por Caio Padovan
1. Introdução
A convite da revista Lacuna, propomos aqui uma introdução à análise empírico-conceitual, um método de investigação em história intelectual empregado em minha tese de doutorado sobre as origens do método psicanalítico.
Tomando como base o texto de uma conferência realizada em 2019, no contexto do I Simpósio Internacional de História da Psicanálise na América Latina, nossa exposição será dividida em duas partes. Em um primeiro momento, faremos uma discussão sobre o lugar ocupado por este método, entendido como um caso particular de história conceitual, no contexto mais amplo da historiografia psicanalítica. Na sequência, a fim de ilustrar o seu exercício, apresentaremos de maneira concisa um exemplo de aplicação deste tipo de análise ao estudo de um importante evento associado à história da psicanálise, a saber, a concepção freudiana de “inconsciente dinâmico”. À guisa de conclusão, realizaremos uma breve reflexão sobre a utilidade da análise empírico-conceitual na investigação de um certo número de acontecimentos ligados à evolução das ideias psicanalíticas.
2. O lugar da história conceitual na historiografia psicanalítica
2.1. A história conceitual enquanto projeto historiográfico
A expressão “história conceitual”, em alemão Begriffsgechichte, será difundida entre os anos 1820 e 1830 pelo filósofo alemão Georg W.F. Hegel (1770-1831), em suas Lições sobre a filosofia da história[1]. Enquanto projeto historiográfico, ela será definida como um caso particular de “história reflexiva” [reflektierende Geschichte] que, segundo Hegel, se distingue da chamada “história originária” [ursprüngliche Geschichte], representada pelas obras clássicas de Heródoto e Tucídides e centrada na simples descrição de eventos factuais, assim como da dita “história filosófica” [philosophische Geschichte], representada pelos seus próprios trabalhos e centrada na elaboração de uma história do progresso da razão baseada no estudo de eventos históricos concretos.
Ainda de acordo com a tipologia estabelecida por Hegel, a categoria de história reflexiva comportará ainda três outras modalidades de história, para além da história conceitual[2]. Serão elas: a “história geral”, preocupada com a construção de uma narrativa abrangente dirigida a um conjunto bem definido de eventos, a exemplo da História dos suíços de Johann von Müller (1752-1809)[3], citada pelo filósofo em seu trabalho. Nesta obra, cujo primeiro volume será publicado em 1780, Müller retraça a história dos primeiros habitantes do território que corresponde a atual Suíça, incluindo aí uma descrição das particularidades de sua geografia, até a consolidação da chamada confederação Suíça e a dominação francesa na passagem do século XVIII ao XIX. Na sequência, Hegel nos apresenta a chamada “história pragmática”, que busca realizar uma releitura do passado visando a solução de um problema no presente. Segundo o autor, embora ela possa se mostrar útil na “educação moral das crianças”, permitindo a assimilação de um certo número de valores, a história pragmática será finalmente considerada como insuficiente e mesmo deletéria. Enfim, a terceira modalidade de história será nomeada pelo filósofo de “história crítica”, um gênero novo associado à “alta crítica” [höhere Kritik] filológica que começa a se interessar pela veracidade e confiabilidade das fontes através de um estudo rigoroso dos documentos em análise. Esta forma de se fazer história será tratada pelo autor com desconfiança, na medida em que justifica a “introdução de todo tipo de monstruosidade não-histórica” no interior de uma narrativa histórica filosoficamente orientada. Cabe lembrar ou insistir que nenhuma dessas modalidades de história foi propriamente inventada por Hegel. Ao criar tais categorias, o filósofo atribui um nome a diferentes tradições historiográficas que vinham se consolidando desde meados do século XVIII[4].
Relativo à história conceitual, a quarta e última modalidade de história reflexiva, Hegel fará menção às assim chamadas história “parciais”, como a “história da arte, do direito e da religião”, que tomam por objeto um conceito de maneira isolada. Ora, sabemos que em sua Fenomenologia do espírito[5], publicada mais de uma década mais cedo, a noção de “conceito” [Begriff] ocupará um lugar central. Em poucas palavras, podemos dizer que, do ponto de vista ontológico, ela será entendida como a expressão do ser no espírito, podendo se manifestar em forma de categorias abstratas, como, por exemplo, as de arte, direito e religião. Neste sentido, uma história conceitual da arte corresponderia a uma história da arte enquanto conceito, quer dizer, enquanto expressão ontológica do ser no interior de uma história do espírito. É por esta razão que Hegel irá situar a história conceitual entre a história reflexiva e a história filosófica, posto que o estudo conceitual da arte em seu desenvolvimento poderá nos revelar um fragmento “parcial” da história mais geral do progresso espiritual da razão. A célebre História da arte entre os antigos[6] de Johann Joachim Winckelmann (1717-1768), publicada em 1764 e que busca traçar uma história do progresso da arte grega em direção à perfeição estética, é nestes termos bastante ilustrativa e poderia ser considerada por Hegel como exemplar.
No entanto, como nos atesta Duncan Forbes em um importante ensaio sobre o assunto[7], esta concepção metafísica de história – atravessada pelo pensamento hegeliano – será mal recebida por um bom número de historiadores profissionais, sobretudo aqueles partidários da história crítica, que tendem a desconfiar da aplicação de princípios filosóficos apriorísticos a fatos históricos bem estabelecidos.
Ao longo de todo século XIX, assistiremos a um desenvolvimento notável da “alta crítica” filológica, em grande medida mobilizada pelos trabalhos do historiador alemão Leopold von Ranke (1795-1886). Será a partir deste momento que a noção de conceito passará a ser tomada em sua dimensão puramente representacional e não mais metafísica, aproximando-se assim de uma definição mais kantiana de conceito, segundo a qual um conceito não cria a realidade em termos ontológicos, limitando-se a enquadrá-la ou a representá-la em um sentido mais epistemológico. Em sua obra tardia Lógica[8], publicada em 1800, Immanuel Kant (1724-1804) propõe uma distinção clara entre conceitos “puros” [reiner Begriff], que correspondem às categorias puras do entendimento, e conceitos “empíricos” [empirischer Begriff], que resultam do contato dos sentidos com os objetos da experiência.
Durante o mesmo período, assistiremos ainda ao abandono gradativo da dimensão teleológica da história como progresso, também sustentada por Hegel e por alguns de seus contemporâneos. Ela será substituída pela ideia de progressão, concebida como uma forma de desenvolvido cronológico e linear desprovida de finalidade. No prefácio à obra As origens da França contemporânea[9], publicado em sua primeira edição no ano de 1875, o filósofo francês Hippolyte Taine (1828-1893) ilustra esta concepção de história de maneira exemplar. De acordo com o autor, o historiador deve se comportar diante de seu objeto “como um naturalista”, como se estivesse “diante da metamorfose de um inseto”, quer dizer, descrevendo, classificando e estabelecendo de maneira indutiva categorias de análise generalizáveis[10]. A história como progressão nos conduz a um princípio caro à historiografia do século XIX, considerada por seus representantes como científica, a saber: o princípio de continuidade.
Assim, seguindo uma orientação antimetafísica e antiteleológica, uma história geral e crítica dos conceitos dará enfim origem durante a segunda metade do século XIX a uma história das ideias encarnadas marcada pela pelo princípio da continuidade entre os diferentes períodos de seu desenvolvimento. Um exemplo paradigmático de história conceitual deste tipo se encontra na influente História do materialismo[11], publicado nos anos 1860 pelo filósofo alemão Friedrich Albert Lange (1828-1875). Neste trabalho, Lange nos propõe uma história do conceito de materialismo dividida em dois grandes períodos: antes de Kant e depois de Kant. Estes dois períodos serão abordados separadamente pelo autor ao longo dos dois volumes que compõe a obra. O primeiro deles será discutido em quatro seções, de modo a abarcar o materialismo na antiguidade, na filosofia medieval, no século XVII e no século XVIII. O segundo, desenvolvido igualmente em quatro seções, inclui dois capítulos dedicados a Kant e a filosofia pós-kantiana, uma seção inteiramente consagrada às ciências naturais e duas outras sobre os avanços das pesquisas científicas sobre o homem e sobre o impacto do materialismo na ética e na religião. Como podemos notar, em Lange a noção de conceito assumirá ainda uma versão psicológica e não apenas epistemológica e o princípio de continuidade ganha uma dimensão quase ilimitada, contemplando um espaço de tempo de mais de dois mil anos.
Mais para o final do século XIX, um terceiro elemento deverá se somar a esta equação. Referimo-nos aqui ao aporte das então nascentes ciências humanas à pesquisa histórica. Como nos demonstra Peter Burke, em seu conhecido trabalho História e teoria social[12], aquilo que durante a primeira metade do século XX será chamado de história social e cultural encontra suas origens nesse prolífico diálogo dos historiadores com a sociologia, com a antropologia e com a psicologia científica. Sabemos ainda que o projeto em torno de uma “história total”, levada a cabo no final dos anos 1920 pelos historiadores franceses Lucien Febvre (1878-1956) e Marc Bloch (1886-1944) com a criação dos Anais de história econômica a social, explorará ao máximo as potencialidades desse debate. Tal projeto, representado pela dita Escola dos anais, estará na origem da chamada Nouvelle histoire, em grande medida mobilizada pelo medievalista francês Jacques Le Goff (1924-2014)[13].
Será neste mesmo período, na passagem do século XIX para o XX, que a História das ciências irá se desenvolver enquanto disciplina[14]. Seu interesse pelo aporte das ciências humanas irá conduzi-la, principalmente a partir dos anos 1930, ao grande campo da história das ideias ou intelectual[15]. Esta adesão resultará na emergência de diferentes abordagens historiográficas dirigidas a eventos ligados à história das ciências. Uma das primeiras tentativas de organizar o campo será feita em 1938 pelo filósofo alemão Hans Reichenbach (1891-1953), que em seu influente trabalho Experiência e predição irá propor duas categorias de análise que se tornarão paradigmáticas nas décadas seguintes. Trata-se aqui das noções de “contexto da descoberta” e de “contexto da justificação”. A primeira fará referência ao contexto mais amplo, social e político, dentro do qual uma descoberta será feita e que um conceito será forjado; a segunda chamará a atenção para o contexto mais restrito, teórico e empírico, a partir do qual a mesma descoberta e o mesmo conceito serão estabelecidos[16]. Mais tarde, estes diferentes modos de aproximação serão, respectivamente, nomeados: “externalistas”, ao privilegiarem tudo aquilo que é externo à esfera do conceito, e “internalistas”, ao priorizarem aquilo que é interno ao campo do conceito. Raramente, no entanto, encontramos representantes puros de um ou outra destas abordagens.
2.2. Breve retomada dos principais trabalhos de história conceitual dirigidos à psicanálise
Considerando nossos objetivos neste trabalho, de introduzir os princípios da análise empírico-conceitual, nos interessaremos no contexto dessa seção pelas correntes que se aproximam de uma abordagem internalista, razão pela qual não evocaremos durante nossa exposição algumas obras importantes de cunho mais externalista. Como veremos mais adiante, isso não quer dizer que nosso método ignore tudo aqui que é externo ao conceito, mas sim que ele não se propõe a estudar tais elementos de maneira sistemática.
Ao aplicar esses critérios, podemos dizer que o primeiro grande trabalho de história conceitual dirigido à psicanálise foi publicado em 1932, pela filósofa alemã Maria Dorer (1898-1974), com o título: As bases históricas da psicanálise[17]. É verdade que este trabalho fora precedido por bom número de contribuições que poderiam ser igualmente tomadas como histórias conceituais da psicanálise. A este propósito, podemos citar o artigo: Sobre os fundamentos psicológicos do freudismo[18], publicado entre 1913 e 1914 pela filósofa e psicóloga polonesa Louise von Karpinska (1872-1937). Neste trabalho, inicialmente escrito em polonês e cuja versão alemã irá aparecer no segundo número da Revista internacional de psicanálise médica, a autora estabelece linhas de continuidade conceitual entre a psicologia implícita de Freud e o pensamento do filósofo alemão Johann Friedrich Herbart (1776-1841). Nesta mesma linha, caberia ainda citar a sequência de artigos publicada durante este mesmo período, entre 1912 e 1913, pelo filósofo alemão Kuno Mittenzwey[19]. Ainda que menos comprometido com uma história da psicanálise, este minucioso trabalho de análise conceitual dirigido às recentes teorias psicológicas de Freud será tomado como uma importante fonte secundária para historiadores da nova ciência. Publicado com o título: Elementos para uma exposição crítica da teoria freudiana das neuroses, as contribuições de Mittenzwey serão mencionadas por Ernest Jones nos anos 1950 como “talvez a melhor revisão histórica do desenvolvimento inicial das ideias de Freud”[20]. Por razões que não nos são inteiramente claras, esta obra fora totalmente ignorada pela literatura secundária[21].
Em sua obra sobre as bases históricas da psicanálise, Dorer irá retomar a tese de Karpinska chamando a atenção para as relações entre a psicologia de Freud e a filosofia de Herbart. Mas sua contribuição não se limitará ao estabelecimento deste paralelo. De maneira original, Dorer discutirá em detalhe a influência exercida pelo contexto médico de língua alemã sobre as primeiras elaborações de Freud, atribuindo um lugar de destaque a dois eminentes representantes desta tradição: Wilhelm Griesinger (1817-1868) e Theodor Meynert (1833-1892).
É interessante notar que, do ponto de vista metodológico, a autora se propõe a traçar em sua obra “as bases rigorosamente imediatas e concretas” da psicanálise de Freud, não se ocupando do estudo de possíveis influências por ela julgadas como demasiado distantes ou indiretas. Para tal, Dorer irá estabelecer no último capítulo de seu trabalho, dedicado aos resultados de sua investigação, uma distinção entre “diferentes camadas” de base histórica, fundamentalmente duas: uma primeira composta pelos elementos cronologicamente mais próximos da psicologia psicanalítica; uma segunda composta por elementos “historicamente mais precoces”.
Dentre os elementos mais próximos que compõe a primeira camada, Dorer irá isolar três diferentes “estratos”, incluindo: a) a base imediata da anatomia e da fisiologia implicados na psicofisiologia de Meynert; b) as influências secundárias em matéria de psicologia, representadas aqui por outro de seus mestres, Ernst Brücke, assim como pelas figuras de Hermann von Helmholtz e Emil du Bois-Reymond, e ainda seu colega Joseph Breuer; c) as influências dos pesquisadores franceses, em particular Jean-Martin Charcot, Pierre Janet e Hippolyte Bernheim. Dentre os elementos que compõe as camadas mais precoces e distantes, Dorer irá isolar dois estrados, a) o primeiro deles marcado pela influência de Theodor Fechner, transmitida a Freud através de seus mestres, b) o segundo pela influência menos direta de Herbart, transmitida através dos escritos de Griesinger. Como veremos mais adiante, esse raciocínio por camadas e estratos será retomado na definição de nosso método.
Um segundo trabalho digno de nota do ponto de vista da tradição conceitual em história da psicanálise será publicado trinta anos mais tarde, em 1962, pelo psicanalista de origem sueca Ola Andersson (1919-1990). Trata-se aqui dos seus Estudos sobre a pré-história da psicanálise[22]. Diferente de Dorer, Andersson não se propõe a fazer um estudo geral e sistemático dos fundamentos ou das bases históricas da psicanálise, se dedicando à investigação de uma questão bastante precisa no interior da história da psicanálise, a saber, o problema da etiologia das psiconeuroses entre 1886 e 1896. Nesta contribuição, considerada por alguns como a primeira representante da historiografia savante em psicanálise[23], o psicanalista sueco estabelecerá um diálogo crítico com os trabalhos de caráter biográfico publicados entre os anos 1940 e 1950 por Siegfried Bernfeld (1892-1953)[24] e principalmente por Ernest Jones (1879-1958)[25]. Segundo Andersson, tais trabalhos, ao lado de alguns outros, publicados durante este mesmo período, se limitam à análise da “personalidade de Freud”, tentando “explicar a essência de sua obra a partir de sua evolução psicológica e de sua experiência pessoal”[26].
Com o objetivo de ir além de uma abordagem quase que exclusivamente centrada na figura de Freud e nas narrativas freudianas, Andersson realiza uma investigação conceitual detalhada de um conjunto de eventos científicos ligados às primeiras descobertas nosológicas de Freud. Uma grande parte desta pesquisa será dedicada ao contexto científico francês dos anos 1880, em particular às contribuições psicopatológicas de Jean-Martin Charcot (1825-1893), até então pouco estudadas.
Tal investigação foi possível no início dos anos 1960 em razão de pelo menos dois fatores. O primeiro deles está diretamente ligado à publicação de documentos até então pouco acessíveis aos pesquisadores interessados pela história da psicanálise. Dentre estes documentos, destacamos a seleção de cartas endereçadas por Freud a Wilhelm Fliess (1858-1928) entre 1887 e 1902[27], que seriam transcritas e editadas em alemão em 1950. A este respeito, podemos ainda chamar a atenção para outra seleção de cartas cobrindo um período mais extenso, de 1873 a 1939[28], que seria editada pela primeira vez em alemão em 1960 e que revelariam, em primeira mão, uma série de informações relativas aos períodos iniciais da emergência da psicanálise enquanto disciplina científica. A isso se soma a transcrição e a análise crítica de manuscritos inéditos sobre o percurso acadêmico de Freud[29], realizadas por Josef e Renée Gicklhorn, também em 1960. O segundo destes fatores está menos ligado às fontes em si e mais a uma tomada de posição particular em relação aos documentos em questão, que passarão a ser estudados independentemente do controle institucional da Associação Psicanalítica Internacional e a despeito das narrativas contadas pelas testemunhas oculares desta história. Andersson, por exemplo, irá recorrer a uma série textos e manuscritos, incluindo aí conferências e resenhas de Freud, que não constavam nas obras completas do autor.
Mobilizado pelos mesmos princípios metodológicos, o psicanalista de origem suíça Henri F. Ellenberger (1905-1993) publicaria alguns anos mais tarde, em 1970, seu célebre A descoberta do inconsciente: história e evolução da psiquiatria dinâmica. Sabemos hoje que Ellenberger e Andersson mantiveram uma reveladora correspondência durante os anos 1960 e que os Estudos de Andersson chegaram a influenciar os trabalhos de Ellenberger[30], ainda que o projeto deste último fosse assumidamente mais amplo, não podendo ser estritamente considerado como um exemplo de história conceitual. Suas contribuições à história dos conceitos psicanalíticos são em todo caso inegáveis, chegando por vezes a constranger a historiografia oficial a rever algumas de suas convicções mais cristalizadas. A este respeito, lembramos aqui de seu artigo de 1968 sobre a conferência de Freud proferida em 1886 sobre a histeria masculina. Através de uma leitura crítica das fontes primárias associadas a este acontecimento e a despeito do próprio testemunho de Freud, Ellenberger problematiza a narrativa oficial sustentada pelo movimento psicanalítico, segundo a qual o jovem médico vienense teria sido mal recebido e mesmo ridicularizado perante os seus colegas. Ora, esta constatação permitiu à história conceitual toda uma reorientação de seus interesses, tal como demonstramos recentemente em nossa tradução comentada desta conferência pouco conhecida de Freud[31]. O mesmo pode ser dito em relação à importante obra do historiador americano Frank Sulloway, Freud, biólogo da mente[32], publicada em 1979, um trabalho de história intelectual que visa desconstruir alguns mitos persistentes no interior da historiografia psicanalítica, contribuindo assim para a construção de uma história conceitual mais precisa e menos desinformada. Para citar apenas mais um importante trabalho que vai nesta mesma direção, lembramos aqui do artigo de Andersson sobre o caso de Emmy von N. – caso descrito por Freud em 1895 no contexto da obra Estudos sobre a histeria – onde o historiador nos propõe uma reconstrução desta história clínica a partir de elementos inéditos encontrados nos arquivos Sigmund Freud[33]. Este artigo seria inicialmente apresentado em forma de comunicação no ano de 1965, sendo publicado quase quinze anos mais tarde, em 1979.
De nossa parte, no que diz respeito à análise empírico-conceitual, buscamos integrar do ponto de vista metodológico diferentes aportes desta tradição, como o recurso aos mais variados documentos e a independência institucional em relação às grandes narrativas, assim como o rigor no estudo das fontes primárias.
Dando continuidade a este breve histórico, evocamos a obra de Kenneth Levin, publicado em 1978 com o título: As primeiras elaborações psicológicas de Sigmund Freud sobre as neuroses[34]. Pouco conhecido no Brasil, este trabalho se alimenta de algumas pesquisas de caráter histórico conduzidas durante os anos 1960 pelo psicanalista americano John Gedo[35]. Um dos diferenciais do trabalho de Levin reside na importância atribuída pelo autor à relação entre teoria e clínica. Segundo Levin:
o mais importante em relação às realizações de Freud é que ele se esforçou em seguir suas formulações enquanto um cientista: utilizando conceitos já conhecidos como base para a sua teoria, modificando estes conceitos à luz de sua experiência clínica e permanecendo receptivo de maneira impressionante às experiências que contradizem formulações confirmadas[36].
Uma das consequências desta posição, o levará a considerar que os primeiros modelos teóricos de Freud “estavam mais estreitamente ligados à literatura médica e psicológica de seu tempo do que estávamos até então dispostos a admitir”[37]. Mais tarde, os trabalhos de Paul Bercherie na França irão caminhar no mesmo sentido[38], assim como – e principalmente – aqueles de Marcel Gauchet[39]. Estes princípios serão retomados por nosso método, como discutiremos mais adiante.
Por fim, em continuidade com as contribuições de Levin, mencionamos os trabalhos publicados a partir dos anos 1990 pela psicanalista alemã Ulrike May, trabalhos que, em termos metodológicos, tenderão a se aproximar ainda mais de nossa proposta historiográfica. Em sua obra Redescoberta e reconstrução da primeira teoria clínica de Freud[40], publicada em 1996, May busca apresentar a primeira teoria freudiana sobre as neuroses tentando articulá-la de maneira estrita às observações clínicas realizadas pelo médico vienense entre 1894 e 1896. Em conclusão, a psicanalista argumenta que, com sua primeira teoria clínica, Freud foi capaz de responder a uma série de questões psicopatológicas deixadas em aberto pela psiquiatria e pela neuropatologia a ele contemporâneas. Neste sentido, tal teoria teria se desenvolvido dentro de um campo comum de experiências, dando mais tarde origem à elaboração de uma metapsicologia especulativa. A distinção estabelecida por May entre “teoria clínica” e “metapsicologia” encontra suas origens no pensamento epistemológico de do psicanalista húngaro David Rapaport (1911-1960), autor de A estrutura da teoria psicanalítica[41], publicado em 1960. Uma coletânea de artigos escritos por Ulrike May, incluindo investigações inovadoras realizadas pela autora sobre alguns manuscritos inéditos de Freud, fora recentemente publicada com o título Freud na lida: sobre a história da teoria e da prática psicanalíticas, acompanhado de uma análise da agenda de pacientes de Freud[42].
2.3. O legado da história conceitual para a historiografia psicanalítica
Em conclusão, podemos reunir aqui alguns dos principais legados da história conceitual para a historiografia da psicanálise elencando os seguintes pontos: a) descentramento da figura de Freud e crítica do testemunho freudiano; b) questionamento das narrativas oficiais e institucionalizadas; c) análise rigorosa de documentos e estudo das fontes primárias.
a) A partir do primeiro, somos levados a relativizar o papel de Freud na elaboração de conceitos ditos psicanalíticos, seja através do estudo do contexto científico mais amplo dentro do qual ele está inserido, como nos propõe Levin já nos anos 1970, seja através do estudo da literatura psicanalítica por assim dizer “para-freudiana”, quer dizer, paralela às contribuições de Freud, como nos propõe Ulrike May em alguns dos seus artigos. Uma investigação deste último tipo, que visa entender a emergência de conceitos psicanalíticos no interior do próprio movimento psicanalítico, vem sendo realizada nos últimos anos por nós a partir da tradução de alguns artigos clássicos em história da psicanálise[43]. Outras publicações realizadas recentemente no Brasil vêm igualmente contribuir para este mesmo projeto, como a tradução do primeiro volume das atas da Sociedade psicanalítica de Viena, organizada por Marcelo Checchia, Ronaldo Torres e Waldo Hoffmann com o título: Os primeiros psicanalistas[44].
Por outro lado, no que diz respeito à crítica dos testemunhos freudianos, nos referimos mais precisamente à relativização daquilo que o próprio Freud veiculou a respeito de sua história, assim como sobre a história de sua criação, a psicanálise. Nenhuma historiografia séria pode se basear exclusivamente neste tipo de testemunho. Ao estudar estes trabalhos, nos encontramos diante de narrativas atravessadas por uma série de exigências de ordem psicológica, social e discursiva, havendo, portanto, a necessidade de recorrer a outras fontes com o objetivo cruzar informações. Textos como A história do movimento psicanalítico[45] e Um estudo autobiográfico[46], dizem mais sobre aquilo que Freud queria que a psicanálise fosse do que aquilo que ela poderia ser a despeito do ideal de psicanálise por ele sustentado. Eles constituem uma valiosa fonte de informações sobre a organização institucional do movimento psicanalítico, nos revelando mágoas, rancores e anseios manifestos por Freud e por alguns de seus colaboradores, mas não podem ser tomados como referências infalíveis para o historiador.
No que diz respeito ao segundo ponto, ligado ao questionamento das narrativas oficiais e institucionalizadas, que vão desde o estabelecimento de textos estandardizados até construções de personagens idealizados por meios da elevação de ídolos.
Em relação à estandardização de textos, sabemos que essa história começa muito cedo, já em 1906, com a publicação da Sammlung kleiner Schriften ou “Coletânea de escritos breves”, a primeira reunião de textos freudianos, agrupando artigos publicados pelo autor desde 1893. Este pequeno volume, que não chega a ultrapassar as 250 páginas, começa com uma reedição do obituário de Charcot, passa pela comunicação preliminar e pelos artigos clínicos e técnicos escritos pelo futuro psicanalista entre os anos 1890 e 1900, e termina com seu trabalho retrospectivo sobre o papel da sexualidade na etiologia das neuroses, de 1906. Seguindo a mesma lógica, quadro outros pequenos volumes serão publicados entre 1912 e 1922. Mais tarde, em 1924, sob o título de Zur Technik der Psychoanalyse und zur Metapsychologie ou “Sobre a técnica da psicanálise e sobre metapsicologia”, serão pela primeira vez reunidos os chamados artigos sobre a técnica e os ditos artigos metapsicológicos. Vale notar que os artigos agrupados nesse volume não coincidem ponto a ponto com aqueles que serão décadas depois reunidos e traduzidos no contexto de diferentes coletâneas mundo afora. Enfim, entre 1925 e 1928, serão publicados onze volumes dos Gesammelte Schriften (Escritos completos) de Freud, que servirão de base para as demais compilações, como a Gesammelte Werke (Obras completas), publicada inicialmente em 17 volumes a partir dos anos 1940.
A este respeito, não podemos deixar de fazer referência à Standard Inglesa das obras completas de Freud, com todo seu aparelho de notas e comentários, cujos propósitos institucionais são bastante conhecidos e documentados. Publicada em 24 volumes entre 1953 e 1974, ela se tornará a tradução oficial de Freud no interior do mundo psicanalítico institucionalizado, assumindo um lugar de destaque no seio da International Psychoanalytical Association. Seu aparelho crítico servirá inclusive de modelo para outras traduções, como a brasileira publicada pela editora Imago e a espanhola publicada pela editora Amorrortu, entre outras.
Ora, estudadas de maneira acrítica, estas edições – mesmo aquelas publicadas em alemão, vale insistir – podem nos induzir a erros, não servindo, portanto, como fontes absolutamente confiáveis do ponto de vista historiográfico. Com alguma frequência, o estudo atento das fontes acaba nos revelando um certo número de incongruências entre os originais e as reedições, razão pela qual o historiador intelectualmente honesto deverá sempre que possível se prestar à consulta das primeiras versões dos documentos em análise. Incongruências desse tipo podem ser encontradas no famoso artigo de Freud Além do princípio do prazer, quando comparado às suas diferentes edições publicadas. Um estudo comparativo das quatro versões existentes do texto, uma delas em formato manuscrito, fora recentemente publicado em inglês, no número especial da revista Psychoanalysis and History[47]. Na mesma linha, o psicanalista argentino Juan Carlos Cosentino realizou em 2011, na sua tese doutoral, um estudo das diferentes versões manuscritas do artigo O eu e o isso, publicado por Freud em 1923[48].
Evidentemente, uma análise comparativa deste tipo se mostra absolutamente necessária para historiadores que lidam com traduções de fontes primárias. Talvez o exemplo mais óbvio para o pesquisador brasileiro seja a primeira tradução das obras completas de Freud para o português, realizada sob a coordenação de Jayme Salomão a partir da tradução inglesa e publicada pela editora Imago nos anos 1970. Sabemos que desde os anos 1980, tradutores e psicanalistas, como Paulo César de Souza e Marilena Carone, apontam para as limitações desta versão traduzida diretamente do inglês sem passar pelo alemão[49]. Ela reproduz alguns problemas já conhecidos da Standard inglesa somando a estes ainda outros, produzindo assim um certo número de confusões e mal entendidos. Um fenômeno semelhante – e até o momento ignorado pela grande crítica – ocorreu e continua ocorrendo com as obras completas de Sándor Ferenczi, cuja tradução brasileira, publicada no início dos anos 1990 pela Martins Fontes, se baseia em uma tradução francesa datada do final dos anos 1960 que, por sua vez, se apoia em uma tradução inglesa ainda mais antiga.
b) Referente à construção de personagens idealizados, chamamos a atenção para as numerosas biografias ou mesmo notas biográficas de cunho “hagiográfico” escritas por psicanalistas e não psicanalistas que, pelas mais diversas razões, se encontram engajados em um projeto de hipervalorização de um dado autor ou grupo ligado à psicanálise. Sabemos que a noção de “hagiografia” fora empregada já nos anos 1980 pela historiadora da psicanálise alemã, Ilse Grubrich-Simitis[50], com o objetivo de qualificar narrativas excessivamente favoráveis ao seu objeto, a moda das conhecidas biografia de homens santos realizadas durante a alta idade média. Recorrendo às categorias propostas por Hegel, expostas por nós mais acima, poderíamos associar as hagiografias enquanto gênero literário às histórias pragmáticas, na medida em que visam, acima de tudo, agir sobre o presente.
Encontramos exemplos dessas narrativas desde muito cedo na história da psicanálise. Em 1910, em meio a uma comunicação realizada no contexto do segundo Congresso internacional de psicanálise, Ferenczi constrói uma verdadeira epopeia ao contar o percurso de Freud em direção às descobertas psicanalíticas fundamentais[51]. Nos anos 1950, outra testemunha ocular de seus atos, Ernest Jones, publicará em três volumes a primeira biografia oficial do criador da psicanálise, cuja função será, ao menos em parte, estandardizar a figura do mestre, salientando suas qualidades e minimizando seus defeitos.
Esta mesma preocupação com a preservação da imagem institucional e moral de figuras de liderança irá se revelar através da publicação parcial de documentos e manuscritos, como foi o caso da publicação incompleta das correspondências de Freud a Fliess em 1950. Ora, o avesso da hagiografia, como bem destaca Richard Simanke e Fátima Caropreso em trabalho recente sobre o tema[52], será representado nos anos 1980 pela escola revisionista americana, cujo objetivo será o inverso, quer dizer, o de destruir a imagem de Freud hipervalorizando seus defeitos, tanto no plano pessoal quanto científico. Os trabalhos de Jeffrey Masson[53] e, mais recentemente, de Mikkel Borch-Jacobsen[54] são exemplares neste sentido. A lista, no entanto, é bastante longa, incluindo a partir dos anos 2000 os artigos históricos do famoso Livro negro da psicanálise[55].
Há muito a fazer no Brasil a fim de combater estas duas tendências, principalmente a primeira, associada à idealização dos grandes mestres da psicanálise[56]. O historiador brasileiro da psicanálise deve ser capaz de tomar posição de maneira sóbria em relação a estes assuntos. Um importante trabalho ligado à desmistificação da figura do psicanalista francês Jacques Lacan vem sendo realizado atualmente em duas frentes. A primeira delas com a tradução dos textos de juventude de Lacan, realizada por Paulo Sergio de Souza Jr. no contexto do projeto Escritos avulsos[57]. O segundo com o estudo da recepção dos textos lacanianos no Brasil, conduzido por Francisco Capoulade[58]. Ambos os projetos nos ajudam a situar o situar historicamente o autor e a desencantar, tanto quanto possível, o seu ensino.
c) Por fim, o terceiro e último ponto, ligado à análise rigorosa dos documentos e ao estudo das fontes primárias, pressupõe o desenvolvimento de um senso crítico – garantido pela assimilação dos dois primeiros pontos – mas nos impondo uma nova exigência, o acesso a uma ampla biblioteca de referência.
No que diz respeito ao acesso, este problema vem sendo sanado nos últimos anos graças à consolidação de bancos de dados bibliográficos, como é o caso dos arquivos PEP-Web[59], que reúnem uma enorme quantidade de material, principalmente em língua inglesa e alemã. São mais de 70 periódicos e mais de 90 obras clássicas disponibilizadas na íntegra, incluindo as obras completas de Freud em inglês e alemão, correspondências e dicionários. Dentre estes periódicos, encontramos todos os volumes da revista alemã Luzifer-Amor: Zeitschrift zur Geschichte der Psychoanalyse, assim como da revista inglesa Psychoanalysis and History, dois importantes veículos de difusão de pesquisas históricas sobre psicanálise. Encontramos também todos os números das primeiras revistas psicanalíticas, colocadas em circulação pelo próprio Freud a partir de 1909, como o Jahrbuch für psychoanalytische und psychopathologische Forschung, o Zentralblatt für Psychoanalyse, a revista Imago e o Internationale Zeitschrift für Psychoanalyse.
Neste mesmo sentido, podemos citar ainda a coleção da International Psychoanalytic University (IPU) de Berlim, cujo acervo se encontra parcialmente digitalizado, assim como uma porção significativa da coleção dos Sigmund Freud Archives, que se encontram atualmente nos Estados Unidos, preservados na famosa Biblioteca do Congresso. No entanto, é preciso reconhecer que uma grande parte da bibliografia secundária sobre história da psicanálise, incluindo aí o trabalho de comentadores, edições de correspondências, transcrições de manuscritos etc., permanece dificilmente acessível ao leitor interessado. Se somarmos a isso a eventual necessidade de consultar periódicos e obras raras, cujo estudo se faz indispensável para a compreensão do contexto científico e cultural dentro do qual a psicanálise se desenvolveu no plano internacional, a situação se torna ainda mais crítica.
Se nosso objeto de investigação corresponde a um ou mais eventos ligados à história da psicanálise no Brasil, nosso problema passa a ser outro. Sediados no país onde estes eventos efetivamente ocorreram, o acesso às fontes primárias estaria, pelo menos em tese, facilitado. Porém, por razões que nos escapam, o interesse por estes assuntos acaba sendo minoritário, o que acaba implicando dificuldades materiais não apenas de natureza financeira, mas também arquivística. Algumas belas iniciativas, levadas a cabo de diferentes formas por diferentes grupos têm-nos feito relativizar nosso pessimismo. O trabalho pioneiro de Carmen Lucia Montechi Valladares de Oliveira sobre a entrada da psicanálise no Brasil através do contexto paulista pode ser tomado aqui como um exemplo. O mesmo pode ser dito das pesquisas realizadas por Christina Facchinetti, concentrando-se mais na realidade do Rio de Janeiro e explorando temas transversais. Mais recentemente, através do documentário Hestórias da psicanálise: leitores de Freud, dirigido pelo filósofo e psicanalista Francisco Capoulade, descobrimos que o interesse por estes temas no Brasil não pode ser subestimado, ainda que se expresse de maneira isolada. Fundado neste ano por Capoulade, o Instituto de pesquisa e estudos em psicanálise (IPEP) tem buscado compensar o tempo perdido colocando em prática alguns projetos que vão neste mesmo sentido, dentre os quais a criação de um grupo de trabalho inteiramente dedicado a história da psicanálise no Brasil.
2.4. Os princípios da análise empírico-conceitual enquanto método auxiliar no estudo da evolução histórica de conceitos psicanalíticos
Feito um pequeno panorama da história conceitual, de sua aplicação à história da psicanálise e de seu legado, entramos finalmente nos princípios da análise empírico-conceitual. Enquanto método auxiliar no estudo da evolução histórica de conceitos psicanalíticos, o emprego desse tipo de análise integra cada um dos três pontos discutidos acima, concentrando-se na descrição e na compreensão de eventos e acontecimentos bastante específicos.
Esse interesse particular será atravessado por ao menos quatro princípios bem definidos que podem ser enumerados da seguinte forma, encontrando paralelos mais ou menos evidentes na historiografia conceitual dirigida à psicanálise:
1) Em primeiro lugar, a análise empírico-conceitual deverá privilegiar as influências concretas e diretas associadas à emergência de um dado conceito no interior de um campo comum de experiências. Desta forma, o estudo de influências indiretas, assim como possíveis analogias temáticas ou terminológicas, deverá necessariamente permanecer em segundo plano, principalmente quando situadas em um campo de experiências distinto. Em certos casos, tais influências poderão ser consideradas como importantes fontes de inspiração, mas não como um determinante empírico-conceitual.
No que diz respeito às influências indiretas, podemos usar aqui o exemplo do impacto do chamado Romantismo alemão sobre a pessoa de Freud. Ainda que autores como Goethe e Schiller fossem apreciados pelo criador da psicanálise, seria precipitado admitir que este gosto literário foi capaz de alterar o valor de uma experiência a ponto de determinar o teor de um conceito. No que concerne às analogias terminológicas, podemos utilizar o exemplo do termo “inconsciente” [Unbewusste], presente no pensamento filosófico ao longo do século XIX, mas totalmente fora do campo de experiências dentro do qual o conceito psicanalítico de inconsciente irá emergir. Para Freud, o inconsciente é uma noção psicofisiológica, comprometida com um ideal radicalmente materialista, não podendo ser pensada do ponto de vista empírico-conceitual em continuidade com definições metafísicas próprias à filosofia de seu tempo. Enfim, relativo às analogias temáticas, lembro aqui do paralelo estabelecido com frequência entre a ideia de “compulsão à repetição” [Wiederholungszwang], evocada por Freud em 1920, na terceira parte de seu artigo Além do princípio do prazer, e a ideia “eterno retorno” [Ewige Wiederkunft], proposta pelo filósofo Friedrich Nietzsche em diferentes momentos de sua obra. Ora, ainda que possa se mostrar promissora quando explorada por pesquisadores comprometidos com outros princípios metodológicos, essa forma de analogia temática se mostra claramente insuficiente do ponto de vista empírico-conceitual. Tal como a analogia terminológica, ela não é nem concreta, nem direta e, além disso, não parece compartilhar com a noção psicanalítica em análise um campo comum de experiências. Nesse sentido, seria talvez mais interessante explorar uma possível relação entre o conceito freudiano de “repetição” [Wiederholung] e o conceito homônimo avançado por Theodor Fechner em seu Algumas contribuições para a história do aparecimento e da evolução dos organismos (1873), mencionado por Freud na primeira parte de seu artigo de 1920. No terceiro capítulo desta obra, intitulado Princípio da tendência à estabilidade, Fechner discutirá o tema em questão a partir de um campo de experiências mais próximo daquele priorizado pelo psicanalista, à saber: evolução dos organismos.
2) Em segundo lugar, a análise empírico-conceitual deverá privilegiar a articulação entre conceito e experiência. Neste sentido, ela não se ocupará do estudo de um conceito em sua dimensão puramente abstrata, como parte de um sistema de pensamento fechado, bem acabado e exclusivamente regido pela chamada “ordem das razões”.
Para ilustrar este princípio, tomemos como exemplo o polêmico conceito freudiano de “Pulsão de morte” [Todestrieb]. Do ponto de vista da análise empírico-conceitual, mais importante do que compreendê-lo como um conceito no interior da obra freudiana, como elemento integrante de uma terceira teoria pulsional, seria estudá-lo em função das experiências que lhes deram origem, neste caso a clínica do trauma e da agressividade. Ao cabo desta análise, nada nos impedirá de considerar a pulsão de morte como parte de um sistema de conceitos. A diferença é que este sistema passará a ser pensado como aberto, sendo regido não apenas pela ordem das razões, mas também por aquilo que poderíamos chamar de “ordem das experiências”. Ao fazer esse trabalho de aproximação entre conceito e experiência, notamos que o estudo da definição do conceito em análise passa a incluir também o exame de seu referente empírico. Assim, dando sequência ao mesmo exemplo, se o estudo da definição da pulsão de morte nos conduz a ideia abstrata de “limite da representação”, o exame de seu referente na experiência, como o encontro com o “umbigo do sonho” [Nabel des Traumes], discutido por Freud vinte anos mais cedo no livro A interpretação dos sonhos (1900), nos conduz à ideia concreta de limite da interpretação. Nos termos de seu referente empírico, o mesmo poderia ser dito em relação à clínica do trauma, em particular dos traumas de guerra e dos sonhos traumáticos, abordados diretamente pelo autor em seu artigo de 1920, assim como em relação aos fenômenos agressivos de passagem ao ato, explorado por Freud em diferentes momentos de sua obra. Ora, seriam estes os dados da experiência que darão sustentação ao conceito. Na falta deles, o conceito perde o seu sentido empírico, ainda que conserve sua pertinência teórica e seu valor no interior de uma história intelectual mais ampla do pensamento. Sabemos que, a despeito de sua pertinência clínica, o valor conceitual da noção de pulsão de morte será, por exemplo, bastante explorado no interior de uma história da recepção filosófica da psicanálise.
3) Em terceiro lugar, a análise empírico-conceitual pressupõe que a pesquisa psicanalítica partilha com outras disciplinas um campo comum de experiências, de modo que a produção conceitual no interior destas disciplinas pode afetar diretamente a produção conceitual em psicanálise. Este princípio, que implica a noção de “comunidade científica”, está diretamente ligado ao anterior, à articulação entre conceito e experiência.
Para fins de ilustração, tomo aqui o conceito de “Narcisismo” [Narzissmus]. Sabemos que, no contexto da obra freudiana, ele será evocado pela primeira vez em 1910 e definido em detalhe em 1914. Ora, uma análise conceitual tradicional nos levaria a compreender cada um destes eventos através de uma leitura minuciosa de cada um destes textos, buscando articulações com outros conceitos igualmente propostos Freud, como os de autoerotismo e pulsão. Em contrapartida, uma análise empírico-conceitual, centrada na relação entre conceito e experiência, irá se focar não apenas nas experiências de Freud, mas também nos debates realizados a partir de 1909 na Sociedade Psicanalítica de Viena, onde o conceito já será abordado, assim como na obra de outros psicanalistas que já haviam feito descrições e proposto definições do Narcisismo antes de Freud, como é o caso de Isidor Sadger e Otto Rank, e ainda na experiência de autores não psicanalistas que já haviam se deparado com os mesmos fenômenos entre os anos 1880 e 1890, como Alfred Binet, Charles Féré, Paul Näcke, Havelock Ellis, entre outros. Será a partir deste princípio que a noção de sistema aberto de conceitos, mencionada acima, poderá ser concebido em toda a sua extensão. Uma vez reenviada a um conjunto de experiências, o conceito passa a ser tomado como uma mera superestrutura teórica, abrindo-se assim ao diálogo com outras teorias que se encontram apoiadas nos mesmos referentes empíricos. Este intercâmbio se mostra particularmente evidente no interior do movimento psicanalítico contemporâneo a Freud, mas não está ausente no contexto mais geral da psicopatologia praticada entre a segunda metade do século XIX e início do século XX – como poderia nos atentar um estudo histórico da abordagem psicanalítica das psicoses, fenômenos claramente atravessados entre os anos 1890 e 1910 pelas descrições clínicas realizadas por psiquiatras como Emil Kraepelin e Eugen Bleuler. Uma das referências mais emblemáticas neste sentido se encontra no artigo publicado por Karl Abraham em 1908 com o título: As diferenças psicossexuais entre a histeria e a Dementia praecox.
4) Em quarto lugar, por razões meramente metodológicas, a análise empírico-conceitual não tomará como objeto variáveis contextuais mais amplas que estejam fora do registro do conceito e da experiência ligada a este conceito. Isso não quer dizer que ela ignore tais eventos ou que ela os considere menos importantes, mas apenas que seu método não é capaz de tratá-los de maneira adequada.
Em meio a uma pesquisa de orientação empírico-conceitual sobre o conceito psicanalítico de neurose, por exemplo, o conhecimento das condições materiais ligadas à prática médica durante a segunda metade do século XIX, em particular nos países de língua alemã, pode se mostrar particularmente útil, revelando linhas de continuidade conceituais impensáveis para historiador que venha a ignorar este fato. Sabemos que a reforma psiquiátrica proposta por Wilhelm Griesinger durante os anos 1860 acabou permitindo a construção de espaços urbanos de atenção psicológica voltados ao atendimento de pacientes não psicóticos. Após a morte de Griesinger, um de seus colaboradores em Berlin, Karl Westphal, assumirá a direção de uma destas clínicas, permitindo ao jovem psiquiatra o contato com sujeitos manifestando sintomas fóbicos e obsessivos. Durante os anos 1870, Westphal fará uma série de descrições que irão resultar na definição de dois quadros clínicos que se tornarão paradigmáticos a partir dos anos 1880 e 1890, a saber, a “Agorafobia” e as “obsessões”. Ora, considerando que Freud irá receber, em um contexto semelhante, pacientes apresentando os mesmos sintomas, uma possível relação empírico-conceitual poderia ser aqui estabelecida, e isso graças à atenção dirigida a variáveis que extrapolam o campo estrito do conceito e da experiência.
2.5. O estudo empírico-conceitual dos dados levantados pelo método
Estabelecidos estes quatro princípios, entraremos agora em alguns detalhes ligados à análise propriamente dita dos dados levantados através de nosso método. Em função da participação diferencial de cada evento na determinação histórica dos conceitos, tais dados serão hierarquizados e classificados de maneira sistemática a fim de nos permitir uma compreensão mais fina das influências em jogo. Adotando aqui a metáfora proposta por Maria Dorer em As bases históricas da psicanálise, sugerimos uma classificação destes diferentes eventos e acontecimentos em uma série de camadas. Seguindo este modelo estratigráfico, uma subdivisão em três níveis será enfim estabelecida, indo das camadas mais antigas às mais recentes, correspondendo, nesta ordem, aos “antecedentes”, aos “precedentes” e às “origens” de um determinado conceito.
a) Representando as camadas mais antigas, os chamados antecedentes corresponderão às condições empíricas de possibilidade de um dado conceito no interior de um mesmo campo de experiências. Tais eventos constituem a base concreta sobre a qual todo conceito se desenvolve, sem a qual ele não poderia ser concebido, seja em termos teóricos, seja em termos descritivos.
Tomemos aqui como exemplo a relação entre a descoberta das funções sensório-motoras dos nervos raquidianos, realizada nos anos 1820 pelo fisiólogo francês François Magendie, e o desenvolvimento do conceito psicanalítico de aparelho psíquico durante os anos 1890. Ora, por si só, a descoberta de Magendie não implica a noção de aparelho psíquico. Porém, sem a convicção de que as funções sensoriais e motoras dependem da ação de determinadas porções do sistema nervoso, o modelo de aparelho psíquico tal como ele será mais tarde concebido por Freud, com seus dois polos sensorial e motor, jamais seria possível.
b) Representando camadas intermediárias, os precedentes corresponderão aos elementos concorrentes à emergência de um conceito no interior de um mesmo campo de experiências. Tais eventos se desenvolvem sobre um solo comum, compartilhando com o conceito em análise os mesmos antecedentes. Serão os precedentes que colocarão os problemas fundamentais a serem mais tarde respondidos pelo conceito em emergência.
Tomemos aqui o exemplo da relação entre a descrição das neuropsicoses feita por Richard von Krafft-Ebing entre os anos 1870 e 1880 e a definição da etiologia sexual das neuroses feita por Freud durante os anos 1890. A partir de um esquema etiológico legado pela tradição psiquiátrica de língua francesa (seus antecedentes), Krafft-Ebing irá descrever um conjunto de psicopatologias não hereditárias cujo desenvolvimento será precedido por um evento traumático e cuja expressão deverá suceder um período de incubação de duração variável. Ora, a partir da hipótese da etiologia sexual, Freud dará contornos mais precisos às teses do psiquiatra alemão circunscrevendo um tipo específico de evento traumático, neste caso sexual, e estabelecendo um mecanismo próprio às neuropsicoses centrado na noção de defesa.
c) Enfim, representando as camadas mais superficiais, encontramos as origens, que corresponderão ao contexto imediato de emergência do conceito no interior de um dado campo de experiências. Tais eventos pressupõem certo número de antecedentes e se mostram inevitavelmente ligados a certo número de precedentes. Os primeiros determinam os seus contornos mais amplos, sem os quais o conceito seria “impensável”; os segundo definem suas fronteiras mais estreitas, sem os quais o conceito talvez nunca fosse “pensado”.
Retomando os exemplos evocados acima e evitando entrar nos detalhes da questão, seria possível dizer que as origens das noções de aparelho psíquico e de etiologia sexual estiveram necessariamente associadas às investigações conduzidas por Breuer e Freud entre os anos 1880 e 1890 através da aplicação do método catártico à clínica das neuroses e em particular da histeria. No que diz respeito ao estudo das origens, todo o trabalho de uma análise empírico-conceitual reside em precisar em que medida estas experiências foram capazes de determinar este ou aquele conceito sem perder de vista o lugar ocupado nessa história pelos seus antecedentes e precedentes.
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Em suma, privilegiando as influências concretas e diretas associadas a emergência de um dado conceito e concentrando-se na relação entre conceito e experiência, a análise empírico-conceitual ou referencial busca superar os limites impostos pelo estudo de termos abstratos no interior da obra de um único autor. Estendendo seu corpus à obra de diferentes autores e dirigindo o seu interesse a um campo comum de experiências, ela prioriza enquanto objeto o referente fenomênico do conceito e deixa de se orientar exclusivamente pela sua definição teórica. Enfim, para trazer inteligibilidade aos dados assim recolhidos, propomos aqui uma organização estratigráfica do material em três camadas distintas, entre antecedentes, precedentes e origens. Essa divisão nos ajuda a identificar a natureza de cada um dos determinantes em jogo, expressos na forma de condições empíricas de possibilidade (antecedentes), de elementos concorrentes (precedentes) ou originários (origens). Contrariamente aos princípios do método, este modelo estratigráfico está longe de ser necessário, podendo comportar modificações ou incluir novas categorias de análise em função das exigências impostas pelos dados recolhidos.
Feita esta apresentação preliminar, partimos agora para a segunda parte de nosso artigo, dedicada a um estudo de caso. Pretendemos assim, ilustrar nosso método aplicando seus princípios e suas categorias de análise à emergência de um conceito psicanalítico fundamental, a saber: o conceito de “inconsciente dinâmico”.
3. O inconsciente dinâmico como objeto de análise empírico-conceitual
De maneira geral, podemos dizer que toda análise empírico-conceitual ou referencial deverá começar com o estabelecimento de um objeto de estudo. No caso desta ilustração, nosso objeto é o conceito freudiano de “inconsciente dinâmico”. Considerando as especificidades do método, não bastará lançar mão aqui de uma definição teórica deste conceito, sendo necessário, portanto, – tanto quanto possível – situar seu referente empírico.
3.1. Exposição do problema
A primeira descrição formal do inconsciente dinâmico será realizada por Freud em 1894, em As neuropsicoses de defesa[60]. Ele será inicialmente concebido como uma instância psíquica cujo funcionamento implica a participação de pelo menos duas entidades psicológicas distintas: “representações” e “afetos”, que serão mobilizadas pelo aparelho psíquico a fim de responder a uma ou mais exigências, impostas pelo mundo externo.
Em casos patológicos, esse mecanismo poderá assumir uma função defensiva produzindo sintomas neuróticos bem definidos, como: a) uma conversão histérica, quando um afeto se dissocia de uma representação psíquica investindo uma representação corporal; b) um pensamento obsessivo, quando um afeto se dissocia de uma representação psíquica investindo uma segunda representação psíquica; em quadros de c) confusão alucinatória, quando uma representação se desliga de um afeto para se associar de maneira delirante a outras representações, corporais ou psíquicas, desinvestidas afetivamente.
Esse mesmo fenômeno, dito “psicodinâmico”, será abordado por Freud em 1900, em sua grande obra: A interpretação dos sonhos[61], recebendo uma definição mais clara a partir dos anos 1910, primeiramente no artigo Uma nota sobre o inconsciente na psicanálise[62] e, por fim, no longo artigo sobre O inconsciente[63], datado de 1915.
Ora, entre 1894 e 1915, ao longo da evolução do conceito no interior da obra, a noção de inconsciente dinâmico passará por um processo de abstração crescente, assumindo ao cabo deste percurso o estatuto de conceito metapsicológico. Como vimos na primeira parte deste artigo, notadamente a partir dos trabalhos de Ulrike May, podemos estabelecer aqui uma diferença importante do ponto de vista qualitativo entre duas formas distintas de constructo teórico em psicanálise. Por um lado, temos a chamada “teoria clínica”, composta por conceitos isolados que se encontram mais próximos da experiência, por outro a “metapsicologia”, que se afasta da experiência com o objetivo de integrar diferentes dados clínicos no bojo de um grande sistema conceitual. Posto que a análise empírico-conceitual tende a priorizar a relação entre conceito e experiência, ela irá dirigir uma atenção particular à dita teoria clínica.
Para que possamos dar contornos ainda mais precisos ao nosso objeto de estudo empírico-conceitual, caberia estabelecer de maneira preliminar uma distinção fundamental entre “inconsciente dinâmico” e “inconsciente descritivo”. Como visto acima, o primeiro corresponde a um processo psíquico complexo, envolvendo uma dinâmica de representações e afetos orquestrada por um aparelho psíquico a partir das exigências impostas pelo mundo externo. Por outro lado, o chamado inconsciente descritivo não implica propriamente um processo. Ele corresponde simplesmente a um estado psíquico não consciente ou inacessível à consciência. Esta distinção nos será particularmente útil na compreensão da passagem dos antecedentes aos precedentes do conceito em estudo. Como veremos mais adiante, a evolução da noção de “estado” para aquela de “processo” inconsciente ocupará um lugar de destaque nesta história.
Outro elemento preliminar sobre o qual valeria a pena insistir é a relação sugerida em 1900 por Freud entre o inconsciente dinâmico e os “processos primários”. De um ponto de vista teórico, estes processos tendem a se opor aos processos ditos “secundários”, que vem caracterizar outra instância psíquica, a saber, o pré-consciente. Os processos secundários serão guiados pelo “princípio de realidade”, buscando uma adequação com as exigências do mundo externo, enquanto os processos primários serão governados pelo “princípio do prazer”, buscando por outra lado a satisfação de um desejo que encontra sua origem no corpo.
Retomando nosso raciocínio a partir dos elementos recém-apresentados, podemos estabelecer nosso objeto de estudo nos seguintes termos: o inconsciente dinâmico implica a participação um processo psíquico primário governado pelo princípio do prazer. Os processos primários serão mobilizados por desejos que encontram sua origem no corpo e serão mediados por processos psíquicos secundários orientados pelo princípio de realidade a fim de atender às exigências do mundo externo. Os afetos envolvidos nessa dinâmica provêm do corpo e resultam em grande medida da sua erogeneidade, ao passo que as representações serão construídas a nível psíquico a partir do contato deste corpo com o mundo externo, tendo como matéria prima os dados sensoriais. A mediação dos processos primários pelos processos secundários será interpretada por Freud como um conflito, cuja solução implica uma reorganização das representações e afetos.
A rigor, o recurso às noções de processo primário e secundário, assim como àquelas de princípio do prazer e de realidade, seria em um primeiro momento dispensável no contexto de uma análise empírico-conceitual. Eles foram evocados aqui apenas com o objetivo de facilitar a compreensão do leitor familiarizado com a obra freudiana. Seria possível reduzir nosso enunciado estabelecendo simplesmente que: o inconsciente dinâmico é uma instância responsável por gerenciar o trabalho das representações e dos afetos no interior do aparelho psíquico em função das exigências impostas pelo mundo externo. As representações provêm das estimulações sensoriais, internas e externas, e os afetos das excitações orgânicas, ligados ao prazer do órgão. O “esquema sexual” concebido por Freud em 1894, em carta endereçada a Wilhelm Fliess, ilustra muito bem cada um destes elementos[64].
Neste esquema, que se concentra no fenômeno da excitação orgânica ligado ao prazer do órgão, podemos visualizar a excitação do “órgão terminal” [Endorgan], cuja estimulação será transmitida para o “centro espinhal” [Spinalzentrum] antes de chegar ao “grupo psíquico” [psychische Gruppe] sob a forma de “tensão sexual” [Sexualspannung]. Uma vez estimulado, o grupo psíquico investe o “mundo externo” [Außenwelt] buscando um “objeto sexual” [Sexualobjet] capaz de satisfazer a exigência imposta pela tensão sexual. A satisfação dessa exigência será possível por meio de uma “reação específica” [spezif. Reaktion] produzida a nível somático. Por fim, a sensação produzida no órgão (prazer do órgão) será transmitida aos centros espinhais permitindo assim a descarga da tensão através da “irradiação voluptuosa” [Wollustleitung] no grupo psíquico (experiência psíquica de satisfação). O trabalho do inconsciente dinâmico será ilustrado na parte superior do quadro, onde podemos visualizar o encontro do afeto com as representações (quadrante superior esquerdo), assim como o investimento afetivo de novas representações provenientes do mundo externo (quadrante superior direito).
Passemos agora para a segunda parte de nossa análise, dedicada ao estudo dos antecedentes do inconsciente dinâmico de Freud.
3.2. Estudo dos antecedentes
Em sua obra clássica intitulada A descoberta do inconsciente, o psiquiatra e historiador suíço Henri F. Ellenberger demonstra que a ideia relativa à existência de uma instância não consciente no homem se encontra profundamente arraigada no pensamento ocidental. Ela precede Freud e mesmo a medicina do século XIX, mas também os sucede. Ela está presente na filosofia moderna e na teologia medieval, assim como nas descrições naturalistas de práticas rituais consideradas como não civilizadas. Sabemos que ela não estará tampouco ausente da psicologia do século XX e das neurociências do século XXI. Portanto, no âmbito de uma história intelectual mais ampla, a noção de inconsciente tal como concebida pela ciência novecentista não pode ser tomada como uma grande novidade, como uma verdadeira inovação teórica ou como uma descoberta absolutamente revolucionária e, neste sentido, o conceito freudiano de inconsciente dinâmico será necessariamente entendido como o capítulo de uma longa história, ainda em curso, da ideia de inconsciente enquanto categoria psicológica.
Contudo, apesar desta relação de pertencimento[65], somos levados a admitir que, no contexto de uma história intelectual mais circunscrita, contornos mais precisos deverão ser estabelecidos, permitindo assim uma compreensão mais clara da especificidade de cada uma das diferentes concepções de inconsciente propostas por diferentes autores, no interior de diferentes tradições e em diferentes momentos da história do pensamento ocidental. Ora, no caso particular da análise empírico-conceitual, o estabelecimento de tais contornos deverá respeitar alguns critérios bem definidos, a saber: o aspecto concreto e direto da influência em jogo, a relação entre conceito e experiência, a consideração de um campo comum de experiências e a abstração de variáveis não conceituais.
Seguindo esta lógica, a busca pelos antecedentes, quer dizer, pelas condições empíricas de possibilidade de um conceito, não poderá ser realizada de maneira aleatória, a partir de intuições vagas ou compromissos velados.
Quando, por exemplo, o termo alemão Unbewusst, “inconsciente” – o mesmo empregado por Freud no final do século XIX – será utilizado pelo filósofo Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716) no início do século XVIII, sua definição de “percepção insensível” [perception insensible][66] estará mais próxima do inconsciente descritivo do que de um inconsciente propriamente dinâmico. O mesmo pode ser dito em relação às “representações obscuras” [dunkle Vorstellungen] de Kant (1724-1804), tal como o filósofo as define em sua Antropologia de um ponto de vista pragmático[67] de 1798. Da mesma forma, quando outros filósofos de língua alemã, como Arthur Schopenhauer (1788-1860) – notadamente a partir da noção de “vontade”, definida em 1818 em O mundo como vontade e como representação –, Carl Gustav Carus (1789-1869), com seu conceito de inconsciente apresentado em 1831 em suas Lições de psicologia[68] ou Eduard von Hartmann (1842-1906), em seu famoso Filosofia do inconsciente[69], publicado em 1869, não nos encontramos diante de verdadeiros antecedentes do conceito de inconsciente dinâmico forjado por Freud.
Apesar da presença de algumas possíveis analogias terminológicas e temáticas, tais referências não poderão ser propriamente consideradas como concretas, na medida em que Freud não parece ter dirigido qualquer interesse científico a esta literatura. A partir dos anos 1870, durante os seus anos de formação, sabemos que o futuro médico neuropatologista seguirá os cursos de Franz Brentano na Universidade de Viena[70] – um filósofo de orientação cientificista[71] – e que em sua juventude, como atestam as cartas enviadas a Eduard Silberstein[72], irá privilegiar a leitura de filósofos radicalmente materialistas. Isso não quer dizer que Freud não tivesse conhecimento desta produção, mas sim que este conhecimento, comum a qualquer homem suficientemente culto de sua época, não parece ter determinado em termos empírico-conceituais o teor das suas futuras contribuições psicológicas acerca do inconsciente dinâmico.
Por razões similares, não podemos afirmar esse tipo de influência como direta, pois não encontramos, nem em seus textos, nem em suas correspondências, passagens ou citações que pudessem atestar de maneira significativa uma tal relação. Em contrapartida, em suas cartas a Fliess, é possível localizar referências diretas e concretas a dois filósofos: Hippolyte Taine (1828-1893)[73], historiador francês autor da obra Da inteligência[74], publicada em dois volumes originalmente em 1870, e Theodor Lipps (1851-1914)[75], filósofo alemão autor do artigo O conceito de inconsciente na psicologia[76], publicado em 1896, que será inclusive citado por Freud em 1900, no sétimo capítulo da Interpretação dos sonhos[77]. Estranhamente pouco estudadas[78], talvez essas duas referências – e em particular a última, feita a Lipps – pudessem nos revelar importantes e inesperadas conexões históricas do pensamento de Freud com uma certa filosofia praticada na Europa durante a segunda metade do século XIX. Enquanto projeto e considerando o estado atual de nossos conhecimentos a este respeito, acreditamos que uma pesquisa que caminhe nesse sentido possa se mostrar especialmente promissora. Lembramos que no caso particular de Taine, sua psicologia será mais tarde retomada por Pierre Janet, apoiando suas hipóteses sobre a dissociação psíquica[79].
Enfim, no que concerne à relação entre conceito e experiência, assim como à existência de um campo comum de experiências, é preciso admitir que a dimensão empírica do conceito não será explorada da mesma forma por filósofos ligados a uma tradição metafísica e por psicólogos comprometidos com uma démarche científica e experimental. A este respeito, lembramos do manifesto de Wilhelm Wundt (1832-1920), publicado em 1862 como introdução (sem título) à coletânea Contribuição à teoria da percepção sensorial[80]. Neste trabalho, Wundt fará uma crítica severa da dita “psicologia das faculdades” [Vermögenspsychologie], de base filosófica, chamando a atenção para a importância dos métodos de observação externa na elaboração de uma psicologia científica, em oposição ao uso exclusivo da auto-observação, em geral empregada pela psicologia filosófica. Ora, ao estudar o psiquismo inconsciente em sua exterioridade, quer dizer, através dos seus efeitos: sonhos, lapsos, chistes, sintomas etc., Freud pode ser considerado como um representante desta mesma tradição científica reclamada por Wundt. Encontraremos os mesmos argumentos em textos publicados durante os anos 1880, por médicos engajados com o uso da hipnose enquanto método de investigação, dentre os quais figuram, evidentemente, Freud e Breuer. Retomaremos esse assunto mais adiante para demonstrar que eles não serão os únicos[81].
Deixando o campo filosófico e entrando na tradição científica, nos deparamos com um outro uso do termo inconsciente, não mais substantivado, mas sim como adjetivo, qualificando um certo número de processos psicológicos operando fora da esfera consciente. Podemos situar historicamente as origens desse uso entre os anos 1840 e 1850, na psicologia médica de língua inglesa e alemã. Referente ao contexto inglês, encontramos uma descrição bastante completa na obra do filósofo francês Marcel Gauchet, O inconsciente cerebral, citada na primeira parte deste artigo. Referente ao contexto alemão, essa história passará a nos interessar diretamente entre os anos 1850 e 1860, quando a noção de unbewusster Schluss, “inferência inconsciente”, será proposta pelo célebre fisiologista berlinense Hermann von Helmholtz (1821-1894). Essa noção será mais tarde desenvolvida por Wundt, se aproximando consideravelmente daquilo que Freud irá propor nos anos 1890.
Segundo Helmholtz, o processo de inferência inconsciente consiste em uma operação subjetiva capaz de explicar o fenômeno involuntário e não racional de reconhecimento de um estímulo complexo a partir de um de seus componentes. Em artigo publicado em 1855[82], este fenômeno será descrito como um mecanismo não consciente, operando “a nossa revelia” por meio de “associações de ideias involuntárias” que nos permitem inferir uma “forma completa a partir de alguns signos parciais”. No caso particular da visão, Helmholtz irá definir a percepção como uma combinação de diversas sensações simples que, enquanto signos [Zeichen] visuais, correspondem à estimulação de uma fibra nervosa por intermédio do nervo ótico. A interpretação destes signos será realizada através de um processo subjetivo de indução que toma por base a experiência pregressa do indivíduo, projetando sobre a sua consciência uma imagem por assim dizer alucinatória.
Três anos mais tarde, em 1858, o então assistente de Helmholtz em Berlin, Wilhelm Wundt, irá retomar a ideia de inferência inconsciente em um artigo dedicado às percepções táteis[83]. Neste trabalho, Wundt afirma a necessidade de se postular a existência de um “processo psíquico” [psychicher Vorgang] complexo operando entre as “sensações” [Empfindungen] e as “percepções” [Wahrnehmungen]. Este processo, prossegue o autor, “é inconsciente e sua presença não pode ser deduzida senão a partir do que emerge à consciência”. Enfim, Wundt conclui dizendo que “no momento da sua tradução [Übersetzung] à consciência, que tende a completar os elementos faltantes e desconhecidos, este processo toma a forma de uma inferência” e que esta “inferência inconsciente” é a operação responsável pela transformação de um conjunto determinado de sensações em percepção. Em um segundo artigo, publicado em 1862 com o título Sobre o processo psíquico da percepção, Wundt irá ainda mais longe identificando neste processo indutivo três operações psíquicas distintas, consideradas pelo autor como “leis elementares da vida psíquica”: 1) “coligação”, baseada na concomitância e na contiguidade entre diferentes sensações simples; 2) “síntese”, indicando fenômenos de associação entre elementos já coligados; 3) “analogia”, quando uma percepção que já passou pela operação de síntese se associa a outra por similitude.
Feito este comentário, o leitor poderia nos questionar se perguntando em que medida essas influências, oriundas do contexto médico-científico, seriam mais determinantes do que aquelas oriundas da literatura filosófica. Não há na obra freudiana mais citações diretas a Wundt do que a este ou a aquele filósofo. Além disso, como justificar a afirmação de que as referências a um psicólogo experimental como Wundt seriam mais concretas do que as referências a filósofos como Schopenhauer ou mesmo Nietzsche? Para responder a esta questão, precisamos recorrer diretamente aos critérios empíricos de nosso método, a relação entre conceito e experiência e de campo comum de experiências. Com base nesses critérios, proponho aqui três razões que me parecem suficientemente sólidas.
Em primeiro lugar, porque Freud, Helmholtz e Wundt partilhavam na época uma mesma convicção sobre a natureza do psiquismo. Todos os três sustentavam de maneira inequívoca uma forma mais ou menos uniforme de monismo materialista. Para estes autores, o inconsciente é um fenômeno cerebral dependente de fibras e células nervosas. Nestes termos, apoiando-se em princípios metafísicos e claramente antimaterialistas, as diferentes filosofias do inconsciente sustentadas durante este mesmo período tenderiam a se distanciar de Freud. Em segundo lugar, pelo simples fato de que a noção de inconsciente tal como ela será apresentada pela medicina científica será fruto de uma experiência de observação externa e não de um exercício de simples auto-observação ou introspecção. Como vista acima em relação a Wundt, toda psicologia ocidental que se pretendia científica passará a renunciar a partir dos anos 1850 aos métodos puramente introspectivos próprios à filosofia espiritualista. Fora dos países de língua alemã, podemos citar outros nomes importantes, como os de Alexander Bain (1818-1903) na Inglaterra e, um pouco tardiamente, entre os anos 1870 e 1880, Théodule Ribot (1839-1916) na França. Posto isso, seria de se esperar que Freud, um médico neuropatologista formado no interior de uma tradição vienense fortemente marcada por esse ideal cientificista, seguisse as mesmas vias. Em terceiro lugar, porque apenas um modelo psicofisiológico de psiquismo poderia fornecer as bases de um aparelho psíquico tal como Freud o concebe, um aparelho ancorado no corpo, alimentado por estímulos sensoriais e animado por impulsos internos. Neste sentido, nos parece evidente que, por razões técnicas, nenhum outro discurso, seja ele filosófico ou literário, fosse capaz de oferecer esse mesmo tipo de sustentação empírica ao conceito freudiano de inconsciente dinâmico.
Mesmo assim, precisamos admitir que, embora necessário, o referencial psicofisiológico não seja suficiente para a definição dos antecedentes empírico-conceituais de nosso objeto. Para uma compreensão mais satisfatória deles, devemos considerar a presença de um segundo elemento que, seguindo a mesma tradição médico-científica, resultou das experiências hipnóticas realizadas durante a segunda metade do século XIX.
Estudadas de um ponto de vista racional e materialista já no final do século XVIII, notadamente a partir das experiências de Franz Anton Mesmer (1734-1815)[84], os fenômenos ditos hipnóticos começarão a ser descritos em termos fisiológicos a partir dos anos 1840, com os trabalhos do médico inglês James Braid (1795-1860), em particular com sua obra Neuripnologia ou doutrina racional do sono nervoso, considerada na sua relação com o magnetismo animal[85]. Nos anos 1860, em um longo trabalho intitulado Sobre o sono e estados a ele análogos, considerados principalmente do ponto de vista da ação do moral sobre o físico[86], o médico August-Amboise Liébeault (1823-1904) se esforçará em descrever os mesmos fenômenos articulando-os às recentes descobertas da psicologia científica de sua época. Finalmente, no final dos anos 1870, Jean-Martin Charcot e sua equipe passarão a realizar uma série de experimentos fisiológicos e psicológicos de grande notoriedade sobre os efeitos do sono hipnótico em indivíduos neuróticos. Idealizados no interior de um pequeno serviço de neurologia ligado ao Hospital da Salpêtrière, em Paris, tais experimentos permitirão a Charcot o isolamento de três estados hipnóticos distintos, que serão descritas pelo médico em 1882 diante da prestigiada Académie des sciences francesa[87].
Descritos com base em critérios fisiológicos e psicológicos, Charcot distingue os estados: 1) “cataléptico”, caracterizado por uma predisposição particular à rigidez motora e uma absoluta falta de consciência; 2) “letárgico”, mais próximo do sono natural, caracterizada por uma notável condição de relaxamento muscular e marcado pela mesma falta de consciência observada no estado anterior; e 3) “sonambúlico”, caracterizado por uma condição fisiológica mais próxima daquela manifesta por um sujeito desperto e marcado por um estado modificado de consciência permitindo interação verbal entre médico e paciente. Um dos diferenciais do estado sonambúlico é a suscetibilidade do sujeito a comandos de voz e a amnésia por ele manifesta após retorno ao estado de vigília.
Entre 1883 e 1884, durante as suas Lições clínicas sobre as doenças do sistema nervoso[88], Charcot dedicará algumas sessões à exposição de experimentos hipnóticos. Tais experimentos serão realizados em sujeitos manifestando um estado sonambúlico. Considerando a suscetibilidade particular destes indivíduos a comandos de voz, o médico irá produzir neles paralisias motoras artificiais por meio de sugestões. A este tipo de fenômeno experimental, clinicamente distinto das paralisias motoras orgânicas, Charcot dará o nome de “paralisia psíquica”. Seu mecanismo de formação será descrito a partir do mesmo modelo psicofisiológico defendido por Wundt na Alemanha. Como discutido acima, ele será introduzido na França entre os anos 1870 e 1880 por Theodule Ribot[89].
A este propósito, caberia aqui lembrar que Ribot publicará em 1883 uma obra sobre As patologias da vontade[90], onde o problema das paralisias psíquicas será debatido em referência à noção de “ideia fixa”. Em uma passagem dedicada ao assunto, podemos ler: “as causas fisiológicas destas paralisias são bastante discutíveis. No plano psicológico, constatamos a existência de uma ideia fixa cujo resultado é uma inibição. Como uma ideia não existe por si mesma, nem na ausência de certas condições cerebrais, e como ela não é mais do que uma parte de um todo psicofisiológico (…), é necessário admitir que, enquanto tal, ela revela um estado anormal do organismo, talvez dos centros motores, encontrando possivelmente aí a sua origem”[91].
Ora, considerando a influência exercida por Ribot no início dos anos 1880, talvez não seja por acaso que o mesmo argumento será encontrado no manuscrito de uma lição proferida por Charcot no dia 14 de março de 1884. Teorizando sobre o mecanismo de formação das paralisias psíquicas, o médico da Salpêtrière nos propõe a hipótese de que estes sintomas seriam produzidos pela ação de uma ideia ou de “um grupo de ideias” capazes de se estabelecerem no cérebro “a maneira de um parasita”. Tais ideias, ligadas a um “estado mórbido” particular – neste caso à paralisia de um membro – poderiam ser introduzidas “por sugestão”, tendendo assim a se “realizar objetivamente”. Em termos psicofisiológicos, Charcot supõe que, “sob a influência da sugestão”, uma ideia mórbida transmitida pela via sensorial mobilizaria a nível cortical a “imagem visual da paralisia” do membro afetato, assim como a “imagem motora negativa” de seus movimentos. Ainda segundo o autor, esta sugestão veicularia uma “ideia fixa” capaz de atuar sobre os “elementos celulares sedes das representações internas dos movimentos”, inibindo a atividade cortical motora, “como se”, conclui Charcot, “elas tivessem sido destruídas por lesão”.
Outro elemento essencial ligado às experiências hipnóticas encontra sua origem fora da clínica, no laboratório de psicologia experimental do fisiologista francês Henri-Étienne Beaunis (1830-1921), outro representante francês da tradição científica iniciada por Helmholtz e Wundt em Berlim. Em 1886, Beaunis publicará um trabalho intitulado O sonambulismo provocado: estudos fisiológicos e psicológicos[92], onde toda uma série de observações realizadas em sujeitos submetidos ao sonambulismo provocado será descrita em detalhe. Lembramos que a noção de estado sonambúlico evocada pelo autor corresponde à definição dada por Charcot em 1882, como um estado modificado de consciência permitindo a interação entre experimentador e sujeito experimental. Considerando os propósitos desse artigo, concentraremos os nossos esforços nos estudos psicológicos realizados por Beaunis, em particular sobre a memória.
Uma primeira questão digna de nota diz respeito às reflexões metodológicas apresentadas por Beaunis. Segundo o fisiologista, o método hipnótico constitui do ponto de vista experimental uma nova via de acesso ao psiquismo, um método que, de acordo com o autor, permitiria a realizando de uma “verdadeira ‘vivissecção moral’”, comparável à vivissecção orgânica, capaz de tornar visível ao observador externo o funcionamento em ato de diferentes mecanismos psicológicos[93]. Mais adiante, Beaunis conclui com uma frase lapidar dizendo que o método hipnótico “sera pour le philosophe ce que la vivisection est pour le physiologiste”, isto é, a hipnose será para o filósofo aquilo que a vivissecção foi para o fisiologista[94]. Em termos metodológicos, uma comparação deste procedimento com o futuro método psicanalítico é inevitável.
Sobre os resultados destes experimentos, em particular aqueles dirigidos à memória, chamamos a atenção para duas constatações feitas pelo pesquisador francês, ambas descritas no primeiro capítulo da segunda parte de sua obra, intitulado Sobre o estado da memória no sonambulismo provocado[95]. Começamos pelas três “leis” que “regem a memória sonambúlica”. A primeira delas postula que 1) a lembrança dos estados de consciência durante o sono hipnótico é abolida após o retorno ao estado normal de vigília; a segunda que 2) a lembrança dos estados de consciência durante o mesmo sono hipnótico podem ser acessados durante um segundo sono hipnótico, induzido após retorno ao estado normal de vigília consciente; a terceira que 3) a lembrança dos estados normais de consciência, assim como do sono natural, persistem durante o sono hipnótico. Em resumo, podemos dizer que um indivíduo em estado sonambúlico recorda tudo aquilo que lhe é acessível em estado de vigília, mas que, em estado de vigília, sua memória está limitada, o que implica a existência de uma instância psíquica não consciente cujo acesso se encontra barrado a todo aquele que se dedica à auto-observação.
Uma segunda constatação feita pelo autor resulta das experiências de sugestão “a longo prazo”, também conhecidas como experiências de “sugestão pós-hipnótica”, quando um sujeito realiza a posteriori, em estado de vigília, um comando que fora dado durante o sono hipnótico. Nestes casos, o indivíduo tem consciência do ato sugerido, mas não da sugestão em si. Talvez um dos exemplos mais espetaculares relatados por Beaunis seja o da “senhorita A… E…” que realiza uma “sugestão com 172 dias de intervalo”[96]. Segundo o autor, o sujeito experimental colocou em ato às 10h da manhã do dia 1º de janeiro de 1885 o conteúdo de uma sugestão feita no dia 14 de julho de 1884. No momento do comando, Beaunis lhe havia dito: “no dia 1º de janeiro de 1885, às dez horas da manhã, você me verá; eu lhe desejarei feliz ano novo; na sequência, eu irei embora após lhe fazer os votos”. Como será atestada por algumas testemunhas, a percepção alucinatória assim sugerida será realizada com precisão. Ora, tanto nos termos de sua concepção como de seus resultados, tal experimento nos revela uma dinâmica complexa operando em uma instância não consciente do indivíduo e que lhe é inacessível em estado consciente.
Um segundo exemplo deste fenômeno associado à sugestão pós-hipnótica, através do qual uma dinâmica psíquica ainda mais complexa poderá ser inferida, será dado por outro médico francês, Hippolyte Bernheim (1840-1919). Em 1888, na segunda edição de seu célebre trabalho Sobre a sugestão e suas aplicações terapêuticas[97], Bernheim relata a história de um sujeito nomeado “Sch…”, que havia recebido a sugestão simples de colocar “os dois dedões na boca” após despertar de seu sono hipnótico. Como nos informa o médico, Sch… realizou com precisão o comando sugerido. No entanto, quando indagado sobre as razões de seu ato, tentou justificá-lo de outra forma, dizendo sentir dores na língua decorrente de um ferimento causado por mordida[98]. Neste caso, notamos não apenas o fenômeno de amnésia consciente previsto pela primeira lei de Beaunis, mas também uma tentativa de racionalização não consciente por parte do sujeito. Este mesmo exemplo será retomado por Freud e Breuer em 1895, no contexto dos Estudos sobre a histeria, sendo descrito como um fenômeno de “paramnésia” ou “falsa lembrança” [Erinnerungstäuschung][99], categoria psiquiátrica que será posteriormente associada pelos médicos vienenses à noção psicodinâmica de “falsa conexão” [falsche Verknüpfung][100].
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Estabelecidos esses fatos, terminamos nosso estudo dos antecedentes do conceito de inconsciente dinâmico, estabelecendo algumas das suas condições empíricas de possibilidade, consideradas por nós como necessárias à sua emergência.
Dois elementos principais foram aqui isolados. O primeiro deles corresponde à descoberta das leis associativas do inconsciente psicofisiológico, realizada pela psicologia experimental de língua inglesa e alemã entre os anos 1840 e 1860. O segundo foi a descoberta das leis da memória hipnótica, realizada pela psicologia experimental de língua francesa entre os anos 1870 e 1880. Acreditamos que, na falta destes elementos, a noção de inconsciente dinâmico, tal como ela será concebida por Freud, não poderia ser sequer pensável do ponto de vista científico por um pesquisador a ele contemporâneo. Ambos satisfazem os critérios impostos pelo nosso método: a relação entre conceito e experiência, a existência de um campo comum de experiências e, por extensão, as referências diretas e concretas.
3.3. Estudo dos precedentes
Uma vez estabelecidos os antecedentes, partimos agora para o estudo dos precedentes do conceito freudiano de inconsciente dinâmico. Um primeiro elemento que nos permitirá fixar a passagem entre estas duas temporalidades empírico-conceituais – dos antecedentes aos precedentes – corresponde às observações realizadas durante os anos 1880 pelo cientista belga Joseph Delbœuf (1831-1896). A partir de 1886, por meio de alguns experimentos particularmente engenhosos, Delbœuf será capaz de fazer boas inferências no que diz respeito ao trânsito de conteúdos psíquicos entre as instâncias conscientes e não conscientes. Será através destas pesquisas que o cientista belga romperá o paradigma da chamada amnésia pós-hipnótica, imposta por Beaunis e sustentada em Paris por Charcot e seus alunos, concebendo assim existência de uma dinâmica psíquica mais ampla e complexa. Essa mudança de paradigma será determinante para as posteriores pesquisas de Freud.
Do ponto de vista cronológico, sabemos que a hipótese da comunicação entre as instâncias conscientes e não conscientes havia sido lançada alguns anos antes, em uma série de artigos de caráter mais teórico publicados por Delbœuf entre 1879 e 1880, na revista dirigida na época por Ribot, a célebre Revue Philosophique de la France et de l’étranger. Estes mesmos artigos serão mais tarde reunidos em forma de livro, mais precisamente em 1885, com o título: O sono e os sonhos[101]. Ora, será com base nestes elementos teóricos que, em 1886, com a ajuda de dois sujeitos experimentais, Delbœuf realizará as observações cujos resultados irão finalmente corroborar experimentalmente as suas hipóteses. Tais experiências serão descritas no artigo A memória nos hipnotizados[102], publicado neste mesmo ano de 1886.
Antes expor seus próprios experimentos, Delbœuf nos relata uma primeira observação feita durante uma visita ao hospital da Salpêtrière. Em meio a uma sessão de hipnose organizada pelo assistente de Charcot, Charles Féré, o investigador belga propõe ao experimentador parisiense uma manobra pouco usual: despertar o sujeito experimental em estado sonambúlico no meio de uma ação induzida por sugestão. O resultado é revelador, pois, “pela primeira vez”, o presente sujeito foi capaz de reconstruir a cena induzida durante o sono hipnótico a partir de alguns “indícios” disponíveis no momento exato em que ele retorna ao estado de vigília consciente. Evidenciava-se assim que, em condições especiais – neste caso por meio da introdução de alguns elos associativos intermediários – a memória hipnótica não consciente poderia ser acessada pela consciência.
Será então com o objetivo de verificar esta hipótese que, de retorno a seu país, Delbœuf irá conceber seu experimento. Buscando afastar qualquer possibilidade de interferência nos resultados, ele irá se servir de dois sujeitos “novos”, isto é, que jamais haviam sido submetidos ao sono hipnótico para fins experimentais.
O primeiro destes sujeitos será nomeado “j…”, uma jovem camponesa de 23 anos. Entre os dias 17 de fevereiro e 5 de março, o cientista belga irá submetê-la a sessões quase diárias de hipnose, reproduzindo os mesmos fenômenos observados em Paris, no serviço de Charcot. Uma das conclusões a que chegará Delbœuf é que as leis associativas observadas na passagem do não consciente para o consciente eram idênticas àquelas observadas na vida normal. Com base em seu trabalho teórico sobre o sono e os sonhos, Delbœuf irá chamar essa memória não consciente de “memória de conservação” e a memória consciente de “memória de reprodução”. O autor chamará ainda a atenção para as perturbações associativas observadas durante a passagem de um registro de memória ao outro, que poderiam incluir certas formas de deformação do conteúdo não consciente na consciência.
Em outro experimento descrito no mesmo artigo, Delbœuf lançará mão de um segundo sujeito experimental, nomeado “M…”, uma jovem que apresentava as mesmas características da primeira, não possuindo antecedentes hipnóticos. Ambas serão induzidas em estado hipnótico a reproduzir em sonho uma mesma imagem apresentada simultaneamente aos dois sujeitos em estado de vigília. Trata-se da obra Le repas des funérailles, “a refeição do funeral”. A tela será descrita da seguinte maneira pelo autor:
o marido acaba de ser enterrado, um caçador, somos levados a crer; vemos seu fuzil, suas botas, seu cão. Em um canto, próximo ao leito, a viúva assolada pela dor; algumas mulheres, duas velhas e duas jovens, a consolam. No centro, uma mesa servida, algumas mulheres em torno, dentre as quais uma jovem (a irmã) representada em posição meditativa; algumas delas chamam para si os pequenos órfãos, que choram; em um ângulo, através da porta, vemos em outra peça homens com ar relativamente indiferente e que conversam descontraídos; no chão, flores espalhadas[103].
A respeito dessa tela, nos permitimos aqui fazer uma pequena digressão. Delbœuf a identifica como sendo obra de “Wautier”, referência provável a Charles Wautier, artista belga do século XVII, aluno de Paul Rubens (1577-1649)[104]. No entanto, considerando a descrição feita pelo pesquisador, fomos capazes de identificar a obra em questão em uma gravura anônima, intitulada Le repas des funérailles, que se encontra atualmente exposta no Suermondt-Ludwig-Museum de Aachen, na Alemanha.
Posto isso, e considerando ainda alguns detalhes estilísticos da tela, é pouco provável que ela tenha sido obra de um artista como Charles Wautier. Um candidato mais provável seria Émile Wauters (1846-1933), pintor belga nativo de Bruxelas – que possui um sobrenome parecido com o de Charles Wautier e cuja pronúncia tende igualmente a se aproximar. Lembramos que nenhuma imagem gráfica será incluída pelo autor em seu artigo.
Terminada a experiência, constata-se que cada sujeito dramatizou a cena em sonho à sua maneira. De acordo Delbœuf,
J… viu um luto sendo conduzido por uma mulher nem velha nem nova, uma velha consolava a primeira e segurava outra senhora pelo braço. Outras mulheres aparecem na sequência, e alguns homens que não choram, mas que manifestam alguma tristeza, assim como três ou quatro crianças; enfim, uma jovem mulher com roupas de banho deixa cair botões (sic, não de flores, mas de roupas – singular influência da palavra) e moedas de meio franco, que J… recolhe. Ao cabo do cortejo, aparece uma charrete carregada de fuzis velhos sendo conduzida à mão. O cortejo passa pela ponte (nós moramos ao lado de uma ponte), e assim o sonho termina. Ela não viu nenhum cão.[105]
também não viu nenhum cão. Ela viu passar a caravana do limite de nossa propriedade. Ela chegou a querer acompanhá-la, mas não tinha tempo e, além disso, não conhecia ninguém ali, nem parentes. Ela fica com muita pena da viúva em lágrimas. Os homens e as mulheres que o seguiam não estavam chorando. O carro fúnebre estava carregado de coroas etc.[106]
Do ponto de vista descritivo, os exemplos de deformação fornecidos pelo autor são bastante evidentes. Eles poderiam ser tranquilamente classificados enquanto formas particulares de condensação e deslocamento, incluindo a participação de restos diurnos, entre outras noções que serão mais tarde introduzidas por Freud em sua obra A interpretação dos sonhos. Ora, cada um destes elementos poderia ser estudado de maneira aprofundada em termos empírico-conceituais. No entanto, dadas as limitações deste trabalho, acabaremos nos concentrando em uma questão mais geral, chamando tão somente a atenção para o fenômeno de comunicação associativa entre os dois regimes de memória. Esta comunicação deverá necessariamente incluir modalidades de deformação, revelando assim uma dinâmica psíquica particular, uma dinâmica que – mais uma vez insistimos – tende a se aproximar das futuras hipóteses freudianas. É por esta razão que as experiências de Delbœuf serão consideradas como um importante precedente do conceito de inconsciente dinâmico. Ambas se apoiam nos mesmos antecedentes e inauguram um novo campo empírico de experiências, dentro do qual Freud fará suas contribuições. Nesse sentido, os discursos de Delbœuf e de Freud serão entendidos como concorrentes, na medida em que caminham lado a lado, buscando soluções teóricas a problemas similares apresentados pela experiência.
Talvez a evidência mais concreta e direta deste movimento se encontre em uma nota de rodapé aberta por Breuer e Freud em 1893, no contexto do célebre artigo: Os mecanismos psíquicos dos fenômenos histéricos[107]. Nessa nota, encontramos a seguinte passagem: “(…) explicaríamos a partir daí como o magnetisador contribui à cura. Ele reconduz o sujeito ao estado no qual o mal se manifestou e combate este mesmo mal, então renascido, por meio da palavra”[108]. Ora, a passagem em questão, tal como ela será reproduzida pelos autores do artigo, serve aqui apenas de ilustração para o raciocínio técnico avançado por Breuer e Freud no mesmo parágrafo, qual seja: que uma lembrança possui função terapêutica se e somente se o “processo psíquico” que lhe deu origem for “repetido de maneira especialmente viva, conduzida a seu statum nascendi e, na sequência, expressa em palavras”
É verdade que o leitor ordinário de textos psicanalíticos tenderia a se contentar com a ideia de que a citação de Delbœuf tem como função confirmar o gênio de Freud. No entanto, o historiador atento, comprometido com uma interpretação empírico-conceitual do mesmo trecho, tenderia a aprofundar sua leitura buscando correlações referenciais entre os dois textos. Tendo isso em vista, ele poderia começar colocando duas questões à citação em análise. A primeira delas relativa ao objeto da “explicação” evocada por Delbœuf, a segunda ao contexto mais amplo da experiência por ele empreendida, anunciada por meio da expressão “a partir daí”. Outras formas de análise textual poderiam nos conduzir às mesmas questões, a diferença é que nosso método nos levará a abordá-las de maneira particular.
Do ponto de vista documental, localizamos a passagem de Delbœuf em uma sequência de quatro artigos, publicados pelo autor entre 1888 e 1889 com o título O magnetismo animal. Sobre uma visita à Escola de Nancy[110]. O extrato incompleto citado por Breuer e Freud se encontra no terceiro artigo, seção XIII, onde Delbœuf discute a noção de suscetibilidade hipnótica. Antes de entrar na passagem reproduzida pelos médicos de Viena, o pesquisador Belga evoca a “lamentável história de uma mãe” que havia sido descrita “mais acima”.
Sem dúvida, o objeto da explicação que será dada pelo autor coincide com essa história clínica que não serão mencionadas por Breuer e Freud em nota. Percorrendo o trabalho de Delbœuf, encontramos a lamentável história a que o autor se refere na seção IX do mesmo artigo. Restituímos aqui de maneira integral a descrição do caso:
trata-se de uma jovem mãe. Seu quarto era contíguo àquele de seu filho doente e condenado. Um dia, às seis horas da manhã, enquanto ela dormia, ela imagina ter escutado o seguinte grito: Mamãe! Meio acordada, meio dormindo, ela acredita ter sonhado e volta a dormir. Meia hora mais tarde, ela entra, como de hábito, no quarto do seu filho e o encontra estirado no chão, morto e banhado pelo sangue que havia saído de sua boca. Face a este espetáculo, ela perde a razão, ela é tomada de remorso, e desse dia em diante um grito ressoa incessante em seus ouvidos: Mamãe! Este grito, ela mesma vai acabar lançando e, a cada vez, seja em sua casa, diante da família ou de estranhos, na rua, no trem, a imagem do filho ensanguentado se impõe e o grito: Mamãe! explode em seu peito.[111]
Tendo a ocasião de hipnotizá-la, Delbœuf propõe à jovem de “fazer uma descrição dramática da cena” e constata que, ao reconstruir a experiência traumática vivida pelo sujeito, a imagem do “fantasma [fantôme] banhado em sangue” desaparece e o grito de angústia acaba dando lugar um sorriso.
No que diz respeito ao contexto mais amplo da experiência realizada pelo autor, fazemos referência à sua hipótese em torno dos dois registros de memória, de conservação ou inconsciente e de reprodução ou consciente. Segundo Delbœuf, a imagem do filho banhado em sangue fora deslocada de um registro a outro, neste caso, do consciente ao inconsciente, produzindo um “estado nervoso” particular. Ainda de acordo com o autor, esse estado nervoso encontra seu fundamento psicológico em um processo de “sugestão natural” que resulta da exposição de um sujeito psicologicamente vulnerável – quer dizer, que se encontra em um estado psíquico “especial”, entre o “sono e a vigília” – a uma situação traumática. Vale notar que o mecanismo evocado pelo autor se aproxima da teoria dos estados hipnóides que será mais tarde proposta por Breuer com base na análise de Bertha Pappenheim, o famoso caso “Anna O.” dos Estudos sobre a histeria[112].
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Antes de passar para o estudo das origens, dois outros precedentes serão ainda estudados no contexto dessa seção: Trata-se do modelo psicopatológico e do procedimento terapêutico propostos por Pierre Janet (1859-1947) e por dois psiquiatras franceses de Rochefort, Henri Bourru (1840-1914) e Prosper-Ferdinand Burot (1849-1921), ambos baseados na ideia de comunicação associativa entre os dois registros de memória isolados por Delbœuf.
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Apoiando-se nos trabalhos de Delbœuf sobre a memória, Janet realizará uma série de experiências que irão resultar na publicação de alguns artigos a partir de 1886[113]. Essas experiências serão mais tarde apresentadas em sua tese de doutorado sobre o Automatismo psicológico[114], publicada em 1889.
A partir de suas primeiras observações dirigidas a um primeiro sujeito experimental, Madame L., Janet constata que indivíduos em estado sonambúlico são capazes de raciocinar sobre temas complexos, podendo inclusive efetuar operações matemáticas. Essa constatação o levará a afirmar a existência de uma “inteligência sem consciência”[115]. Avançando em suas investigações, Janet conclui que essa forma de inteligência sem consciência será composta de ideias dissociadas em relação a um eu principal – ideias normalmente inacessíveis em estado de vigília – capazes de dar origem a um segundo e mesmo a um terceiro eu. Tal argumento, que será desenvolvido um ano mais tarde em A anestesia sistemática e a dissociação dos fenômenos psicológicos[116] e, em 1888, em seu artigo Os atos inconscientes e a memória durante o sonambulismo[117], onde um segundo sujeito experimental, madame B., será objeto dos seus experimentos. Neste último trabalho, os ditos “atos inconscientes” – definidos pelo autor como “uma ação possuindo todas as características de um fato psicológico, mas que, diferente deles, é sempre desconhecido e ignorado pela pessoa que o executa, no momento em que ela o executa”[118] – serão concebidos como um produto da dissociação psíquica.
Finalmente, 1889, em sua tese sobre o automatismo psicológico, esse modelo teórico – em parte apropriado da psicologia experimental de sua época, em parte desenvolvido a partir de seus experimentos hipnóticos – será pensado por Janet em suas aplicações terapêuticas, principalmente à clínica da histeria.
No que diz respeito ao modelo teórico assumido pelo autor, permito-me aqui reproduzir uma longa passagem extraída de seu artigo de 1888 sobre os atos inconscientes. Ao cabo de seu trabalho, Janet sintetiza os resultados da sua investigação a partir de três enunciados:
[1)] se consideramos que os atos executados inconscientemente em estado de vigília por certas pessoas acometidas pela histeria, as coisas parecem se passar como se houvesse nelas várias camadas simultâneas e superpostas de fenômenos conscientes agrupados em sistema, como se certos fenômenos não pudessem pertencer simultaneamente a duas camadas ou a dois sistemas, desaparecendo de um para entrar no outro[; 2)] se consideramos a memória e a associação de ideias nestas mesmas pessoas, as coisas parecem se passar como se os fenômenos de uma camada ou de um dado sistema se associassem facilmente com os fenômenos de uma camada superior, de modo a poder evocá-los através da recordação, mas não se associando da mesma forma com aqueles da camada inferior[; 3)] se consideramos nestas mesmas pessoas a manifestação de certos estados anormais, de certos sonhos, de algumas crises, do sonambulismo natural e do sonambulismo artificial, as coisas parecem se passar como se estes estados anormais fossem simplesmente resultado da supressão de um ou várias das camadas superiores, trazendo consequentemente para o primeiro plano os fenômenos da camada inferior com as características que lhe são próprias[119].
Ora, este modelo incluindo camadas ou sistemas psíquicos não está distante das hipóteses que serão posteriormente propostas por Freud. Ambos os modelos parecem até mesmo coincidir em diversos aspectos.
No que diz respeito às aplicações terapêuticas, nos limitaremos aqui a descrever um dos casos clínicos de histeria apresentados por Janet em sua tese de 1889, um caso considerado por nós como particularmente ilustrativo. Trata-se do caso “Marie”, uma jovem de 19 anos observada pelo autor no hospital do Havre e que sofria de crises convulsivas e de delírios recorrentes[120].
Estes sintomas tendiam se manifestar de maneira regular seguindo o ritmo de seu ciclo menstrual, se agravando durante o período propriamente dito. Segundo Janet, já era possível identificar durante o período pré-menstrual uma visível alteração do humor na paciente. Ela se mostra deprimida e por vezes violenta, manifestando dores e agitação em todos os membros. Pouco depois do início da menstruação, o fluxo tende a se interromper e um grande frisson percorre seu corpo, acompanhado de uma forte dor que remonta lentamente do ventre à cabeça. É neste momento que as crises histéricas têm início. As convulsões são violentas e os delírios são intensos, por vezes acompanhados de gritos de terror. Ela fala de “sangue”, de “incêndio” e se comporta como se estivesse em meio a chamas, prestes a se queimar. Às vezes, ela tende a assumir um comportamento infantil, verbalizando conversas imaginárias com sua mãe, subindo nos móveis e bagunçando toda a sala. A cena se termina com vômitos de sangue. Na sequência, como dirá o autor, tudo parece “entrar nos eixos”. Após as crises, amnésia completa dos ataques e conservação de alguns sintomas de contratura e anestesia, incluindo também uma cegueira absoluta e contínua do olho esquerdo[121].
Depois de alguns meses de observação, Janet se propõe a realizar uma investigação hipnótica a fim de explorar as diferentes “camadas” e “sistemas” psíquicos de Marie. Através desta exploração, vem à tona uma primeira memória ligada ao período menstrual. Aos treze anos de idade, a paciente havia tentado interromper sua primeira menstruação sentando-se em uma grande bacia com água gelada. Ela sente um frisson, o fluxo será interrompido e, nos dias que se seguem, ela passará a manifestar delírios. Após este evento, Marie deixará de menstruar por cinco anos, até completar 18 anos. O retorno do fluxo menstrual será considerado pelo autor como o agente desencadeante das crises que a levariam ao hospital do Havre. Daí Janet conclui que, todo mês, quando o período menstrual se aproxima, a lembrança da cena vivida pela paciente aos 13 anos de idade retorna sem poder acessar as camadas mais superficiais da consciência, permanecendo inacessível em estado de vigília. Partindo desta hipótese, o dispositivo terapêutico idealizado pelo autor consistirá em um trabalho em dois tempos: 1) regressão hipnótica à cena da bacia de água gelada acompanhada de 2) sugestões visando o enfraquecimento da “ideia fixa” no interior do psiquismo da paciente. Como nos relata Janet em sua obra, depois de algumas sessões de regressão acompanhada de sugestão Marie será liberada de suas ideias fixas, e seus sintomas convulsivos e delirantes tenderão igualmente a desaparecer.
O mesmo procedimento será utilizado na investigação e no tratamento dos outros sintomas isolados manifestados pela mesma paciente, como o sentimento de “terror” durante as crises, assim como a ideia de “incêndio” e “chamas” evocadas do contexto dos ataques. Enfim, no caso da cegueira histérica do olho esquerdo, Janet localiza um evento datado de um período bastante precoce de sua existência. Segundo o autor, o sintoma teria se manifestado pela primeira vez quando a paciente tinha seis anos de idade, depois de ter “sido forçada, aos gritos, a dormir ao lado de uma criança de sua idade que tinha uma doença de pele [gourme] que cobria todo lado esquerdo da face”. Tendo assim encontrado a origem dos sintomas, Janet coloca a paciente em estado sonambúlico e induz a imagem da criança, fazendo-a crer que “ela era adorável e que ela não tinha nenhuma doença de pele”. Chamamos a atenção aqui, como relata o autor, que após uma primeira sugestão, Marie “não se mostra senão parcialmente convencida”. Contudo, depois de duas repetições da cena, Janet “obtém ganho de causa” e a paciente “acaricia sem qualquer temor a criança imaginária”. Quando a paciente será desperta ao cabo do experimento, “Marie passará enxergar normalmente com seu olho esquerdo”. Em conclusão, Janet afirma que a paciente pode ser considerada como curada, não apresentando o menor sinal de histeria há cinco meses.
Para o leitor familiarizado com as primeiras publicações psicanalíticas de Freud, uma relação entre os dois procedimentos – aquele proposto por Janet e o futuro método freudiano – é bastante evidente. Neste sentido, o psychoanalytische Methode, ao qual o médico de Viena fará pela primeira vez referência em 1896, poderia ser considerado como uma simples variação de la méthode d’analyse psychologique, tal como ele será nomeado na época pelo pesquisador francês. Falta-nos, no entanto, um elemento que será fornecido por outros dois pesquisadores franceses que, partindo dos mesmos princípios – quer dizer, de uma psicofisiologia bem estabelecida e de um conhecimento prático de hipnose – irão introduzir a dimensão afetiva nesta equação.
Referimo-nos aqui aos médicos de Rochefort, Henri Bourru e Prosper-Ferdinand Burot. É a estes pesquisadores que devemos a descrição do caso de Madame X, uma paciente que será diagnosticada como portadora de uma “neurastenia histérica” e que será estudada pelos dois médicos entre 1888 e 1889. Encontramos referências a esta história clínica em duas contribuições diferentes, inicialmente no contexto de uma obra sobre As variações da personalidade[122] e, mais tarde, em uma comunicação feita no primeiro congresso internacional de hipnotismo experimental e terapêutico, com o título de Um caso de neurastenia histérica com dupla personalidade[123].
Segundo os autores, ainda em 1888, “Madame X.”[124] será apresentada como uma mulher mais velha que, nos último quinze anos, havia experimentado uma série de profundas mudanças na vida. Durante este período, ela manifestou sintomas de paralisia, contratura, esgotamento cerebral acompanhada de fortes dores de cabeça e, mais tardiamente, “um estado cerebral singular caracterizado por um torpor indescritível e uma impressionabilidade excessiva a todo tipo de perturbação sensorial ou moral”. Como medida terapêutica, Bourru e Burot tentarão fazer com que Madame X. retome via sugestão hipnótica um período particularmente calmo e feliz de sua vida, procedimento que, ao menos em um primeiro momento, terá efeitos positivos sobre a paciente.
Um ano mais tarde, os médicos de Rochefort darão continuidade à descrição do mesmo caso trazendo novos elementos clínicos a partir do estudo de sua evolução. Nesta ocasião, Bourru e Burot nomearão a paciente em questão de “Madame de M.” e sua história será contada com muito mais detalhes, mostrando que, na verdade, a paciente havia sido curada por razões ligeiramente diferentes, que não poderiam ser reduzidas a simples influência de uma sugestão hipnótica. Ao invés de inibir as crises e combater os sintomas de Madame X. por meio de sugestões contrárias, o que esses autores acabaram fazendo foi confrontar a paciente a seus próprios dramas pessoais, produzindo assim – nos termos dos autores – uma intensa descarga afetiva.
Colocando em prática este dispositivo, inicialmente de maneira não intencional, Bourru e Burot começam a se dar conta que estas mesmas explosões afetivas possuíam valor terapêutico. A este respeito, dirão os autores: “longe de evitá-la, nós expúnhamos a paciente à crise. Produzia-se assim uma alucinação em meio a qual ela vivenciava todos os fatos evocados e da qual ela despertava em melhor estado”[125]. E, mais adiante, “que todas essas mudanças favoráveis foram precedidas de crises evidentes e que a intensidade e a duração da crise são, por assim dizer, diretamente proporcionais à melhora no quadro”[126].
Em conclusão à comunicação, os médicos de Rochefort dirão que este tipo de “doença mental” – no caso as neuroses – tendem a produzir sobre os “centros nervosos uma espécie de condensação e de organização da força nervosa que precisa ser deslocado e projetado para fora”[127]. Esta hipótese já havia sido formulada na obra de 1888, onde podemos ler a seguinte passagem a respeito da etiologia das neuroses:
nós acreditamos que estes transtornos resultam de uma repartição desigual da força nervosa entre os órgãos. Esta força abandona gradativamente os centros intelectuais ou motores, levando a um atordoamento do intelecto ou a uma paralisia aparente. O problema terapêutico consiste, portanto, no reestabelecimento da justa medida na distribuição da energia nervosa.[128]
No que diz respeito à relação entre sintoma neurótico e repartição desigual da nervosa, lembramos que neste mesmo ano de 1888, Freud sustentará em artigo de enciclopédia dedicado à histeria que, enquanto “doença do sistema nervoso”, tal afecção repousa sobre uma “repartição desigual das excitações” associada à “formação de um excedente de estímulos no órgão psíquico”. Desta forma, o médico de Viena conclui argumentando que, do ponto de vista terapêutico, “tudo aquilo que modifica a distribuição das excitações no sistema nervoso pode curar os transtornos histéricos”[129]. Cabe ainda ressaltar que, neste mesmo artigo, Freud chamará a atenção para o dispositivo terapêutico colocado em prática por seu colega Josef Breuer, justamente baseado na regressão hipnótica ao momento onde a doença fora desencadeada[130], método que será desenvolvido entre 1893 e 1895 apoiando-se nos efeitos terapêuticos da “catarse” ou “ab-reação” de um excesso de excitação não descarregado.
Ao criar este dispositivo, Freud e Breuer preparam o terreno para emergência do método psicanalítico, baseado não apenas na ab-reação dos afetos ligados a representações traumáticas, mas na elaboração destes afetos a nível psíquico. Contudo, em termos teóricos, todos os elementos necessários à construção do inconsciente dinâmico estavam já disponíveis. Como bem vimos, as condições empíricas de possibilidade deste conceito já haviam sido estabelecidas pela psicologia experimental e pela clínica do hipnotismo. Com base nessas condições, chamadas por nós de antecedentes, assistimos durante os anos 1880 a emergência de alguns discursos concorrentes ao psicanalítico que buscavam resolver uma série de questões psicopatológicas que permaneciam sem resposta. Enfim, ao estabelecer um diálogo com esses discursos concorrentes, chamados por nós de precedentes, Freud daria origem a um conceito novo capaz de solucionar problemas comuns a um campo de debates bem definido.
A fim de melhor compreender a originalidade deste conceito em relação aos discursos concorrentes que o precederam, partimos agora para o estudo das origens do inconsciente dinâmico.
3.4. Estudo das origens
Sabemos que durante a segunda metade dos anos 1880, Freud começa a se interessar pela clínica da histeria e pelas experiências hipnóticas. Em 1885, o jovem médico vienense irá passar alguns meses em Paris, na Salpêtrière, acompanhando as lições de Charcot sobre as doenças do sistema nervoso e observando o trabalho de sua equipe[131]. De retorno à Viena em 1886, como testemunham as cartas trocadas entre os dois médicos[132], Freud se engaja na tradução de alguns textos do neurologista parisiense, familiarizando-se ainda mais com as suas hipóteses a respeito das neuroses e do hipnotismo. Lembramos que estas hipóteses serão expostas por Freud em uma conferência dedicada à histeria masculina, realizada no mês de outubro daquele mesmo ano, diante da Sociedade real e imperial de médicos de Viena[133]. Essas mesmas hipóteses serão retrabalhadas pelo autor a partir de um caso clínico de histeria por ele observado[134]. Em 1887, com o objetivo de se aprofundar no tema, Freud se voltará às investigações hipnóticas realizadas por Bernheim, se engajando na tradução alemã de uma de suas obras citadas por nós mais acima, intitulada A sugestão e suas aplicações terapêuticas, para a qual Freud escreverá em 1888 uma introdução crítica[135].
Um trabalho mais autoral sobre o hipnotismo e seus usos médicos será publicado por Freud no início dos anos 1890, refiro-me aqui ao verbete Hipnotismo, escrito para a enciclopédia médica de Anton Bum (1856-1925), cujo primeiro volume será editado em 1891. Lembramos que o artigo intitulado Tratamento anímico ou psíquico, pretensamente publicado em 1890, fora na verdade redigido pelo autor alguns anos mais tarde e publicado apenas em 1905, como nos demonstrou recentemente Gerhard Fichtner[136]. A este trabalho, podemos somar duas conferências menos conhecidas, pronunciadas entre os meses de abril e maio de 1892 com o título: Sobre hipnose e sugestão[137]. Enfim, de um ponto de vista mais clínico, caberia ainda citar um importante artigo, normalmente negligenciado por aqueles que se dedicam ao estudo da obra freudiana, publicado entre 1892 e 1893. Referimo-nos aqui ao texto: Um caso de cura hipnótica acompanhado de considerações sobre a aparição de sintomas histéricos pela ação da “contravontade”[138]. Dentre estes trabalhos, caberia chamar a atenção para este último e em particular à noção de contravontade histérica nele desenvolvida. Essa ideia se encontra diretamente ligada ao e inteiramente dependente do conceito de inconsciente dinâmico.
Através destes trabalhos, cuja análise detalhada não teríamos condições de realizar no contexto desta breve contribuição, fica fácil ao leitor familiarizado com a literatura médica da segunda metade do século XIX avaliar até que ponto Freud conhecia a ciência de seu tempo e em que medida ele irá se apropriar dela. Feita essa avaliação, não é difícil estabelecer algumas linhas de continuidade entre as hipóteses propriamente freudianas e aquelas avançadas pelos seus pares. Essa continuidade nos parece particularmente evidente em dois artigos publicados por em 1893, o primeiro, escrito originalmente em francês: Estudo comparativo das paralisias motoras orgânicas e histéricas[139], o segundo, escrito em parceria com Josef Breuer como uma Comunicação preliminar à obra Estudos sobre a histeria[140].
Freud começa seu artigo sobre as paralisias motoras fazendo algumas considerações gerais de caráter neurológico sobre as paralisias orgânicas, afecções atribuídas a lesões observadas em diferentes porções do sistema nervoso central. Dois tipos de paralisia orgânica serão isolados em função da localização das lesões e das perturbações motoras que delas resultam. Por um lado, serão descritas as paralisias “periférico-medulares”, atribuídas à destruição de células nervosas que se encontram na medula espinhal e cujas manifestações clínicas serão facilmente reconhecidas graças à especialização da paralisia, em geral circunscrita a músculos específicos. Por outro, serão identificadas as paralisias ditas “cerebrais”, associadas à destruição de células corticais e cujas manifestações clínicas serão caracterizadas por perturbações motoras pouco especializadas e de grande extensão. As primeiras serão chamadas de paralisias em “projeção”, dado que cada porção da periferia do corpo encontra um correlato preciso na medula espinhal. As segundas serão chamadas de paralisias em “representação”, dado que, em função de uma redução em número das conexões nervosas entre a medula e o córtex cerebral, a periferia do corpo nunca poderá encontrar uma correspondência precisa no tecido cortical. É por esta razão que uma lesão cerebral acaba produzindo uma paralisia menos especializada que uma lesão medular.
Com base nestes princípios anatomopatológicos, Freud estabelecerá do ponto de vista clínico uma relação entre as paralisias motoras histéricas e as paralisias cerebrais, na medida em que em ambos os casos os sintomas clínicos tendem a se manifestar de maneira não especializada, chegando a cobrir porções significativas de diferentes partes da periferia do corpo. No entanto, diferente das paralisias cerebrais, as afecções histéricas não implicavam lesão, expressando-se de maneira puramente funcional. Além disso, em oposição às paralisias orgânicas, que respeitavam rigorosamente a distribuição anatômica dos nervos, as paralisias histéricas pareciam depender de outros fatores. É nesse sentido que Freud dirá se tratar aqui de uma paralisia em representação, mas não uma representação anatômica da periferia do corpo, mas sim de uma representação psicológica dos órgãos motores.
Enfim, na última parte de seu artigo, Freud irá propor uma hipótese explicativa para a formação dos sintomas histéricos fundada na noção de representação psicológica, recorrendo para tal às teses avançadas por Pierre Janet. A este respeito o médico de Viena fará menção às “posições” de Janet nos últimos números dos Archives de neurologie, onde ele mesmo havia publicado o presente artigo. Ora, fazendo uma busca nestes números aos quais Freud se refere explicitamente, encontramos dois artigos publicados em 1892 pelo pesquisador francês, o primeiro deles dividido em duas partes[141] intitulado: A anestesia histérica, o segundo publicado em uma única parte com o título: A sugestão nos histéricos[142].
Nas duas primeiras contribuições, sobre a anestesia histérica, Janet discutirá a partir de alguns exemplos clínicos a questão da “incongruência” entre os sintomas histéricos e a lógica anatômica dos nervos. Segundo o autor, em caso de histeria os membros anestesiados não responderiam exatamente aos mesmos membros em termos fisiológicos, mas sim ao “sentido popular da palavra” associada ao órgão afetado. Trata-se aqui do mesmo argumento mobilizado por Freud em seu artigo de 1893, onde as paralisias histéricas – então concebidas como uma “alteração funcional sem lesão orgânica concomitante” – serão descritas como o resultado de uma “alteração da concepção” ou da “ideia” do membro paralisado, concepções ou ideias que, segundo o autor, corresponderão precisamente uma representação “banal” ou “popular” do corpo.
Ainda de acordo com Janet, esta perturbação funcional implicaria um distúrbio associativo capaz de impedir o acesso consciente a determinados elementos psíquicos ainda não conscientes. Esse processo, pensado em termos psicofisiológicos, será estudado em detalhe pelo pesquisador francês e concebido como efeito de um “estreitamento do campo da consciência”. De acordo com o autor, este estreitamento tende a inibir a chamada operação de “síntese psicológica”, responsável pela transformação dos elementos sensoriais primários e subconscientes nos elementos secundários que caracterizam a percepção consciente.
Ora, diante dos mesmos fenômenos, Freud irá propor uma explicação alternativa, mas não completamente oposta àquela avançada por Janet. Tal como o pesquisador francês, o médico de Viena irá entender essa alteração funcional como um distúrbio dissociativo cujo efeito é a completa “abolição da acessibilidade associativa da concepção”. Diferente de Janet, no entanto, Freud buscará explicar esta “abolição” da acessibilidade associativa por meio de uma hipótese mais complexa, incluindo aí a participação de afetos e pressupondo a existência de um mecanismo psicodinâmico ativo, capaz de isolar determinados grupos de representação do psiquismo consciente.
Este mecanismo psicodinâmico será descrito por Freud, em 1893, nos seguintes termos: se a concepção do membro paralisado “se encontra engajada em uma associação de grande valor afetivo, ela será inacessível ao concurso das demais associações”[143]. Este engajamento entre uma variável qualitativa, a concepção, e uma variável quantitativa, o grande valor afetivo, tenderá a se estabelecer em função de experiências traumáticas marcantes. O membro será paralisado “em proporção com a persistência deste valor afetivo ou de sua diminuição por meios psíquicos apropriados”[144]. Em todos os casos de paralisia motora histérica, continua o autor, “constatamos que o órgão paralisado ou a função abolida está engajado em uma associação subconsciente munida de um grande valor afetivo”[145], sendo possível demonstrar que o membro afetado “torna-se livre tão logo este valor afetivo é apagado”[146]. Mais adiante, a noção de “apagamento” do valor afetivo, será assimilada pela chamada teoria da “ab-reação do excesso de excitação”. Assim, conclui Freud, a concepção do membro “existe no substrato material, mas ela não é acessível às associações e impulsões conscientes, pois toda afinidade associativa, por assim dizer, está saturada em uma associação subconsciente com a lembrança do evento, do trauma, que produziu esta paralisia”[147]. Lembramos que, segundo o autor, este substrato material corresponde à porção do córtex cerebral responsável pela função motora comprometida. Essa consideração nos permite vincular Freud à tradição psicofisiológica discutida por nós mais acima e entender seu modelo psicopatológico como uma extensão de seus antecedentes e precedentes.
Buscando ilustrar seu argumento, Freud recorre a três exemplos “tirados da vida social”. O primeiro evoca a figura de um súdito “que não quis mais lavar as mãos pelo fato de seu soberano tê-las tocado”[148]. Aqui, o afeto ligado à representação psíquica da mão que fora tocada pelo rei impediria o súdito de colocá-la em relação com outras representações psíquicas associadas ao ato de lavá-las. O segundo exemplo, mais complexo, evoca o costume de quebrar as taças “com as quais brindamos a saúde dos jovens casados”[149]. De acordo com o folclore Yiddish, quebrar uma taça afasta os espíritos maléficos representados pelo Sitre-akhre, fazendo com que eles participem da cerimônia. Neste caso, a representação visual da taça quebrada passa a representar uma exigência em função da presença do afeto envolvido, impondo-se assim ao psiquismo consciente. Enfim, o terceiro exemplo será dado em referência à prática de “antigas tribos selvagens” que costumam queimar tudo aquilo que pertenceu a um chefe após sua morte, “obedecendo à ideia de que ninguém deverá tocá-los depois dele”[150]. A representação destes objetos assume neste último exemplo um valor particular em função do grande valor afetivo outrora a eles associado.
Em termos psicodinâmicos, este mesmo mecanismo será desenvolvido no artigo preliminar aos Estudos sobre a histeria, mencionado por nós há pouco. Publicada em alemão neste mesmo ano de 1893, esta breve contribuição terá como objeto os mecanismos psíquicos dos fenômenos histéricos. No que diz respeito à associação entre representações e afetos, os autores distinguirão duas modalidades principais de ligação. O primeiro tipo de associação será definido como “simples”, quando a correlação entre o evento traumático carregado de afeto e a representação psíquica é direta. O segundo tipo será definido como “simbólico”, quando a correlação entre os mesmos elementos afetivos e representacionais acaba dependendo de cadeias associativas mais longas, fazendo com que a relação entre eles seja indireta. Retomando os três exemplos evocados por Freud em seu artigo sobre as paralisias motoras, podemos dizer que o primeiro deles, envolvendo o súdito e o soberano, revela uma correlação do tipo “simples”, uma vez que o “sintoma” em questão implica uma relação direta entre o “evento carregado de afeto” e a “representação psíquica”. A mesma mão que fora tocada pelo soberano deverá ser preservada. Por outro lado, no caso dos dois exemplos subsequentes, envolvendo a taça quebrada e a queima dos bens do chefe, o “sintoma” estabelece uma relação por assim dizer indireta com o evento que o produziu. Elementos associativos complexos cujos elos intermediários não temos acesso ligam simbolicamente um personagem folclórico à saúde dos recém-casados por meio da destruição de um objeto. Da mesma forma, a destruição dos objetos que pertenceram a uma autoridade garante do ponto de vista simbólico a coesão grupal da comunidade organizada em torno do ritual.
Alguns exemplos clínicos destas duas modalidades de ligação, simples e complexa, serão dados pelos autores. No que diz respeito ao fenômeno de correlação simples e direta, podemos fazer referência aqui ao desenvolvimento de sintomas de náusea e vômito histéricos que se seguem à repressão de um afeto doloroso vivido pelo paciente durante uma refeição, tendo efetivamente produzido na ocasião náuseas e vômitos. No que diz respeito ao fenômeno de correlação simbólica, podemos citar o exemplo evocado pelos mesmos autores do desenvolvimento de vômitos histéricos motivados por um desgosto de ordem moral. Diferente do exemplo anterior, a relação aqui é de natureza metafórica e não propriamente alimentar.
O que será comum a todos estes fenômenos de correlação entre afetos e representações é que seu mecanismo de formação deverá necessariamente seguir o paradigma das chamadas “neuroses traumáticas”, cujo protótipo são as ditas paralisias artificiais descritas e estudadas por Charcot no início dos anos 1880. Neste sentido, o trauma psíquico ou – como afirmam Breuer e Freud – a “lembrança do trauma psíquico”, age no interior do psiquismo como um corpo estranho, tal como uma ideia introduzida por sugestão, podendo assim produzir sintomas histéricos. No entanto, de acordo com os mesmos autores, a lembrança em questão só assume valor traumático se estiver associada a um afeto particularmente intenso, hipótese construída a partir da constatação de que os sintomas assim produzidos tendem a desaparecer com a descarga do afeto implicada na sua formação – e que “uma rememoração sem afeto”, quer dizer, desacompanhada de descarga afetiva, “é quase sempre sem efeito”.
Nos esboços de Freud à comunicação preliminar de 1893, encontramos de maneira bastante clara a combinação de três princípios teóricos que se encontram na base do mecanismo descrito há pouco. O primeiro destes princípios é o da 1) constante de excitação, quer dizer, o princípio geral de conservação da energia aplicado ao sistema nervoso e à vida psíquica; o segundo é a 2) teoria da lembrança, ligada à comunicação entre as instâncias psíquicas conscientes e inconscientes; e o terceiro é a 3) hipótese da dissociação psíquica, segundo a qual nem todos os elementos se encontram associados da mesma forma entre si.
Cada um destes princípios encontra seus antecedentes e precedentes nos eventos históricos estudados por nós nos dois últimos tópicos desta seção. Seus antecedentes comuns remontam à psicologia fisiológica desenvolvida a partir dos anos 1850 por pesquisadores de língua alemã e às experiências hipnóticas realizadas principalmente a partir dos anos 1880 por pesquisadores de língua francesa. No caso de seus precedentes, lembramos das observações de Delboeuf no que diz respeito à chamada “teoria da lembrança”, ou seja, à comunicação entre os dois registros de memória, consciente e não consciente. Da mesma forma, caberia chamar a atenção para a participação de Janet no que diz respeito à tese da “dissociação psíquica”, que será integrada à teoria da lembrança em seu trabalho sobre o automatismo psicológico e aplicado a tratamento de sintomas histéricos, marcadamente no caso “Marie”, evocado acima. Enfim, no que diz respeito à noção de constante de excitação, não podemos deixar de fazer menção aqui às experiências de Bourru e Burot, que serão inclusive citadas por Breuer e Freud, ainda que indiretamente, através de uma referência feita em 1893 à obra de Alfred Binet sobre as Alterações da personalidade[151].
No entanto, é preciso reconhecer que, no caso deste último princípio, a referência exclusiva aos dois médicos de Rochefort se mostra insuficiente, sendo necessário recorrer a outros eventos que, por razões de clareza, não puderam ser tratados ao longo do texto. Recorrendo a alguns esquematismos, lembramos que, como já anunciado acima, a noção de “constante de excitação” encontra seus antecedentes diretos na aplicação do princípio da conservação da energia aos corpos orgânicos. Ora, essa aplicação havia sido proposta por Hermann von Helmholtz em 1847[152] e, no ano seguinte, este mesmo princípio será aplicado por seu colega Emil du Bois-Reymond ao estudo da eletricidade animal[153]. Entre os anos 1850 e 1860, a circulação desta energia de natureza elétrica será associada à noção de “força nervosa”. Ela será descrita ainda nos anos 1850 por autores como Alexander Bain em referências aos trabalhos de du Bois-Reymond[154]. Mais tarde, no final dos anos 1880, ela será evocada nos mesmos termos por Bourru e Burot, não mais com o objetivo de explicar um fenômeno psicológico genérico, mas sim um fenômeno psicopatológico bastante específico.
Sabemos a partir de algumas citações feitas por Freud ao longo de sua obra que este princípio será por ele associado aos trabalhos de Theodor Fechner, em particular a sua obra Algumas ideias sobre emergência e a evolução dos organismos, publicada em 1873, onde Fechner descreverá o chamado “princípio da tendência à estabilidade”[155]. Porém, ao realizar uma análise referencial, não podemos nos contentar com referências isoladas. O próprio Fechner, ao discutir o problema da constante de excitação no décimo primeiro capítulo do texto supracitado, aplica ao fenômeno da vida psíquica o princípio geral desenvolvido por Helmholtz e por du Bois-Reymond. Neste sentido, Fechner poderia ser considerado, junto com Bourru e Burot, como um dos precedentes do princípio freudiano da constante de excitação, cuja origem se encontra justamente nos trabalhos publicados entre 1893 e 1895 com Breuer.
4. Conclusão
Após apresentar os princípios de nosso método e de ilustrar a sua aplicação a partir do estudo de um conceito psicanalítico, gostaríamos de, à guisa de conclusão, fazer algumas breves considerações sobre a utilidade da análise empírico-conceitual para historiografia da psicanálise.
Começamos lembrando que nosso objetivo não foi de definir um método único de investigação em história da psicanálise, mas sim de formalizar – tanto quanto possível – uma metodologia de trabalho que nos pareceu promissora, contribuindo assim com trabalhos que já vêm sendo feitos no campo. Pensando no contexto brasileiro, podemos nos referir aqui à longa tradição de pesquisas filosóficas dirigidas à psicanálise, iniciadas entre os anos 1970 e 1980 e que não encontram paralelo em outros países.
Em segundo lugar, creio que, acompanhada de uma crítica das narrativas clássicas e de um maior cuidado no tratamento das fontes primárias, a análise empírico-conceitual poderá nos ajudar a desconstruir alguns mitos persistentes ligados à história da psicanálise. A este respeito, limitamo-nos a mencionar algumas ideias prontas ligadas, por exemplo, ao isolamento de Freud em relação à comunidade científico de seu tempo e ao isolamento da própria psicanálise em relação a outros saberes sobre o homem. Ora, uma investigação minuciosa dirigida à experiência psicanalítica, aos casos e às descrições clínicas, nos revela justamente o contrário, que o psicanalista é um profissional entre outros e que seu método se encontra bem integrado no interior de outras práticas.
Enfim, em terceiro lugar, estudar a história da psicanálise desde um ponto de vista empírico-conceitual coloca o historiador no lugar do pesquisador, levando-o a mobilizar seu pensamento clínico e sensibilizando-o a diferentes problemas psicopatológicos. Considerando a prevalência de estudos majoritariamente teóricos no seio dos principais centros brasileiros de pesquisa em psicologia clínica, a contribuição deste método para a formação de psicólogos não seria negligenciável. Ao mesmo tempo, pensando naqueles que não possuem uma prática clínica, o simples alargamento do campo conceitual em psicanálise – possível graças à inclusão de elementos de análise irredutíveis a materialidade do texto – talvez permita a manutenção de uma psicanálise viva, incompatível com a reprodução de sistemas fechados de pensamento. ♦
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* Caio Padovan é psicólogo, doutor em Psicopatologia e Psicanálise pela Universidade de Paris 7. Atualmente é professor de Psicologia Clínica na Universidade de Montpellier 3 e pesquisador associado do Centre de recherche psychanalyse, médecine et société (CRPMS). Co-fundador do Instituto de Pesquisa e Estudos em Psicanálise nos Espaços Públicos (IPEP).
[1] Ver: HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich (1822-30) Vorlesungen über die Philosophie der Geschichte, 1989. Para uma tradução brasileira desta obra, consultar: HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich (2008) Filosofia da história.
[2] HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich (1822-30) Vorlesungen über die Philosophie der Geschichte, 1989; p. 14s
[3] Referência à obra publicada em mais de um volume, em: MÜLLER, Johannes von (1780) Die Geschichten der Schweizer.
[4] A este respeito, ver: WOOLF, Daniel. (org.) (2011) The Oxford History of Historical Writing. Para uma versão mais concisa e circunscrita ao cenário europeu, consultar o quarto capítulo (“Enlightenment, Revolution and Reaction, c. 1700-1830”) de WOOLF, Daniel (2019) A Concise History of History. Para uma abordagem mais introdutória e igualmente generalista, ver: AURELL, J.; BALMACEDA, C. BURKE, P. SOZA, F. (2013) Comprender el pasado, una historia de la escritura y el pensamiento histórico.
[5] HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich (1807) Phänomenologie des Geistes, 1989.
[6] Citamos aqui a recente tradução francesa da obra de Winckelmann, Geschichte der Kunst des Altertums, Acompanhada de introdução e notas de Daniela Gallo: WINCKELMANN, Johann Joachim (2005) Histoire de l’art dans l’Antiquité.
[7] Referimo-nos aqui à introdução de Forbes, em particular à seção dedicada ao tema “Hegel e os historiadores”, que precede a seguinte versão inglesa das lições de Hegel sobre filosofia da história: HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich (1975) Lectures on the Philosophy of World History, 2002.
[8] KANT, Immanuel (1800) Logik. Kants gesammelte Schriften, Band 9. Berlin und Leipzig: Walter De Gruyter, 1923. Para um breve comentário a respeito da noção de “conceito” em Kant e na tradição kantiana, ver o instrutivo verbete de Howard Caygill, em: CAYGILL, Howard (1995) A Kant Dictionary.
[9] TAINE, Hippolyte (1875) Les origines de la France contemporaine, 1902.
[10] TAINE, Hippolyte (1875) Les origines de la France contemporaine, 1902; p. VIII.
[11] O primeiro volume desta obra foi publicado em 1866, o segundo em 1875. Citamos aqui uma versão póstuma, que reúne ambos os volumes, editada por Hermann Cohen: LANGE, Friedrich Albert (1887) Geschichte des Materialismus und Kritik seiner Bedeutung in der Gegenwart.
[12] BURKE, Peter (1993) History and Social Theory.
[13] Para um comentário, ver: BURKE, Peter (1990) The French Historical Revolution: Annales School, 1929-1989. A respeito da “nova história”, ver: LE GOFF, Jacques (2006) La nouvelle histoire.
[14] Para uma introdução histórica à história das ciências, assim como um comentário a respeito dos seus principais problemas, ver: BRAUNSTEIN, Jean-François (2008) L’histoire des sciences: méthodes, styles et controverses.
[15] Para uma abordagem bastante completa sobre o assunto, ver: DOSSE, François (2012) La marche des idées: Histoire des intellectuels, histoire intellectuelle.
[16] REICHENBACH, Hans (1938) Experience and Prediction. An Analysis of the Foundations and the Structure of Knowledge, 1961.
[17] DORER, Maria (1932) Historische Grundlagen der Psychoanalyse. Uma tradução francesa desta obra fora publicada: DORER, Maria (2012) Les bases historiques de la psychanalyse.
[18] KARPINSKA, Louise von (1914) “Über die psychologischen Grundlagen des Freudismus”, pp. 305-326. De acordo com os editores da revista, o trabalho em questão havia sido apresentado no “Segundo Congresso Polonês de Neurologia, Psiquiatria e psicologia”, realizado na Cracóvia, em dezembro de 1912. O texto referente a esta comunicação será inicialmente publicado em polonês, em 1913, com o seguinte título Psychologiczne podstawy freudyzmu.
[19] MITTENZWEY, Kuno (1912-13-14) “Versuch zu einer Darstellung und Kritik der Freudschen Neurosenlehre”, pp. 164-186, 368-421, 640-700; 2, pp. 79-119, 181-239, 611-698; 3, pp. 128-152.
[20] JONES, Ernest (1955) Sigmund Freud Life and Work, Volume Two: Years of Maturity 1901-1919, p. 136.
[21] Tal desconhecimento se torna ainda mais misterioso ao considerarmos que os artigos de Mittenzwey foram publicados na revista Zeitschrift für Pathopsychologie, periódico editado na época em colaboração com filósofos renomados, como Henri Bergson e Pierre Janet.
[22] ANDERSSON, Ola (1962) Studies in the Prehistory of Psychoanalysis: The etiology of psychoneuroses and some related themes in Sigmund Freud’s scientific writings and letters, 1886-1896. Uma tradução francesa desta obra acompanhada de uma introdução crítica e de alguns anexos será publicada em: ANDERSSON, Ola (1997) Freud avant Freud, la préhistoire de la psychanalyse: 1886-1896. Uma tradução Brasileira da versão francesa da obra de Andersson, fora publicada mais recentemente pela editora Casa do Psicólogo com o título Freud precursor de Freud.
[23] Sobre o assunto, ver a “Présentation” de Elisabeth Roudinesco e Per Magnus Johansson em: ANDERSSON, Ola (1997) Freud avant Freud, la préhistoire de la psychanalyse: 1886-1896.
[24] BERNFELD, Siegfried (1944) “Freud’s Earliest Theories and the School of Helmholtz”, pp. 341-362. BERNFELD, Siegfried; BERNFELD, Suzanne Cassirer (1944) “Freud’s Early Childhood”, pp. 105-115. BERNFELD, Siegfried (1946) “An unknown autobiographical fragment by Freud”, pp. 3-19. BERNFELD, Siegfried (1949) “Freud’s Scientific Beginnings”, pp. 163-196. BERNFELD, Siegfried (1951) “Sigmund Freud, M. D., 1882-1885”, pp. 204-217. BERNFELD, Siegfried; BERNFELD, Suzanne Cassirer (1952) “Freud’s First Year in Practice, 1886-1887”, pp. 37-49. BERNFELD, Siegfried (1953) “Freud’s Studies on Cocaine, 1884-1887”, pp. 581-613.
[25] JONES, Ernest (1953-57) The life and work of Sigmund Freud, 444 p., 507 p., 521 p.
[26] ANDERSSON, Ola (1997) Freud avant Freud, la préhistoire de la psychanalyse: 1886-1896, p. 27.
[27] FREUD, Sigmund (1950) Aus den Anfängen der Psychoanalyse: Briefe an Wilhelm Fliess, Abhandlungen und Notizen aus den Jahren 1887-1902. Uma versão alemã completa desta correspondência seria editada mais de trinta anos mais tarde, em: FREUD, Sigmund (1986) Briefe an Wilhelm Fliess 1887-1904.
[28] FREUD, Ernst (1960) Briefe, 1873-1939. Uma segunda versão corrigida será publicada em 1968, e uma terceira em 1980, após a morte de seu editor, Ernst Freud (1892-1970).
[29] GICKLHORN, Josef; GICKLHORN, Renée (1960) Sigmund Freuds akademische Laufbahn im Lichte der Dokumente, 196 p.
[30] Encontramos essa correspondência em: ANDERSSON, Ola (1997) Freud avant Freud, la préhistoire de la psychanalyse: 1886-1896.
[31] PADOVAN, Caio; FRANCO, Wilson A. C. (2018) “Tradução e comentários à conferência de Freud sobre a Histeria masculina: uma contribuição à historiografia da psicanálise”, 2018.
[32] SULLOWAY, F. J. (1992) Freud, biologist of the mind: beyond the psychoanalytic legend, 1979, 612 p.
[33] ANDERSSON, Ola (1979) “A Supplement to Freud’s Case History of “Frau Emmy v.N.” in Studies on Hysteria 1895”, pp. 5-16.
[34] LEVIN, Kenneth (1978) Freud’s early psychology of the neuroses: a historical perspective.
[35] GEDO, John. et al. (1964) “Studies in Hysteria: A methodological Evaluation”, pp. 734-351. SADOW, Leo; GEDO, John. et al. (1967) “The Scientific Style of Breuer and Freud in the Origins of Psychoanalysis”, pp. 404-422. SADOW, Leo; GEDO, John et al. (1968) “The Process of Hypothesis Change in Three Early Psychoanalytic Concepts”, pp. 245-273.
[36] LEVIN, Kenneth (1978) Freud’s early psychology of the neuroses: a historical perspective. Pittsburgh: University of Pittsburgh press; p. 3.
[37] LEVIN, Kenneth (1978) Freud’s early psychology of the neuroses: a historical perspective, p. 257.
[38] Limitamo-nos aqui a citar o segundo volume de seu trabalho sobre os “fundamentos da clínica”, em BERCHERIE, Paul (1991) Histoire et structure du savoir psychiatrique: genèse des concepts freudiens.
[39] Sua principal contribuição neste sentido é, sem dúvida, a obra O inconsciente cerebral, infelizmente não traduzida para o português. Ver: GAUCHET, Marcel (1992) L’inconscient cérébral.
[40] MAY-TOLZMANN, Ulrike (1996) Freuds frühe klinische Theorie, 1894-1896: Wiederentdeckung und Rekonstruktion. Uma versão resumida deste trabalho será publicada três anos mais tarde em forma de artigo em: MAY, Ulrike (1999) “Freud’s Early Clinical Theory (1894-1896)”, pp. 769-781.
[41] RAPAPORT, David (1960) The structure of psychoanalytic theory: a systematizing attempt. Uma tradução brasileira desta obra foi publicada em 1982 pela editora Perspectiva com o título A estrutura da teoria psicanalítica.
[42] MAY, Ulrike (2015) Freud bei der Arbeit: zur Entstehungsgeschichte der psychoanalytischen Theorie und Praxis, mit einer Auswertung von Freuds Patientenkalender. Uma tradução inglesa desta obra foi publicada mais recentemente em MAY, Ulrike (2018) Freud at work: On the History of Psychoanalytic Theory and Practice, with an Analysis of Freud’s Patient.
[43] Trabalho iniciado em 2015. Ver a este respeito, a tradução comentada e acompanhada de notas do artigo de Otto Rank sobre o narcisismo, em: RANK, Otto (1911) “Uma contribuição sobre o narcisismo” assim como a tradução de um artigo de Wilhelm Stekel sobre a transferência, em: STECKEL, Wilhelm (1911) “As diferentes formas da transferência”. Lembramos ainda das traduções do artigo de Alfred Adler sobre a pulsão agressiva, em: ADLER, Alfred. (1908). “As expressões da pulsão agressiva na vida e na neurose”, e do artigo de Karl Abraham sobre as psicoses, em: ABRAHAM, Karl (1908) “As diferenças psicossexuais entre a Histeria e a Dementia praecox”.
[44] (2015). Atas da Sociedade Psicanalítica de Viena, vol. 1. Os primeiros psicanalistas, 1906-1908. As famosas reuniões de quarta-feira conduzidas por Sigmund Freud.
[45] FREUD, Sigmund (1914) “Zur Geschichte der psychoanalytischen Bewegung”, pp. 207-260.
[46] FREUD, Sigmund (1925) “Sigmund Freud”. In: L.G. GROTE (org.). Die Medizin der Gegenwart in Selbstdarstellungen, pp. 1-52.
[47] Para o original alemão da versão crítica, ver: FREUD, Sigmund (2013) “Jenseits des Lustprinzips: Kritische Edition von Ulrike May und Michael Schröter”, pp. 7-91. Para a tradução inglesa, ver: FREUD, Sigmund (2015) “Beyond the Pleasure Principle”, pp. 151-204. Neste mesmo volume, encontramos a tradução do prefácio de Michel Schröter e de um longo comentário de Ulrike May intitulado: O terceiro paço na teoria pulsional: sobre a gênese do Além do princípio do prazer. Artigo publicado originalmente em alemão, em: MAY, Ulrike (2013) “Der dritte Schritt in der Trieblehre”, pp. 92-169.
[48] COSENTINO, Juan Carlos (2012) Los manuscritos de El yo y el ello: Una relectura del Icc. Desde então, Cosentino tem se dedicado a investigações do mesmo gênero a partir do estudo de diferentes manuscritos de Freud. Encontramos um estudo clássico e pioneiro sobre os manuscritos em: GRUBRICH-SIMITIS, Ilse. (1997). Freud, retour aux manuscrits: faire parler des documents muets. Texto originalmente publicado em 1993, em alemão, com o título Zurück zu Freuds Texten, stumme Dokumente sprechen machen.
[49] A este respeito ver os artigos publicados em: SOUZA, Paulo César de (org.) (1990) Sigmund Freud e o Gabinete do Dr. Lacan.
[50] GRUBRICH-SIMITIS, Ilse (1981) “Siegfried Bernfeld: Historiker der Psychoanalyse und Freud-Biograph”, p. 397.
[51] A este respeito ver RANK, Otto (1911) “Bericht über die II. private Psychoanalytische Vereinigung in Nürnberg am 30. und 31. März 1910”, pp. 129-131. Mais tarde publicado em forma de texto em: FERENCZI, Sándor (1927) “Zur Organisation der psychoanalytischen Bewegung”, pp. 275-289. No primeiro volume da versão francesa de suas Œuvres complètes o texto aparece com o título: De l’histoire du mouvement psychanalytique, que será mantida na versão brasileira das Obras completas do mesmo autor.
[52] SIMANKE, Richard; CAROPRESO, Fátima (2017) Hagiografia e difamação na história da psicanálise: as duas faces do excepcionalismo, pp. 11-28.
[53] A título de exemplo, citamos MASSON, Jeffrey M. (1984) Freud: the assault of truth: Freud’s suppression of the seduction theory.
[54] Ver a este propósito: BORCH-JACOBSEN, Mikkel (2011) Les patients de Freud.
[55] MEYER, Catherine (org.) (2005) Le livre noir de la psychanalyse: vivre, penser et aller mieux sans Freud.
[56] Um interessante e provocativo ensaio sobre o assunto fora publicado recentemente pelo psicanalista Wilson Franco, onde o autor compara os grandes mestres da psicanálise a figuras fantásticas, dotadas de superpoderes. A este respeito, ver: FRANCO, Wilson A. C. (2018). “Marvels: superpsicanalistas, autores canônicos e reles mortais”.
[57] Documentos publicados no Blog Escritos avulsos: <https://escritosavulsos.com>.
[58] Projeto em andamento, cujos resultados parciais foram expostos no I Simpósio Internacional de História da Psicanálise na América Latina com o seguinte título: “Pioneiros das ideias de Lacan no Brasil”.
[59] Psychoanalytic Eletronic Publishing: <www.pep-web.org>.
[60] FREUD, Sigmund (1894) “Die Abwehr-Neuro-psychosen. Versuch einer psychologischen Theorie der acquirierten Hysterie, vieler Phobien und Zwangsvorstellungen und gewisser halluzinatorischer Psychosen”, pp. 362-364; pp. 402-409.
[61] FREUD, Sigmund (1900) Die Traumdeutung.
[62] FREUD, Sigmund (1912) “A Note on the Unconscious in Psycho-Analysis”, pp. 213-218.
[63] FREUD, Sigmund (1915) “Das Unbewußte”, pp. 189-203; pp. 257-269; pp. 189-193.
[64] Ver a edição crítica alemã da correspondência completa entre Freud e Fliess: FREUD, Sigmund (1986) Briefe an Wilhelm Fliess 1887-1904, p. 69-71.
[65] Do ponto de vista historiográfico, esta relação de pertencimento será explorada desde muito cedo por autores como: LEVIN, Israel (1923) The Unconscious, an Introduction to Freudian Psychology; passando por: WHITE, Lancelot Law. (1960). The unconscious before Freud; e mais recentemente com FFYTCHE, Matt. (2012) The Foundation of the Unconscious, Schelling, Freud and the Birth of the Modern Psyche. No que diz respeito a esta última, ver a introdução do autor intitulada “The historiography of the unconscious”.
[66] Ver a este respeito: LEIBNIZ, Gottfried Wilhelm (1898) Nouveaux essais sur l’entendement humain.
[67] KANT, Immanuel (1798) Anthropologie in pragmatischer Hinsicht, 1968. Ver em particular o parágrafo quinto da primeira parte, intitulado “Das representações que nós temos sem que sejamos conscientes delas”.
[68] CARUS, Carl Gustav (1831) Vorlesungen über Psychologie, gehalten im Winter 1829/30 zu Desden.
[69] HARTMANN, Eduard von (1869) Philosophie des Unbewussten.
[70] Sobre o assunto, ver: HEMECKER, Wilhelm W. (1991) Vor Freud: philosophiegeschlichtliche Voraussetzungen der Psychoanalyse.
[71] A este respeito, ver o número da revista Les Études philosophiques, 64(1), editado em 2003, dedicado ao tema “Brentano et son école”.
[72] BOEHLICH, Walter; FREUD, Ernst (1990) Lettres de jeunesse.
[73] Ver a carta datada do dia 13 de fevereiro de 1896.
[74] TAINE, Hippolyte (1870) De l’intelligence, 2 vol.
[75] Ver, principalmente, mas não apenas, a carta datada do dia 26 de agosto de 1898, onde encontramos a seguinte passagem: “impus a mim mesmo a tarefa de construir uma ponte entre minha metapsicologia embrionária e a que está contida na literatura especializada e, para tal, mergulhei no estudo de Lipps que suspeito ter a mente mais lúcida entre os filósofos da atualidade”.
[76] Originalmente publicado em: LIPPS, Theodor (1896) Der Begriff des Unbewussten in der Psychologie. Objeto de uma comunicação feita no III. Internationaler Congress für Psychologie in München. O presente artigo fora traduzido para o português em: LIPPS, Theodor (2001) “O conceito de inconsciente na psicologia”, pp. 335-356.
[77] FREUD, Sigmund (1900) Die Traumdeutung, pp. 364-365.
[78] No que diz respeito a Lipps, contamos atualmente em língua portuguesa com o artigo de LOPARIC, Zeljko (2001) “Theodor Lipps: uma fonte esquecida do paradigma freudiano”, pp. 315-331. Em língua inglesa, lembramos do trabalho de KANZER, Mark (1981) “Freud, Theodor Lipps, and “Scientific Psychology””, pp. 393-410. Mais recentemente, em língua francesa, dois números da Revue de métaphysique et de morale foram dedicados entre 2017 e 2018 aos trabalhos de Lipps. No segundo desses dossiers, encontramos o instrutivo e sugestivo artigo de GYEMANT, Maria (2018) “Lipps et Freud. Pour une psychologie dynamique de l’inconscient”, pp. 27-48.
[79] JANET, Pierre (1886) “Les actes inconscients et le dédoublement de la personnalité pendant le somnambulisme provoqué”, pp. 577-592, p. 587-8. Para um comentário a este respeito, ver: PADOVAN, Caio (2018) Les origines de la méthode psychanalytique.
[80] WUNDT, Wilhelm (1862) Beiträge zur Theorie der Sinneswahrnehmung.
[81] Referente ao contexto francês, ver: PLAS, Regine. “De la vivisection morale et intellectuelle: l’hypnotisme comme moyen d’investigation psychologique en France au XIXe siècle”, pp. 41-44.
[82] HELMHOLTZ, Hermann. von (1855) “Über das Sehen des Menschen”, H. von Helmholtz, Vorträge und Reden von Hermann von Helmholtz, vol. 1, 1903; pp. 85-117. Para um comentário sobre o artigo, ver: BOURIAU, Christophe; MÉTRAUX, Alexandre (2010) “Présentation de la traduction de “Sur le voir humain (1855)” Hermann von Helmholtz”, pp. 1-12.
[83] WUNDT, Wilhelm (1858) “Über den Gefühlssinn, mit besonderer Rücksicht auf dessen räumliche Wahrnehmungen”, pp. 229-293. Reimpresso em WUNDT, Wilhelm (1862) Beiträge zur Theorie der Sinneswahrnehmung, pp. 1-65.
[84] Para uma introdução à história do hipnotismo, ver: GAULD, Alan (1992) A history of hypnotism.
[85] BRAID, James (1843) Neurypnology; or the rationale of nervous sleep, considered in relation with animal magnetism. Illustrated by numerous case of its successful application in the relief and cure of disease.
[86] LIÉBEAULT, Amboise. A. (1866) Du Sommeil et des états analogues, considérés surtout au point de vue de l’action du moral sur le physique.
[87] CHARCOT, Jean-Martin (1882) “Sur les divers états nerveux déterminés par l’hypnotisation chez les hystériques”, pp. 403-405.
[88] CHARCOT, Jean-Martin (1885) Lezioni cliniche dellʹanno scolastico 1883-1884 sulle malattie del sistema nervoso. Segundo Jacques Gasser, “cette publication est la seule complète, agréée par Charcot, des cours de l’année 1883-1884″. A este propósito, ver GASSER, Jacques (1990) Jean-Martin Charcot (1825-1893) et le système nerveux. Étude de la motricité, du langage, de la mémoire et de l’hystérie à la fin du XIXe siècle, v. 3.
[89] A relação de filiação por nós afirmada pode ser atestada a partir da leitura de RIBOT, Theodule (1879) La psychologie allemande contemporaine (l’école expérimentale).
[90] RIBOT, Théodule (1883) Les maladies de la volonté.
[91] RIBOT, Théodule (1883) Les maladies de la volonté, p. 120.
[92] BEAUNIS, Henri-E (1886) Le somnambulisme provoqué, études physiologique et psychologique.
[93] BEAUNIS, Henri-E (1886) Le somnambulisme provoqué, études physiologique et psychologique, pp. 113-114.
[94] BEAUNIS, Henri-E (1886) Le somnambulisme provoqué, études physiologique et psychologique, p. 115.
[95] BEAUNIS, Henri-E (1886) Le somnambulisme provoqué, études physiologique et psychologique, pp. 116-142.
[96] BEAUNIS, Henri-E. (1886). Le somnambulisme provoqué, études physiologique et psychologique, p. 233. Na segunda edição desta mesma obra, publicada em 1887, o autor comenta outras experiências do mesmo tipo realizadas com intervalos ainda mais longos, como aquela feita Jules Liégeois, com 365 dias. Sobre o assunto, ver: BEAUNIS, Henri-E. (1887). Le somnambulisme provoqué, études physiologiques et psychologiques, p. 235.
[97] BERNHEIM, Hippolyte (1888) De la suggestion et de ses applications à la thérapeutique.
[98] BERNHEIM, Hippolyte (1888) De la suggestion et de ses applications à la thérapeutique, pp. 46-47
[99] Ver: BREUER, Josef; FREUD, Sigmund (1895) Studien über Hysterie, p. 55n.
[100] Ver: BREUER, Josef. FREUD, Sigmund (1895) Studien über Hysterie, p. 266.
[101] DELBŒUF, Joseph (1885) Le sommeil et les rêves considérés principalement dans leurs rapports avec les théories de la certitude et de la mémoire.
102] DELBŒUF, Joseph (1886b) “La mémoire chez les hypnotisés”, pp. 441-472.
[103] DELBŒUF, Joseph. (1887). “De la prétendue veille somnambulique”, p. 136.
[104] ROBERTS-JONES, Philippe. (1995). Le dictionnaire des peintres belges du XIVe siècle à nos jours : depuis les premiers maîtres des anciens Pays-Bas méridionaux et de la Principauté de Liège jusqu’aux artistes contemporains, 3 vol.
[105] DELBŒUF, Joseph. (1887). “De la prétendue veille somnambulique” p. 136.
[106] DELBŒUF, Joseph. (1887). “De la prétendue veille somnambulique”, p. 136.
[107] BREUER, Josef. FREUD, Sigmund. (1893b). “Über den psychischen Mechanismus hysterischer Phänomene”, pp. 33-35; pp. 49-51, e em: BREUER, Josef. FREUD, Sigmund. (1893c). “Über den psychischen Mechanismus hysterischer Phänomene”, pp. 4-10; pp. 43-47.
[108] BREUER, Josef; FREUD, Sigmund (1895) Studien über Hysterie, p. 4n.
[109] BREUER, Josef; FREUD, Sigmund (1895) Studien über Hysterie, p. 4n.
[110] DELBŒUF, Joseph (1888-9) “Le magnétisme animal. À propos d’une visite à l’École de Nancy”, pp. 241-259; pp. 286-408; pp. 5-33; pp. 286-324. Um ano mais tarde, estes quatro artigos serão republicados em: DELBŒUF, Joseph (1890) Le magnétisme animal. À propos d’une visite à l’École de Nancy. Utilizamos nesse artigo uma reedição recente do texto revista por Jacqueline Carroy e François Duyckaerts e publicada em: DELBŒUF, Joseph (1993) Le sommeil et le rêves et autres textes.
[111] DELBŒUF, Joseph. (1887). “De la prétendue veille somnambulique”, p. 136.
[112] Ver o segundo capítulo de BREUER, Josef; FREUD, Sigmund (1895) Studien über Hysterie. Uma transcrição das notas de Breuer sobre o caso fora publicada por HIRSCHMÜLLER, Albrecht (1978) Physiologie und Psychoanalyse in Leben und Werk Josef Breuers.
[113] No que diz respeito à confirmação da hipótese de Delboeuf, ver em particular: JANET, Pierre (1886) “Les actes inconscients et le dédoublement de la personnalité pendant le somnambulisme provoqué”, pp. 577-592.
[114] JANET, Pierre (1889) L’Automatisme psychologique. Essai de psychologie expérimentale sur les formes inférieures de l’activité humaine.
115] JANET, Pierre (1886) “Les actes inconscients et le dédoublement de la personnalité pendant le somnambulisme provoqué”, p. 586.
[116] JANET, Pierre (1887) “L’anesthésie systématique et la dissociation des phénomènes psychologiques”, pp. 449-472.
[117] JANET, Pierre (1888) “Les actes inconscients et la mémoire pendant le somnambulisme”, pp. 238-279.
[118] JANET, Pierre (1888) “Les actes inconscients et la mémoire pendant le somnambulisme”, p. 278.
[119] JANET, Pierre (1888) “Les actes inconscients et la mémoire pendant le somnambulisme”, Revue Philosophique de la France et de l’étranger, 25; p. 278.
[120] JANET, Pierre (1889) L’Automatisme psychologique. Essai de psychologie expérimentale sur les formes inférieures de l’activité humaine, p. 436.
[121] JANET, Pierre (1889) L’Automatisme psychologique. Essai de psychologie expérimentale sur les formes inférieures de l’activité humaine, p. 436-7.
[122] BOURRU, Henri; BUROT, Prosper-Ferdinand (1888) Variations de la personnalité.
[123] BOURRU, Henri; BUROT, Prosper-Ferdinand (1889) “Un cas de neurasthénie hystérique avec double personnalité”, pp. 228-240.
[124] BOURRU, Henri; BUROT, Prosper-Ferdinand (1889) “Un cas de neurasthénie hystérique avec double personnalité”, p. 311.
[125] BOURRU, Henri; BUROT, Prosper-Ferdinand (1889) “Un cas de neurasthénie hystérique avec double personnalité”, p. 231.
[126] BOURRU, Henri; BUROT, Prosper-Ferdinand (1889) “Un cas de neurasthénie hystérique avec double personnalité”, p. 237.
[127] BOURRU, Henri; BUROT, Prosper-Ferdinand (1889) “Un cas de neurasthénie hystérique avec double personnalité”, p. 239.
[128] BOURRU, Henri; BUROT, Prosper-Ferdinand (1889) “Un cas de neurasthénie hystérique avec double personnalité”, p. 314.
[129] FREUD, Sigmund (1888) “Hysterie”, Handwörterbuch der gesamten Medizin, p. 892.
[130] FREUD, Sigmund. (1888). “Hysterie”, Handwörterbuch der gesamten Medizin, p. 892.
[131] A este respeito, ver: GICKLHORN, Josef; GICKLHORN, Renée (1960) Sigmund Freuds akademische Laufbahn im Lichte der Dokumente.
[132] Pouco conhecidas e referenciadas, as cartas trocadas entre Freud e Charcot foram publicadas junto a comentário e notas em: MIJOLLA, Alain. de (1988). “Les lettres de Jean-Martin Charcot à Sigmund Freud (1886-1893) : le crépuscule d’un dieu”, pp. 703-725
[133] A este respeito, ver a notícia oficial da conferência em: (1886). “Protokoll der Sitzung vom 15. October 1886”, pp. 149-151. Uma tradução brasileira deste documento, acompanhada de notas e de um longo comentário, ver: PADOVAN, Caio; FRANCO, Wilson A. C. (2018) “Tradução e comentários à conferência de Freud sobre a Histeria masculina: uma contribuição à historiografia da psicanálise”.
[134] FREUD, Sigmund. (1886a). “Beobachtung einer hochgradigen Hemianästhesie bei einem hysterischen Manne”, pp. 1633-1638.
[135] Ver a introdução de Freud em: BERNHEIM, Hippolyte. (1889). Die Suggestion und ihre Heilwirkung, 414 p.
[136] A este respeito, ver: FICHTNER, Gerhard. (2007). “Von der »Psychischen Behandlung« zur Psychoanalyse. Zur Fehldatierung eines frühen Freud-Textes und zu dessen bisher übersehener Erweiterung (mit Abdruck) ”, pp. 122-141. Uma tradução francesa desse importante artigo histórico será publicada em: FICHTNER, Gerhard. (2010). Du « traitement psychique » à la psychanalyse. À propos de l’erreur de datation de l’un des premiers textes de Freud et d’un ajout à celui-ci jusque-là négligé (reproduit ici en annexe), 74, pp. 369-388.
[137] Temos notícia desta conferência a partir da resenha anônima publicada em: (1892). “Ueber Hypnose und Suggestion”; pp. 814-818; pp. 853-856.
[138] FREUD, Sigmund. (1892-93) “Ein Fall von hypnotischer Heilung nebst Bemerkungen über die Entstehung hysterischer Symptome durch den „Gegenwillen“”, pp. 102-107; pp. 123-129.
[139] FREUD, Sigmund (1893a) “Quelques considérations pour une étude comparative des paralysies motrices organiques et hystériques”, pp. 29-44.
[140] BREUER, Josef; FREUD, Sigmund (1895) Studien über Hysterie.
[141] JANET, Pierre (1892a) “L’anesthésie hystérique; conférence faite à la Salpêtrière le vendredi 11 mars 1892”, pp. 323-352; JANET, Pierre. (1892b). “L’anesthésie hystérique ; 2e conférence faite à la Salpêtrière le vendredi 17 mars 1892”, pp. 29-55.
[142] JANET, Pierre (1892c) “La suggestion chez les hystériques ; 3e conférence faite à la Salpêtrière le vendredi 1 avril 1892”, pp. 448-470.
[143] FREUD, Sigmund (1893a) “Quelques considérations pour une étude comparative des paralysies motrices organiques et hystériques”, p. 41-42.
[144] FREUD, Sigmund (1893a) “Quelques considérations pour une étude comparative des paralysies motrices organiques et hystériques”, p. 41-42.
[145] FREUD, Sigmund (1893a) “Quelques considérations pour une étude comparative des paralysies motrices organiques et hystériques”, p. 41-42.
[146] FREUD, Sigmund (1893a) “Quelques considérations pour une étude comparative des paralysies motrices organiques et hystériques”, p. 41-42.
[147] FREUD, Sigmund (1893a) “Quelques considérations pour une étude comparative des paralysies motrices organiques et hystériques”, p. 41-42.
[148] FREUD, Sigmund (1893a) “Quelques considérations pour une étude comparative des paralysies motrices organiques et hystériques”, p. 41-42.
[149] FREUD, Sigmund (1893a) “Quelques considérations pour une étude comparative des paralysies motrices organiques et hystériques”, p. 41-42.
[150] FREUD, Sigmund (1893a) “Quelques considérations pour une étude comparative des paralysies motrices organiques et hystériques”, p. 41-42.
[151] BINET, Alfred (1892) Les altérations de la personnalité.
[152] HELMHOLTZ, Hermann von (1847) Über die Erhaltung der Kraft, eine physikalische Abhandlung, vorgetragen in der Sitzung der physikalischen Gesellschaft zu Berlin am 23sten Juli 1847.
[153] DU BOIS-REYMOND, Emil (1848-49) Untersuchungen über thierische Elektrizität, 2 vol.
[154] BAIN, Alexander (1855) The senses and the intellect.
[155] FECHNER, Theodor (1873) Einige Ideen zur Schöpfungs- und Entwickelungsgeschichte der Organismen.
COMO CITAR ESTE ARTIGO | PADOVAN, Caio (2020) Introdução à análise empírico-conceitual como método de investigação em história da psicanálise. Lacuna: uma revista de psicanálise, São Paulo, n. -9, p. 8, 2020. Disponível em: <https://revistalacuna.com/2021/07/01/n-9-08/>.