticos e frequentemente utilizo conceitos psicanalíticos para analisar algum tipo de fenômeno social problemático. Quando menciono abertamente que esse ou aquele conceito vem da psicanálise, tendo a encontrar mais resistência, mais suspeita e mais críticas e questões, do que quando não menciono isso. Ainda há, então, algum trabalho a se fazer. Ironicamente, porém, acho que se essas desconfianças e resistências evaporarem completamente, isso indicaria que não há mais nada de muito radical sendo proposto pela teoria política psicanalítica. Portanto, no final das contas, certo grau de resistência pode não ser assim tão ruim. 

REFERÊNCIAS

STAVRAKAKIS, Yannis (1999) Lacan & The Political. Londres: Routledge.

STAVRAKAKIS, Yannis (2007) Lacanian Left. Nova Iorque: State University New York Press.


* Yannis Stavrakakis é professor de Teoria Política e diretor da Escola de Ciências Políticas da Universidade Aristóteles de Tessalônica. Obteve seu doutorado em Ideologia e Análise de Discurso pela Universidade de Essex. É autor de diversos livros sobre a relação entre Teoria Política e Psicanálise, como Lacan and the Political (Routledge, 1999) e The Lacanian Left (Suny, 2007). Entre 2014 e 2015, coordenou o programa de estudos Populismus: Populist Discourse and Democracy.


** Thomás Zicman de Barros é economista formado pela Universidade de São Paulo e doutorando em Teoria Política e Psicanálise no Instituto de Estudos Políticos de Paris (Sciences Po), onde dá aula.




COMO CITAR ESTE ARTIGO ZICMAN DE BARROS, Thomás (2017) Populismo para atravessar a fantasia? Entrevista com Yannis Stavrakakis. Lacuna: uma revista de psicanálise, São Paulo, n. -4, p. 11, 2017. Disponível em: <https://revistalacuna.com/2017/11/20/n4-11/>.