Uma ligação perigosa com o poder: a psicanálise na Rússia bolchevique

Russian Revolution. Monument od Tsar Alexander III being dismantled. October 1917. (Photo by Daily Mirror/Mirrorpix/Mirrorpix via Getty Images)

[ Eine gefährliche Liaison mit der Macht: Psychoanalyse im bolschewistischen Russland ]

por Sabine Richebächer

Tradução | Gabriel Salvi Philipson

“O passado não está morto,

não passou sequer uma vez”

— William Faulkner

Conta-se que Alexander Blok (1880-1921), o grande poeta russo, se dirigiu à sua propriedade durante a Revolução de Outubro de 1917. Ali encontrou apenas escombros e cinzas. De repente, algo brilhou entre os destroços — eram os cacos de um antigo espelho que caíra de uma moldura de nogueira que havia se queimado. Blok pegou o maior desses cacos e caminhou com ele o resto do dia, de lá para cá, nas cinzas. Talvez ele esperasse que o caco pudesse preservar em sua profundeza ao menos uma parte das lembranças dos acontecimentos[1].

Na época da Revolução de Outubro, a psicanálise russa acabava de passar por uma incrível história de sucesso. Em 1899 a obra pioneira de Sigmund Freud e Josef Breuer, Sobre o mecanismo psíquico dos fenômenos histéricos[2] aparecera em Petersburgo — trata-se da primeira tradução das obras de Freud. Existiam grupos de psicanálise em Moscou e Odessa, e a maioria dos textos de Freud, bem como das obras de C. G. Jung, Alfred Adler e Sándor Ferenczi, havia sido traduzida. Em 1910, o médico moscovita Nikolai Osipov (1877-1934) fundou a revista de psicanálise Psikhoterapiya. Revista sobre perguntas de terapia e psicologia aplicada. Sim, a Freudiana, como os psicanalistas na Rússia a chamam, tinham em Kriukovo[3] até mesmo sua própria clínica privada, onde pacientes eram tratados pela psicanálise.

O começo da Primeira Guerra Mundial pôs um fim a tal despertar tempestuoso.

O novo homem[4]

Apesar do prejuízo pessoal de sua propriedade, Alexander Blok era, inicialmente, um adepto e entusiasta da revolução: “Crie tudo de novo! Organize tudo de tal modo que nossa vida cega, suja, tediosa e feia se torne limpa, feliz e bela”, escrevera ele no ensaio Inteligência e revolução[5].

O golpe dos bolcheviques deu início a um experimento humano gigantesco. Queria-se construir uma nova sociedade sem dominação, sem classes e justa, realizando aquilo que os filósofos e poetas no Ocidente apenas teriam sonhado: a saber, criar o “novo homem”. Seu modelo era a máquina que funcionava perfeitamente. Maschinizatsia era a palavra mágica da vez. Lev Trótski (1879-1940) explica-a de modo preciso:

O homem […] chegará séria e finalmente […] a emprestar os movimentos de seus próprios órgãos […] com a suprema claridade, conveniência, parcimônia e, com isso, também beleza. […] O homem se colocará a meta de criar um tipo social-biológico mais elevado, um — caso se queira — super-homem [Über-Menschen[6]][7].

Na primeira década depois da Revolução de Outubro surgiram, do nada, incontáveis novos projetos, laboratórios e institutos em tempo recorde. Baseavam-se todos na possibilidade de serem legitimados como relevantes para a meta da Revolução. A psicanálise russa também se pendurou no projeto do “novo homem”: os freudianos deram mais importância ao elemento pedagógico do que às questões da profilaxia da neurose. Pois neuroses, tal era a doutrina dominante, havia apenas no capitalismo. Mas não eram exclusivamente motivos ideológicos que estimulavam os comunistas. Na confusão da guerra, da guerra civil e da revolução, aproximadamente de 7 a 9 milhões de crianças haviam perdido suas famílias. Milhões de crianças órfãs vagavam pelas ruas; bandos de jovens abandonados tornavam as regiões inseguras e colocavam o poder público diante de um problema prático imenso.

A responsabilidade política pela psicanálise residia no Comissariado do Povo para Instrução Pública, o NarKomPros, que, nos anos de 1920 e 1930, controlava o campo da cultura como um todo. Sob a proteção de Trótski, o freudismo pôde acumular uma série de êxitos[8]. Do mesmo modo do Ocidente, no raio de psicanalistas de esquerda, como Otto Fenichel (1897-1946) e Wilhelm Reich (1897-1957), era também preciso na União Soviética, em parte por empenhos dos próprios psicanalistas, clarificar a relação entre psicanálise e marxismo e torná-los frutíferos um ao outro.

Pois, embora protegido pelos bolcheviques de esquerda, o freudismo nunca deixou de ser controverso. Desde o início, o Instituto Estatal para Psicanálise e a Sociedade Psicanalítica Russa (RPSAO) estiveram em controvérsias e conflitos políticos e ideológicos. Isso pode ser visto, a título de exemplo, nos debates sobre o Orfanato-Laboratório de psicanálise, Detski Dom[9], em Moscou. Também se vê que a história da psicanálise russa — tal como em Viena e Berlim — é também uma história dos judeus na Rússia.

O psicanalista Emanuel Berman, polonês-israelense, que conseguiu escapar do holocausto com quatro anos, ocupa-se há muitos anos com paralelos e relações entre psicanálise, marxismo e sionismo. Ele considera que todos os três movimentos contêm elementos utópicos, para o bem ou para o mal. No núcleo da utopia há sempre uma obrigação fascinante, profunda, de melhorar a vida humana. Por isso, contém sempre também elementos de recusa e de ilusão que podem tornar perigoso o ímpeto emancipatório, levando-o a seu oposto, a destrutividade[10].

A fantasia do “novo homem” purificado de distorções, sociais entre outras, é característica marcante de utopias religiosas, nacionais ou políticas. Na medida em que o hoje imperfeito é permanentemente comparado com o estado final ideal a que se aspira, os poderosos legitimam todo procedimento contra os outros ou contra pensamentos outros — legitimando também o terror e a violência. Sucumbem à ilusão de que os fins santificam os meios — sem considerar que os meios, de sua parte, impregnam o resultado. E, assim, o projeto de criação do novo homem soviético apontou de antemão para duas visões totalitárias do século XX na Europa, o “super-homem” ariano e o holocausto[11].

A pesquisa ocidental, em sua maior parte, concentrou-se até agora, por um lado, na reconstrução do desenvolvimento complexo de organizações da psicanálise na União Soviética e, por outro, nos debates ideológicos entre psicanálise e marxismo[12]. Aqui, em vez disso, trata-se de um relato pessoal de buscas de vestígios de três biografias fragmentárias. De Vera Schmidt (1889-1937), que dirigiu o Orfanato-Laboratório moscovita, Detski Dom, que se tornaria modelo para kibutzim dos anos 1920 e 1930, bem como para jardins de infância do movimento de 1968 no Ocidente. Alexander Luria (1902-1977), pertencente à primeira geração de cientistas soviéticos — ele se tornaria um neurologista mundialmente conhecido, alcançando uma longevidade única entre nossos protagonistas. Por fim, se tratará de Sabina Spielrein (1885-1942) que, em 1923, após vinte anos no Ocidente, voltava à sua pátria para se tornar a psicanalista russa mais bem formada de sua época[13].

O Orfanato-Laboratório Detski Dom

Em março de 1921 foi fundada em Moscou a Associação Psicanalítica para a Pesquisa da Criação Artística. Seu nome lembra que o freudismo não era, em primeira linha, uma questão de médicos e psicólogos, mas objeto de um discurso público do qual participavam intelectuais, poetas, atores, pedagogos e revolucionários de profissão. Entre os associados podem ser encontrados professores e funcionários proeminentes. Um exemplo disso seria o professor de matemática Otto Schmidt (1891-1956), que viabilizou, na condição de diretor da editora estatal Gossidat, o surgimento de uma biblioteca de psicologia e psicanálise, com obras de Sigmund Freud, Anna Freud, Karl Abraham e outros. É digno de nota que os temas das palestras vespertinas eram neutros de um ponto de vista político: “Estátuas de deuses do rio”, “Sobre os vasos gregos”, “A melancolia de Dürer” ou “Relações da erótica tátil com ornamentação de tapetes”[14].

Alexander Bernstein (1820-1922), diretor da Clínica Neurológica de Moscou, também pertence aos membros fundadores da Associação. Quando, em maio de 1921, ele fez um requerimento para a instalação de um orfanato de psicanálise para crianças saudáveis em idade pré-escolar, foi-lhe imediatamente concedido. Apenas três meses depois, o Orfanato-Laboratório Detski Dom passou a funcionar sob direção de Ivan Ermakov (1875-1943).

O objetivo do Detski Dom era o “ensino de uma personalidade de valor social no coletivo”, como pode ser visto no rascunho, escrito à mão por Ermakov, de um relatório sobre o orfanato. Suas tarefas científicas seriam “as observações conduzidas metodicamente”, assim como a elaboração de métodos para a profilaxia da neurose. A psicanálise, continua o documento, é o “método mais efetivo de libertação de uma humanidade lacerada de seu confinamento social”[15]. Enquanto Ermakov atuava como dirigente oficial, a direção organizacional e a responsabilidade prática de fato ficavam com a pedagoga Vera Schmidt.

Vera Schmidt nasceu em 1889 em Starokonstantinov, hoje Ucrânia. Seus pais eram médicos. Vera Schmidt frequentou cursos de alta formação de mulheres em Petersburgo. Em 1913, casou-se com o matemático Otto Schmidt. O casal mudou-se para Moscou, onde, de 1918 a 1920, atuaram no Departamento do Sistema de Ensino do NarKomPros. Schmidt dirigirá o Orfanato-Laboratório até o seu fechamento.

O lar foi disposto no segundo andar da imponente Riabuschinski-Villa, na Rua Pequena Nikitskaia. No início, viviam ali trinta crianças, separadas em três grupos de acordo com suas idades. Os educadores eram comprometidos com uma série de princípios: não podia haver punição; sequer uma vez era permitido falar alto com as crianças. Avaliações subjetivas da criança também não eram permitidas. Deveriam ser avaliadas não as próprias crianças, mas os resultados dos seus atos — como designar bonita ou feia uma casa construída por uma delas. Eram toleradas manifestações sexuais das crianças, como a onania. Quando elas brigavam, não se repreendia quem havia insultado, mas se lhe contava a dor que causara no outro.

Vladimir Schmidt, o filho de Vera e de Otto Schmidt, também vivera no Detski Dom. Em uma entrevista ele relatou que:

Raramente deveríamos estar em casa. Era um lar […]. Uma de minhas lembranças mais vivas são essas janelas enormes. […] Era esse quarto aqui, claramente, o que dormíamos. Sete caminhas cabiam facilmente aqui. Ao lado era o quarto de brincar […]. Os educadores estavam sempre presentes, mas para nós eles não eram educadores; era normal que minha mãe estivesse aqui e todos os sete a chamassem de “mamãe”.[16]

Mas era com cubos de madeira no chão que as crianças mais gostavam de brincar. Elas gostavam muito do chão, além disso, porque em casa era proibido brincar nele: “Nesse orfanato as emoções e as iniciativas das crianças normalmente não eram reprimidas”[17]. Ao contrário, os educadores permitiam que todas elas se desenvolvessem livremente; faziam observações, escreviam diários, tiravam fotos [18].

Vera Schmidt publicava sobre o Orfanato-Laboratório em revistas de psicanálise, e se correspondia também com Melanie Klein e Anna Freud. Nesse ínterim, os colegas moscovitas conseguiram expandir a área de atuação. No outono de 1922, foi fundado o Instituto Estatal de Psicanálise e a Sociedade Psicanalítica Russa (RPSAO). Um ano depois, foi aberto um ambulatório de psicanálise.

No outono de 1923, Vera e Otto Schmidt viajaram para encontrar Abraham em Berlim e Freud em Viena, com o intuito de obter uma inclusão provisória do RPSAO na Associação Psicanalítica Internacional (IPA). Ao voltarem a Moscou, contaram do vivo interesse dos colegas ocidentais pela atividade do instituto moscovita e pelo Orfanato-Laboratório. Foi especialmente intensa a forma como se discutiu a relação da educação coletiva com a psicanálise, bem como a questão sobre como lidar com o complexo de Édipo na educação coletiva[19].

Analistas de esquerda, como Otto Fenichel e Wilhelm Reich, viajaram, por sua vez, para a Rússia para descobrir como avaliar a situação soviética. As opiniões variaram bastante umas das outras. O psicanalista vienense Richard Sterba fez um relato de um debate intenso em uma das conferências de quarta-feira em 1929 ou 1930. Reich, que também era comunista, intercedera com veemência pelo experimento russo de produzir um ser humano coletivo, sem neuroses [neurosenfreien]. Mas Freud sustentara, em oposição, o seguinte:

[Reich] afirma que, no momento em que se abolirem de modo consequente, na Rússia, os casais e as famílias, não se produzirá mais complexo de Édipo e, portanto, não haverá mais neurose. Isso poderia ser comparado a quando se lida com uma constipação intestinal, obrigando o paciente a parar de comer e a enfiar ao mesmo tempo uma rolha no seu ânus […]. E mais, devemos dizer que o complexo de Édipo não é a causa específica do surgimento da neurose. Não há causa única, específica, da etiologia da neurose.[20]

Freud termina a discussão de modo enérgico, o que não lhe era comum: “no momento é impossível dizer algo sobre o significado do experimento russo. Ninguém pode dizer algo antes que essas crianças façam 13 anos de idade. Sugiro que essa discussão continue daqui a treze anos”[21].

No momento desse debate, o Detski Dom já não existia mais. Em todas as tentativas de legitimação dos freudianos, o Orfanato-Laboratório se manteve intensamente controverso durante o tempo de sua existência. Desde o início, o entorno fazia calúnias sobre abusos sexuais. Foi provado mais de uma vez por comissões de inspeção que, como um todo, se deveria julgar positivo o trabalho no Orfanato. Ocorre que na União Soviética não havia demanda para um projeto como esse.

O resto da vida de Vera Schmidt é menos conhecido. De 1925 a 1929, trabalhou no Instituto da Função Neural Auditiva da Academia Comunista em Moscou; a partir de 1930, no Instituto de Defectologia Experimental, um campo científico soviético, no qual procuraram refúgio antigos psicanalistas de diferentes tipos[22]. Em 1937, Vera Schmidt morre aos 48 anos na prisão[23]. Em 1941, Ermakov também é preso; morre um ano depois no Gulag[24].

Alexander Luria (1902-1977)

Nascido em 1902, Alexander Luria pertence à primeira geração de cientistas soviéticos. Como pesquisador jovem e talentoso, deteve um importante papel durante o curto apogeu da psicanálise sob domínio bolchevique. Defendia a opinião de que a psicanálise deveria se unir com as metas da Revolução[25].

Luria nasceu na antiga cidade universitária de Kazan, onde seu pai era um médico conhecido: “minha família era uma típica família daquilo que se chamava na Rússia de intelligentsia”, escrevera em sua autobiografia: “nos entendíamos como progressistas e não exercíamos mais nossos costumes religiosos”[26]. Alexander e sua irmã, Lídia, foram educados por uma governanta, e aprenderam desde cedo inúmeras línguas. Com sete anos, Alexander foi para o rígido ginásio russo, onde passou a se interessar por literatura, história e filosofia. No decorrer da Revolução de Outubro, o ginásio foi totalmente fechado: “eu tinha apenas 15 anos quando a Revolução começou”, lembra-se:

Esse acontecimento único, monumental, influenciou decisivamente minha vida e a de todos os meus conhecidos […]. Era claro desde o início que eu teria pouca oportunidade de obter uma formação ordenada e sistemática […]. Ao invés disso, a vida me ofereceu uma atmosfera fantástica, estimulante, em uma sociedade ativa, que se modificava com uma velocidade enlouquecedora. Toda a minha geração estava permeada pela energia da mudança revolucionária — pela energia libertadora —; as pessoas perceberam que faziam parte de uma sociedade capaz de, em um curto período de tempo, realizar um avanço descomunal.[27]

Em 1918, Luria se matriculou na Universidade de Kazan para estudar ciências sociais. Não havia grade curricular; os professores não sabiam de antemão o que deviam ensinar. Em inúmeros grupos de estudo, discutia-se ideias socialistas e as chances de transformação da sociedade: “nem eu, nem meus colegas conhecíamos o marxismo ou as teorias científicas socialistas […]. Meu entusiasmo vinha mais de uma sensação forte, emocional, romântica, diante dos acontecimentos da época”, lembra-se Luria[28].

A graduação em ciências sociais gerou seu interesse por psicologia. Luria compartilhava da visão dominante nas ciências políticas de que a psicologia tradicional se encontrava em crise. Ao descobrir os textos de Freud, detectou algo realmente novo. Leu a Interpretação dos sonhos, assim como a obra de Alfred Adler e de C. G. Jung, Estudos de associação. Luria se convenceu, auxiliado pela ligação entre psicanálise e materialismo científico, a chegar a um modelo de pessoa como um todo.

No verão de 1922, Luria organizou em Kazan um “grupo de estudo de psicanálise”, do qual participaram médicos, psicólogos, pedagogos e até uma escritora. Era realmente animada a mensagem que enviara a Viena com informações de seu projeto. Para sua surpresa, recebera pessoalmente uma resposta do grande mestre, escrita com sua caligrafia gótica característica. Freud dirigia seus cumprimentos ao “Caro Sr. Presidente” — como chamava Luria, então com 20 anos — e autorizava-o, tal como solicitado, a traduzir para o russo o Psicologia das massas e a análise do eu (1921). A partir de então, Luria passou a ser convidado a publicar notícias detalhadas sobre os encontros do Grupo de Kazan na Revista Internacional de Psicanálise (IJP).

Nos círculos de estudo de Kazan, os trabalhos de Freud eram discutidos de maneira crítica pelos seus participantes. Experimentavam a psicanálise em pacientes da clínica psiquiátrica de Kazan, o que não dava resultados claros. Luria atribuiu isso ao fato de que Freud não teria prezado de maneira correta pelo significado das experiências sociais em sua teoria. Foram representadas algumas casuísticas de pacientes neuróticos, e interpretavam-se sonhos e obras literárias. Uma única vez Luria ministrou uma palestra explicitamente psicanalítica — “Sobre a psicanálise do costume”[29]. Seu engajamento com Freud, entretanto, nunca fora exclusivo, mas sempre ligado a outras abordagens psicológicas, como a psicologia da Gestalt. No outono de 1922, publicou seu primeiro livro, A psicanálise à luz das tendências da nova psicologia[30], que encontra ressonância positiva em Freud. Após um encontro com Otto Schmidt, Luria e alguns de seus colegas solicitam às autoridades que lhes concedessem uma transferência para Moscou. Ali, em Moscou, as forças dos freudianos deveriam se unir. Para Luria, tratava-se de um salto crucial em sua carreira chegar a Moscou, o centro do poder.

No fim de 1923, Luria foi convocado para ser o diretor do Laboratório do Instituto de Psicologia Experimental na Universidade de Moscou. Seu chefe, Konstantin Kornilov (1879-1957), era cofundador da Escola Reflexológica e queria colocar a psicologia em uma base materialista de acordo com as doutrinas de Marx e Engels. Luria trabalhou também na Academia do Ensino Comunista, que era dirigida pela mulher de Lênin, Nadezhda Krupskaia (1869-1939). Em paralelo, ele também ingressava na Sociedade Psicanalítica Russa (RPSAO), no qual assumiu o cargo de secretário. E chegaram ainda mais reforços para os freudianos em 1923 em Moscou: Sabina Spielrein voltava do Ocidente para sua pátria russa. A RPSAO preenchia então todos os critérios para se registrar na IPA e se tornava — após Berlim e Viena — o terceiro instituto mundial de formação de psicanálise.

No inverno de 1924, Luria explicava aos membros da RPSAO a estrutura de sua concepção de uma nova psicologia “monística”. Com “monístico” ele queria dizer que Freud não isolara a psique do corpo, de suas atividades e de seu meio-ambiente, mas compreendera a vida espiritual humana como um aspecto de um sistema complexo, dinâmico e material, “como algo que se modifica constantemente, que constantemente está em movimento”. Luria considerava irregular esse movimento; ele ocorre em saltos ou choques, em obstáculos. Por fim, contudo, ele chega à sua determinação, à sua destinação, onde todas as contradições seriam dissolvidas[31].

A concepção otimista de Luria, de uma finalidade para onde todo o desenvolvimento aponta e de uma superação final das contradições, era obrigada por e estava comprometida com o sistema de pensamento bolchevique do comunismo e de uma nova sociedade — também ali onde ele gostaria, na verdade, de falar sobre psicanálise, a qual, aliás, nunca deixou de ser uma teoria do conflito. Essa transformação de conteúdo se mostrou em toda sua claridade no prefácio de Luria e Lev Vigótski (1896-1934) ao ensaio de Freud, Além do princípio de prazer (1920) que aparecera em 1925 pela Editora Estatal Russa. Luria tentava, assim como Tatiana Rosenthal, Wilhelm Reich e outros dos estudantes utópicos bem-intencionados de Freud, transformar a visão complexa, dialética — e, no limite, trágica — de Freud sobre o conflito inevitável entre sorte individual e as exigências da civilização em uma nebulosa sociedade do futuro, sem tensão, contradição ou negação[32].

O interesse oficial dos comunistas no potencial renovador da psicanálise ou, antes, sua tolerância benevolente com ela, foram, nesse ínterim, substituídas por uma posição de resoluta suspeita diante das tendências subjetivistas e burguesas na teoria e na metodologia psicanalítica. Com a morte de Lênin, no início de 1924, e a ascensão de Josef Stálin (1879-1953), o autocrata da URRS, o “judas” Trótski caiu em desgraça[33]: a psicanálise perdia sua proteção. Na primavera de 1925, ocorreu na Casa Moscovita de Imprensa, por dois dias, uma discussão amarga sobre psicanálise e marxismo. Foi logo em seguida que se ordenou o aniquilamento do Orfanato-Laboratório. Em agosto, o Instituto Estatal de Psicanálise foi dissolvido por decreto do Conselho do Comissariado do Povo (RSFSR). A Editora Estatal Soviética suspendeu a publicação de textos de psicanálise.

Logo ficou claro para Luria que não havia mais futuro para a psicanálise na União Soviética e ele conseguiu distanciar-se dela no momento certo. Em 1927, renunciou ao cargo de secretário da Sociedade Psicanalítica Russa. No ensaio “A psicologia moderna e o materialismo dialético”[34], a psicanálise não é mais mencionada. Quando esse texto foi publicado, a realidade soviética já estava a ponto de destruir as construções de âmbitos “monísticos” esboçados por Luria. Poucos anos depois, foi obrigado a lamentar publicamente seu interesse anterior pela psicanálise e renunciar a Freud[35].

Na medida em que sempre estava mudando de tema e de opinião, conquistando novos campos de pesquisa, tendo até mesmo concluído uma graduação em medicina e, nesse meio tempo, se mandado para a província, Luria conseguiu não somente se manter vivo, como também, após muitas mudanças na carreira forçadas pelo regime, foi capaz de se tornar um neurologista e neuropsicólogo mundialmente conhecido que publicou 30 livros e mais de 700 artigos em diferentes campos do saber e em inúmeras línguas. Luria morreu em 1977, em Moscou, aos 75 anos.

Sabina Spielrein (1885-1942)

Durante a Primeira Guerra, Sabina Spielrein morou com sua filha pequena, Renata, em Lausanne[36]. Em maio de 1917, recebe de sua mãe, Eva Spielrein, uma carta entusiástica de Rostov-sobre-o-Don contendo um relato da manifestação de 1º de maio da Revolução de Fevereiro:

Estamos vivendo algo grande e grandioso, totalmente inaudito. É difícil de descrever. Estou muito cansada depois de tantos acontecimentos durante o dia, por isso não vou conseguir contar toda a alegria da festa desse dia. Pela primeira vez em minha vida na Rússia houve uma manifestação com 12 mil pessoas. Era uma festa pelos trabalhadores e pela liberdade, não estou brincando. Uma Rússia livre e democrática, que orgulho para todos! […] diante dos meus olhos pude ver tudo e não vou esquecer nunca mais enquanto estiver viva. Cada partido passou com suas bandeiras e suas palavras de ordem — “por uma Rússia livre!”, “terra e liberdade”, “É na luta que conseguimos todos os nossos direitos” […]. Tinha social-democratas, camponeses, social-revolucionários […] — tinha músicos, atores, estudantes, vagabundos […], bancários e empregados […], funcionários públicos e trabalhadores, e assim por diante, infinitamente. É uma pena que vocês não estejam aqui, pois estou sentido que agora a Rússia é algo bastante especial — há muito o que fazer, muito mesmo, que se deveria fazer pela nova orientação da Rússia[37].

No início de 1918, Sabina Spielreim sonhou que: “a senhora Bekhterev iria com sua filhinha para a Rússia”[38]. O fim da guerra se torna provável. Ela se ocupa com a questão de um regresso, mas hesita. Será que conseguiria se tornar alguém tão grande e conhecida na Rússia como Vladimir Bekhterev? Como iria se configurar o contato com os colegas russos? E quanto ao seu marido, a quem não via há tantos anos? No VI Congresso Internacional de Psicanálise (de 8 a 11 de setembro de 1920), Spielrein anunciou sua transferência para Genebra, onde passaria três anos bastante frutíferos do ponto de vista científico — até que, no verão de 1923, decide voltar para a Rússia. Nela tinha em alta estima três irmãos, Jean, Isaak e Emil Spielrein, bem como o pai Nikolai Spielrein.

Ao chegar em Moscou, em 1923, Spielrein encontrou a RPSAO em construção. Na Lista de colaboradores de equipe no Instituto de Psicanálise Estatal e do Orfanato-Laboratório “Solidariedade Internacional”, é atribuída a ela a função de “colaboradora científica”[39]. Pertence ao comitê de cinco cadeiras, colabora em todas as comissões importantes e é corresponsável pelo programa científico de curso do instituto. Junto com Ermakov e Moshe Wulff (1878-1971), dirige a Policlínica de Psicanálise e o Ambulatório Infantil. Em abril de 1924, Spielrein participa pela última vez de uma reunião da RPSAO. Logo em seguida, volta para sua cidade natal no sul da Rússia.

Rostov-sobre-o-Don fica a cerca de 200 km de Moscou; distante, portanto, da luta pelo poder que ocorre no centro. A atividade de Spielrein continua sendo altamente variada. Trabalha como pedóloga no ambulatório escolar de profilaxia de Rostov. Pedologia significa uma ciência interdisciplinar, voltada para a prática, com conceitos, baseados no desenvolvimento infantil, da pedagogia, psicologia, saúde mental e da psicanálise.

Pertencia às tarefas de Spielrein uma série de pesquisas sobre o diagnóstico precoce de disfunções no desenvolvimento de crianças no jardim de infância. No fim dos anos 1920, lidou ainda com adultos e crianças na policlínica psiquiátrica de Rostov com um método modificado, psicanalítico. Em palestras e publicações públicas, além disso, filiou-se sempre à psicanálise. No Encontro de Psiquiatras e Neuropatologistas do Cáucaso Setentrional, em 1929, esclareceu sua concepção pessoal do surgimento da neurose e do desenvolvimento social falho: “a doutrina de Freud é mais ampla que as doutrinas de todos os seus inimigos e seguidores”, constava ela na sua conclusão — uma confissão arriscada![40].

O fim

Em 1930 começaram os debates pela introdução do marxismo-leninismo em todos os campos da ciência. A psicanálise foi denunciada como teoria reacionária; passou-se a viver uma onda sem igual de medidas contra cientistas, engenheiros e artistas. Em 1933, a psicanálise foi proibida. Em 1936, o partido aprovou uma resolução contra a “distorção pedológica” na educação, o que fez com que Spielrein perdesse seu trabalho de pedóloga. Seus três irmãos, Isaak, Jean e Emil Spielrein foram presos, fuzilados e jogados em vala comum no âmbito da higienização stalinista dos anos 1937-38.

Na Segunda Guerra Mundial, Rostov-sobre-o-Don foi ocupada por tropas alemãs no decorrer da “Operação Barbarossa”. Entre os dias 11 e 14 de agosto de 1942, Sabina Spielrein e suas duas filhas, Renata e Eva, foram levadas, junto de todos os judeus da cidade — cerca de 30 mil pessoas — pelo 10o Sonderkommando da SS para o portão da cidade, para serem mortas por gás ou fuziladas, e então enterradas em vala comum.

No momento desse acontecimento terrível, já se tinha expulsado e aniquilado a psicanálise na Europa central. No conflito entre a diluição da Sociedade de Psicanálise Alemã e a auto-uniformização, os psiquiatras alemães do III Reich escolheram a segunda. A maioria dos colegas judeus emigraram. O russo Max Eitingon (1881-1943), então dirigente e financiador do Instituto de Psicanálise de Berlim, e seus colegas russos e judeus Moshe Wulff, Anna Smeliansky (1879-1961), Ilja Shalit (?-1953) e Fanny Lowtzki (1874-1961) foram para Israel e fundaram ali a Palestine Psychoanalytic Society [Sociedade Psicanalítica da Palestina][41].

No estágio de desenvolvimento da situação na União Soviética, é notável que Max Eitingon tenha se engajado no Movimento Comunista Palestino. E que Moshe Wulff, que praticamente fugira da União Soviética, tenha se mantido pró-soviético e tenha apoiado, em conversa privada com seu amigo Dov Alexandrowicz, a violenta repressão da Hungria e da Tchecoslováquia[42].

“[…] A voz do intelecto pode ser baixa, mas não descansa até ser ouvida”, diz Freud em O futuro de uma ilusão[43]. Coloca-se a questão quanto ao fato de a psicanálise ter as condições, por seu rico e amplo entendimento da vida espiritual humana, de contrariar o perigoso desejo por uma fantasia utópica e pela concessão de um Novo Homem, sendo capaz de revelar sua natureza ilusória.

Em seu empolgante estudo, Freud ou Reich? Psicanálise e ilusão, os psiquiatras franceses Janine Chasseguet-Smirgel e Béla Grunberger discutem a tendência de ideologias políticas que se aproximam da ilusão de conseguirem escapar da castração. Eles relacionam essa questão com os aspectos característicos projetivos de tais ideologias:

Tão logo se purifica do mal — esteja ele representado na forma dos judeus, da propriedade privada, do capitalismo, da sociedade patriarcal, da couraça do caráter ou muscular, ou de qualquer outro objeto projetado —, o eu purificado pode existir sem conflito; e o ser humano, unir-se a Deus. Em Áden, Arábia, Paul Nizan[44] diz que, “quando os humanos forem completos e livres, já não sonharão durante a noite”.

[…] Nizan acredita que chegará o tempo em que todos os desejos serão satisfeitos. A psicanálise, contudo, insiste na ideia de que a imperfeição humana e, portanto, os desejos humanos, nunca serão superados. A humanidade está determinada e destinada a sonhar agora e por todo o sempre.

Epílogo: a situação atual

Em 1933, Stálin proibiu a psicanálise na URSS. Em 1936, seguiu-se a proibição da pedologia. 60 anos depois, em 19 de julho de 1996, o presidente russo Boris Iéltsin assinou o decreto sobre o “Restabelecimento e Desenvolvimento da psicanálise filosófica, clínica e aplicada como uma direção da ciência moderna”[46]. Em inúmeras cidades russas têm surgido, desde então, grupos bem-sucedidos de psicanálise.

Filipp Filatov, da Don State Technical University [Universidade Técnica do Estado de Don], em Rostov-sobre-o-Don, descreveu, a meu pedido — por ocasião do Encontro do Pensamento Utópico – Destrutividade – Capacidade democrática —, o seguinte sobre a situação atual da psicanálise na Federação Russa, de uma acentuada piora:

Na véspera do aniversário de cem anos da Revolução de Outubro, o destino da psicanálise na Rússia se tornou um tema a ser discutido; mais ainda, um tema doloroso e, em muitos sentidos, sintomático. Na orientação pela psicanálise torna-se visível o espírito do tempo — o espírito do tempo atual, que na Rússia ainda não é fácil para os profissionais e para os artistas. Toda uma série de circunstâncias é responsável pela situação problemática da psicanálise. Primeiro: continua obscura a base legal e científica da psicanálise, bem como o aconselhamento psicológico de modo geral. A psicanálise é percebida de modo conceitual na interface das ciências humanas e da natureza, mas em nenhum dos dois modos de atuação científica ela se sente totalmente em casa: “Em ambos um hóspede ocasional, mas não um aliado” [de um poema de Alexei Konstantinovitch Tolstói e outro de Marina Tsvetaeva, que tomou esse mote e sua primeira linha]. Isso põe em questão seu status no sistema educacional e de produção do saber, onde as únicas escolas e disciplinas científicas possuem um lugar precisamente determinado e ficam nitidamente separadas uma da outra. Enquanto ajuda psicológica para a população entende-se ainda muito provavelmente psiquiatria e farmacologia. Esses estereótipos fazem com que seja pouco tangível a ocupação com a psicanálise, subordinada ao campo da mística e do obscurantismo. Segundo: Pseudoespecialistas sem escrúpulos se utilizam da indeterminação legal para oferecer seus serviços duvidosos sob o nome de “psicanálise” — sem possuírem, aliás, a formação psicanalítica necessária — e, com isso, aumentar a má fama da psicanálise na Rússia.

Ambas circunstâncias fazem com que a psicanálise se torne um alvo. Na atmosfera de caça às bruxas, os psiquiatras se tornaram um grupo de trabalho a ser atacado; sua luta pela própria identidade científica ganha em dramaticidade nesse contexto de constantes ataques nas mídias digitais e impressas. Esse tipo de ataque tem sido cada vez mais comum nos últimos anos. Eles vêm, de um lado, da velha escola da psiquiatria orientada estritamente pela medicina, e, de outro, de pessoas que se identificam publicamente com a Igreja Ortodoxa. Acresce-se a isso a discussão pública que tem ocorrido sobre o acesso à alma de uma criança que um padre pode conceder, mas um psicólogo não. A gente se sente em uma campanha que lembra as dos tempos de Stálin contra a “perversão pedológica”! Formulações ainda mais perigosas são as utilizadas por jornalistas e blogueiros com inclinações para a violência, como chamar psicólogos e psiquiatras de “uma arma secreta de arruinamento moral da nação” e até mesmo de “inimigos da humanidade”, algo claramente análogo a inimigo do povo ou de Deus.

A intolerância existente hoje na Federação Russa contra minorias sexuais é constantemente projetada sobre os psicanalistas, uma vez que estes defendem o direito de independência de identidade e papel de gênero dessas pessoas, o que supostamente levaria à “decadência moral da nação”. A psicanálise é acusada de legitimar e de provocar a aceitação social da homossexualidade, do incesto e da pedofilia — apenas por tentar pesquisar objetivamente os mecanismos por trás desses fenômenos. Nesse contexto, é especialmente sintomático e alarmante o fechamento do Instituto Leste-Europeu de Psicanálise (de São Petersburgo), que manteve, durante um quarto de século, um alto padrão na formação de profissionais orientados analiticamente, sendo uma garantia para o desenvolvimento sustentado da ciência e a legitimação da psicanálise na Rússia. Na primavera de 2017, o instituto foi fechado por motivos obscuros quando completava seus 25 anos — apesar dos protestos de intelectuais, estudantes e do público em geral. É possível considerar isso como um complexo de sintomas uniforme e capcioso, no qual podemos observar o retorno do pensamento utópico e da renúncia a todos os meios efetivos contra ele. Queremos acreditar que essa renúncia não se transforme em uma proibição total e em uma nova onda de perseguição contra quem ousar olhar para as profundezas inconscientes da alma humana fora de estreitezas reacionárias e doutrinárias e de clichês discriminadores e ideológicos[47].

 

Referências

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* Sabine Richebächer é graduada e doutora em Educação, Sociologia e Política pela Universidade J. W. Goethe (Frankfurt am Main). Uns fehlt nur eine Kleinigkeit: deutsche proletarische Frauenbewegung 1890-1914 — sua tese de doutorado, publicada em 1982 — é considerada a primeira teoria marxista da emancipação da mulher. Posteriormente, graduou-se em Psicologia Clínica pela Universidade de Zurique, realizando formação em psicanálise no Instituto Freud (FIZ) e no Seminário Psicanalítico (PSZ) da mesma cidade. Foi pesquisadora colaboradora e conferencista na Universidade de Zurique, bem como supervisora de equipe na Fundação Pestalozzianum. Desde 1983 exerce a psicanálise em consultório particular, ministrando palestras na Suíça e no exterior. No Brasil, encontra-se publicada a biografia de Sabina Spielrein, de sua autoria, intitulada: Sabina Spielrein: de Jung a Freud (Civilização Brasileira, 2008).

** Gabriel Salvi Philipson é tradutor, bacharel em Filosofia (2013) e mestre (2017) em Teoria Literária e Literatura Comparada na USP. Atualmente é doutorando em Teoria e História Literária na Unicamp sob orientação do professor Márcio Seligmann-Silva, com pesquisa fomentada pelo CNPq, pela FAPESP (Nº Processo: 2017/27004-7) e pelo DAAD sobre a relação entre literatura, filosofia e instituição na década de 1960 no Brasil a partir de Vilém Flusser. Dentre sua produção bibliográfica, destacam-se as traduções O que é poder? (Vozes, 2019) e A salvação do belo (Vozes, 2019) de Byung-Chul Han, bem como os artigos “Flusser para além do ensaio: de outros modos possíveis de habitar a intersecção entre ficção e filosofia” (Flusser Studies, v. 25, 2018) e “Um circunvolver da noção de nada” (KRITÉRION, v. 133, 2016). Link de acesso ao CV Lattes: <lattes.cnpq.br/0415620981623081>. E-mail: gsphilipson@gmail.com.



[1] Cf. Moynahan, Brian (1994) Das Jahrhundert Russlands 1894–1994. München: Bertelsmann; p. 6.

[2] FREUD, Sigmund; BREUER, Josef ([1892]1893) “Sobre o mecanismo psíquico dos fenômenos histéricos”. In: Obras completas, vol. 2: Estudos sobre a histeria (1893-1895). Trad. L. Barreto. São Paulo: Companhia das Letras, 2016; pp. 18-38.

[3] Distrito de Moscou. (N. de T.)

[4] Optou-se por traduzir Mensch ora por “homem”, ora por “humano”. Sempre que remeter aos lemas e slogans bolcheviques e soviéticos, a opção será “homem”; em geral, em todos os outros casos, será “humano”. (N. de T.)

[5] BLOK, Alexander (1918) “Intelligenz und Revolution”. In: Ausgewählte Werke, vol. 2. Berlin: Verlag Volk und Welt, 1978; p. 170.

[6] Aqui, a clara referência a Nietzsche, que constituiu parte fundamental das leituras de juventude de Trótski, não impediu que se traduzisse Übermensch por super-homem — o que já há algum tempo não se considera mais adequado —, já que com isso se indica a interpretação do termo que Trótski parece realizar, perceptível não somente pela hifenização entre os termos. Cf. ROSENTHAL, B. G. Nietzsche in Russia. Princeton: Princeton University Press, 1986; ROSENTHAL, B. G. (Org.); Nietzsche and Soviet Culture: Ally and Adversary. Cambridge: Cambridge University Press, 1994; ROSENTHAL, B. G. (Org.). New Myth, New World: From Nietzsche to Stalinism. University Park, Pennsylvania: The Pennsylvania State University Press, 2002. (N. de T.)

[7] TROTZKI, Leon (1923) “Die Kunst der Revolution und die sozialistische Kunst”. In: GROYS, Boris; HAGEMEISTER. Michael (Orgs.) Die neue Menschheit. Biopolitische Utopien in Russland zu Beginn des 20. Jahrhunderts. Frankfurt a.M.: Suhrkamp, 2005; pp. 419-ss.

[8] Cf. ETKIND, Aleksandr (1996) Eros des Unmöglichen: Die Geschichte der Psychoanalyse in Russland. Leipzig: Gustav Kiepenheuer.

[9] Orfanato, em russo. Literalmente: lar de crianças. (N. de T.)

[10] BERMAN, Emanuel (2017a) “Psychoanalysis and Utopia”. Vortrag auf dem Kongress Zwischen Hoffnung und Verzweiflung. Die Geschichte der Psychoanalyse in Polen im polnisch-deutsch-jüdischen Kulturkontext. Krakau, 11.-13. Mai 2017 [Manuscrito não publicado]; p. 1.

[11] BERMAN, Emanuel (2000) “The utopian fantasy of a new person and the danger of a false analytic self”, Psychoanalytic Psychology, vol. 17, n. 1; pp. 39-ss.

[12] Isso começa com Otto Fenichel (1934), Wilhelm Reich (1929), Erich Fromm entre outros, Christfried Tögel (1988), Martin Miller (1998), Ruth Kloocke (2002) e Bernd Nitzschke (2005). Com sua monografia, que tem o significativo título de Eros do impossível (1996), Alexander Etkind situa a psicanálise russa na história cultural das primeiras décadas do século XX, abrindo novas perspectivas de investigação, que serão percebidas como emocionantes por autores como Irina Sirotkina (2002). Em geral, autores russos como Nina Vasilyeva (2000) ou Igor M. Kadyrov (2005) estão trabalhando na história da psicanálise na Rússia — alguns dos quais podem ser encontrados traduzidos para o inglês. Deve-se mencionar, em particular, o grande cronista da psicanálise russa: o finado Victor Ovcharenko (1943-2009). Ele escreveu mais de mil páginas do léxico da psicanálise russa (2010) e, junto com o V. M. Leibin, publicou uma antologia da psicanálise russa (1999) com materiais, documentos e estruturas.

[13] Enquanto Schmidt e Luria ficaram na União Soviética e Spielrein voltou para lá, há um grupo bem conhecido de psicanalistas russos — como Nikolai Osipov, Moshe Wulff e Max Eitingon — que escolheram uma solução diferente: a emigração.

[14] Korrespondenzblatt der Internationalen Psychoanalytischen Vereinigung (1921) Zur psychoanalytischen Bewegung in Moskau, IZP VII, p. 387-ss.

[15] ETKIND, Aleksandr (1996) Eros des Unmöglichen: Die Geschichte der Psychoanalyse in Russland. Leipzig: Gustav Kiepenheuer; p. 250.

[16] KÜHN, R. (2000). Interview mit Vladimir Ottovitch Schmidt, Moskau; pp. 13-20. [Manuscrito não publicado]; pp. 13-19.

[17] KÜHN, R. (2000). Interview mit Vladimir Ottovitch Schmidt, Moskau; pp. 13-20. [Manuscrito não publicado]; p. 20.

[18] Cf. KÜHN, R. (2000) Interview mit Vladimir Ottovitch Schmidt, Moskau; pp. 13-20 [Manuscrito não publicado]. Com a permissão amigável de Regine Kühn e Dr. Eduard Schreiber, Berlim — os diretores do filme Trotzkis Traum: Psychoanalyse im Land der Bolschewiki [O sonho de Trotski: a psicanálise na terra dos bolcheviques], Arte 2001.

[19] Cf. Korrespondenzblatt der Internationalen Psychoanalytischen Vereinigung (1924) Russische Psychoanalytische Gesellschaft. Sitzungsbericht der Russischen Psychoanalytischen Gesellschaft vom 18. Oktober 1923, IZP X, p. 114.

[20] STERBA, Richard (1982) Reminiscenses of a Viennese Psychoanalyst. Detroit: Wayne State University Press; pp. 111-ss.

[21] STERBA, Richard (1982) Reminiscenses of a Viennese Psychoanalyst. Detroit: Wayne State University Press; pp. 111-ss.

[22] MEIER, S. (2017) Comunicação oral. Berlin, 7 de agosto de 2017.

[23] MOVCHOVITCH, J. (2007) Comunicação oral. Rostov-sobre-o-Don, maio de 2007.

[24] SIROTKINA, Irina (2002) Diagnosing literary genius: a cultural history of psychiatry in Russia, 1880–1930. Baltimore, London: Johns Hopkins University Press; p. 179.

[25] Cf. PROCTOR, Hanna (2016) “‘A country beyond the pleasure principle’: Alexander Luria, death drive and dialectic in Soviet Russia, 1917–1930”, Psychoanalysis and History, vol. 18, n. 2; pp. 155-182.

[26] LURIA, Alexander Romanovich (1979) The making of mind. Orgs. M. Cole; S. Cole. Cambridge/MA: Harvard University Press; p. 18.

[27] LURIA, Alexander Romanovich (1979) The making of mind. Orgs. M. Cole; S. Cole. Cambridge/MA: Harvard University Press; p. 17.

[28] LURIA, Alexander Romanovich (1979) The making of mind. Orgs. M. Cole; S. Cole. Cambridge/MA: Harvard University Press; pp. 18-ss.

[29] Korrespondenzblatt der Internationalen Psychoanalytischen Vereinigung (1922) Zur psychoanalytischen Bewegung. Kasaner Psychoanalytischer Verein (Russland), IZP VIII, p. 525.

[30] Korrespondenzblatt der Internationalen Psychoanalytischen Vereinigung (1923) Abstract zu Luria, A. (1922). Die Psychoanalyse im Lichte der Tendenzen der neueren Psychologie [em russo]. Zur psychoanalytischen Bewegung. Kasaner Psychoanalytische Vereinigung, IZP IX, p. 238.

[31] Cf. VYGOTSKY, Lev; LURIA, Alexander (1925) “Introduction to the Russian translation of Freud’s Beyond the pleasure principle”. Disponível em: <www.marxists.org/archive/vygotsky/works/reader/p010.pdf>. Cf. também: PROCTOR, Hanna (2016) “‘A country beyond the pleasure principle’: Alexander Luria, death drive and dialectic in Soviet Russia, 1917–1930”, Psychoanalysis and History, vol. 18, n. 2; p. 165.

[32] Cf. BERMAN, 1988. Cf. também: PROCTOR, Hanna (2016) “‘A country beyond the pleasure principle’: Alexander Luria, death drive and dialectic in Soviet Russia, 1917–1930”, Psychoanalysis and History, vol. 18, n. 2; p. 172.

[33] Cf. STONE NAKHIMOVSKY, Alice (1992) Russian-Jewish literature and identity: Jabotinsky, Babel, Grossmann, Galich, Roziner, Markish. Baltimore, London: The John Hopkins University Press; p. 28.

[34] LURIA, Alexander Romanovich (1928) “Die moderne Psychologie und der dialektische Materialismus”. In: JANTZEN, Wolfgang; HOLODYNSKI, Manfred (Orgs.) Studien zur Tätigkeitstheorie VII. A.R. Luria heute. Bremen: Luria Gesellschaft, 1992; pp. 5-26.

[35] Cf. PROCTOR, Hanna (2016) “‘A country beyond the pleasure principle’: Alexander Luria, death drive and dialectic in Soviet Russia, 1917–1930”, Psychoanalysis and History, vol. 18, n. 2; p. 176.

[36] A biografia de Sabina Speilrein já foi, em grande parte, bastante pesquisada. Por isso, aqui se concentra apenas em seus anos posteriores na União Soviética.

[37] SPIELREIN, Eva (1917) Excerto de uma carta inédita para Sabina Spielrein de 18 de abril de 1917 [calendário juliano]. Acervo particular, Genebra [original em russo].

[38] Carta de Sabina Spielrein a Carl Gustav Jung de 6 de janeiro de 1918. Cf. SPIELREIN, Sabina (2003) Tagebuch und Briefe. Die Frau zwischen Jung und Freud. Org. T. Hensch. Gießen: Psychosozial-Verlag; p. 162.

[39] Cf. GARF [Gosudarstvennyi Arkhiv Rossiiskoi Federatsii], Lista de colaboradores de equipe no Instituto de Psicanálise Estatal e do Orfanato-Laboratório “Solidariedade Internacional”. Moscou. Fundo A 2307, Pasta 9, Dossiê 222, Folha 42-verso. [original em russo]

[40] Cf. SPIELREIN, Sabina (1929) “Sobre a palestra do Dr. Skalkovsky” [Trad. R. Mundt; P. S. de Souza Jr.]. In: SOUZA Jr., Paulo Sérgio de (2017) A psicanálise e os lestes, vol. 1. São Paulo: Annablume; p. 150.

[41] Cf. LIEBERMMAN, Guido (2012) A psicanálise em Israel: sobre as origens do movimento freudiano na Palestina britânica (1918-1948). Trad. P. S. de Souza Jr.. São Paulo: Annablume, 2019; no prelo. (N. de E.)

[42] BERMAN, Emanuel (2017b) Comunicação pessoal. Haifa, 24 de maio de 2017.

[43] FREUD, Sigmund (1927) O futuro de uma ilusão. Trad. R. Zwick. São Paulo: L&PM; p. 129.

[44] Paul Nizan (1905-1940) foi um escritor, crítico e comunista francês.

[45] CHASSEGUET-SMIRGEL, Janine; GRUNBERGER, Béla (1976) Freud or Reich? Psychoanalysis and Illusion. Trad. C. Pajaczkowska. London: Free Associations Books, 1986; p. 213.

[46] KUSSMANN, T. (1996) “Präsident Jelzin unterzeichnet einen Erlaß zur Wiederbelebung der Psychoanalyse in Rußland”, Social Science Open Access Repository, vol. 50. Disponível em: <www.ssoar.info/ssoar/handle/document/4646>.

[47] Traduzido do russo pela Dr. Theol. Maria Sokolskaia, de Berna.




COMO CITAR ESTE ARTIGO | RICHEBÄCHER, Sabine (2017) Uma ligação perigosa com o poder: a psicanálise na Rússia bolchevique [Trad. G. S. Philipson]. Lacuna: uma revista de psicanálise, São Paulo, n. -7, p. 1, 2019. Disponível em: <https://revistalacuna.com/2019/08/07/n-7-1/>