Trata-se de cultura? Epistemolinguagem, clínica e política

por Clarice Pimentel Paulon & José Francisco Miguel Henriques Bairrão

Toda linguagem é epistêmica. Nossa linguagem deve contribuir para o entendimento da nossa realidade

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Asante apud Gonzalez, A categoria político-cultural de amefricanidade.

Iniciamos este ensaio[1] clínico-político a partir dessa citação encontrada em Lélia Gonzalez no texto: “A categoria político-cultural de amefricanidade”. Texto em que a autora, em sua condição de antropóloga e psicanalista, propõe amefricanidade como um conceito que, quando operacionalizado, é capaz de trazer à tona, via linguagem, traços mnemônicos que estão decalcados na cultura, que podem ser evidenciados por uma breve análise de discurso que observe a construção dos sentidos em um enunciado, ressaltando suas articulações à história. É a partir do recalque da africanidade enquanto marca fundante na cultura brasileira (e latina) que se supõe sua fundação originária no homem branco, espelhado à sociedade europeia. O povo brasileiro e latino guarda em sua constituição através do recalque como mecanismo principal, o seu passado como oprimido, suturando-o com a identificação ao opressor, colonizador, o que é evidenciado na forma como lidamos, por exemplo, com os povos originários no Brasil (não entendidos como cidadãos, no campo da lei até os dias de hoje) e com a diversidade da cultura africana em solo brasileiro, que se enraizou, sem, no entanto, ser legitimada como tal, apresentando-se como polos de resistência aos primitivos funcionamentos coloniais, calcados no imaginário popular brasileiro.

O conteúdo recalcado, do passado de opressão e violência que constitui a subjetividade do brasileiro, no entanto, emerge na cultura através de alguns índices, sendo um deles o racismo estrutural, negritado neste e em diversos outros textos de Lélia. A amefricanidade, portanto, seria uma forma de retomar esse conteúdo na linguagem, fazendo com que esse recalcado possa operar de outra forma e, então, produzir novos efeitos no campo relacional dos povos latinos. Nesse sentido, quando a autora afirma que (1) toda linguagem é epistêmica e (2) a linguagem deve contribuir para o entendimento da nossa realidade, isso significa que toda a linguagem cria um campo semântico que produz laço social e que seria desejável, nesse campo de estudo, que se apresentasse a composição dessa realidade, dando mostras de seu funcionamento: o que evidencia, e o que esconde, o que lembra e o que esquece, quais os decalques culturais que constituem um povo e o que o localiza como unidade. Assim, Gonzalez deixa marcado que a epistemologia é um campo atravessado pela ideologia e pelo inconsciente e que se conforma como unidade a partir do apagamento e da exclusão de determinados traços que se constituem como sintomas dentro de determinada cultura. Afirma a autora:

Trata-se de um olhar novo e criativo no enfoque da formação histórico-cutural do Brasil, que, por razões de ordem geográfica, e, sobretudo, da ordem do inconsciente, não vem a ser o que geralmente se afirma: um país cujas formações do inconsciente são exclusivamente européias, brancas. Ao contrário, ele é uma América Africana, cuja latinidade, por inexistente, teve trocado o “t” pelo “d, para, aí sim, ter o seu nome assumido com todas as letras: Améfrica Ladina […].[2]

Razões de ordem geográfica e inconsciente enuncia, Lélia. Eis uma bela forma de dizer da localidade e da historiografia que a noção de inconsciente não pode prescindir. O inconsciente é atemporal. Uma outra cena. O que não significa que não seja cadenciado, ritmado e marcado pela materialidade histórica que nos subjetiva. Não são os sintomas, formações de compromisso constituídas pela singularização que realizamos nosso laço social? Quando falamos, então, de epistemologia, estamos falando das condições de produção que foram necessárias para constituir certos paradigmas, certos operadores de leitura e determinados usos de alguns pressupostos teóricos. Falar de epistemologia, portanto, é falar de política. E, no caso da psicanálise, falar de política pode nos levar a falar de clínica, dado que nela, trabalhamos com as significações e construções de sentido possíveis a partir de determinada materialidade histórica, abrindo possibilidades de ressignificação e retificação subjetiva pelo reconhecimento e narrativização dos sintomas que escutamos. Por isso, optamos aqui por nomear esse texto um ensaio clínico-político evidenciando assim, pela nomeação, o duplo estatuto da transmissão de um caso clínico. Isso significa: (1) pensar a psicanálise e sua transmissão no campo da ética; (2) extrair da prática clínica operadores de leitura que sustentam sua articulação à determinada cultura, podendo, tal prática, ser um índice importante de análise da cultura e contribuir para sua transformação.

Vamos então, aos efeitos geográficos e inconscientes que podemos extrair desses encontros entre psicanálise e cultura. Tema amplo, genérico e ambíguo, já que o termo cultura nos remete a diversos significados. Aqui, o tema será recortado por uma experiência clínica que nos trouxe algumas indagações referentes à constituição subjetiva e que mostraram, à época do atendimento, que somos constituídos de carne histórica e que esta constituição está atravessada por apagamentos e sobreposições, muitas vezes relacionados a construções ideológicas hegemônicas. Através desse atendimento pensamos o inconsciente separado do psíquico e constituído de uma materialidade simbólica e temporal, sendo o sujeito, ora agente, ora narrado, ora excluído nas histórias contadas ao analista.

A partir dessa perspectiva de que o inconsciente se escreve lógica e temporalmente por uma materialidade histórica e simbólica que pode ser compreendida genericamente como cultura, concepção esta já elucidada por Bairrão[3], é necessário questionarmo-nos sobre a forma como o termo cultura é empregado usualmente e quais os efeitos desse uso. Alguns enunciados que podem ser norteadores do emprego do termo cultura a partir de referenciais hegemônicos seriam: “Fulano não tem cultura”; “Tal cultura é pobre/rica”. O primeiro enunciado colocaria a cultura como algo que pode ou não ser obtido, mediante as referências de seu interlocutor. Já o segundo enunciado qualificaria uma ou outra cultura como rica ou pobre, também de acordo com o referencial do interlocutor. Em ambos os casos, a cultura é vista como um bem adquirido e qualificável a partir de alguns critérios estabelecidos. Vemos neles que a cultura não é parte do sujeito, ou participante de sua constituição, mas, sim, um bem adquirido.

No entanto, veremos a partir do caso, que a cultura enquanto materialidade histórica e simbólica dos sujeitos, realizada em qualquer atividade humana, sustenta suas narrativas e significa suas modalidades de significação. Esta perspectiva posiciona a cultura como uma materialidade capaz de transformação subjetiva, já que constrói a relação do sujeito com sua origem. A cultura seria o material capaz de guardar as questões do sujeito, podendo encarná-lo em ser.

Neste sentido, poderíamos nos questionar como psicanalistas: do que tratamos, trata-se de cultura? Invertendo especularmente a questão, teríamos: a cultura cura? Estas questões direcionarão as hipóteses diagnósticas sobre o caso clínico, apontando para possíveis modos de organização subjetiva a partir de uma radicalidade no corpo – o recebimento de um órgão – que desaguou em um encontro com a cultura em sua máxima alteridade, produzindo possíveis efeitos curativos.

O caso, atendido por mim em uma unidade de transplante de fígado, traz traços do que Freud trabalhou no texto “O incômodo”[4]  e do encontro com a alteridade radical no corpo que proporcionaram um reencontro com a historicidade (e a memória ancestral). A lembrança de histórias fundadoras a partir da experiência radical de uma mudança corporal produziu transformações subjetivas que logo foram estranhadas, no entanto, de um modo familiar: o avô, suas histórias e suas crenças familiares. No entanto, ao deixar-se de estranhar, ao tornar-se entranha, a lembrança apagou-se, até o momento em que foi possível escutá-lo, sem deixar traços. Haveria marcas do invisível? Quais seriam seus efeitos?

Do órgão à carne

A história aqui contada aconteceu em uma unidade de transplante de fígado de um hospital de clínicas. A unidade era rigidamente estruturada, devido às próprias necessidades do tratamento: isolamento parcial ou total dos pacientes devido ao pós ou pré operatório de transplantes, o que significava, por exemplo, visitas muito restritas de familiares e demais contatos externos. Além da enfermaria coletiva, havia quartos individuais para os recém transplantados que, por conta dos imunossupressores e demais condições do pós-operatório, tinham imunidade muito baixa e precisavam se manter isolados por um período de aproximadamente duas semanas, para evitar possíveis contaminações. Os imunossupressores são administrados para que o corpo não rejeite o órgão recém implantado, tomando-o como um corpo estranho. São decisivos para o sucesso do transplante, o que significa a adequação do transplantado ao seu novo órgão, tomando-o como parte de si.

Foi ali que apareceu Erasto, um senhor que tinha por volta dos 68 anos de idade, recém transplantado Ele deu entrada no hospital apenas para realizar o procedimento, dado que ao longo do ano não havia tido intercorrências que necessitassem de internação. Ao final do pós-operatório foi para casa, sendo acompanhado mensalmente pela equipe de saúde no ambulatório.

Erasto, então, este jovem senhor, estava recém transplantado em um desses quartos individuais. Foi um dos últimos pacientes mencionados pela enfermeira ao ‘passar o plantão’, dizendo dos pacientes da enfermaria geral e das questões da equipe com alguns casos. Quando fala sobre Erasto, diz que está muito calmo, “parece outra pessoa, era muito nervoso e impulsivo no ambulatório”. Apesar de sua tranquilidade, o que acalmava a enfermeira – e não produzia questões na equipe – ela pediu que Erasto fosse escutado. “Ele está com uma fala organizada, mas que me parece delirante. Porém lúcido. Não sei se é o caso de medicá-lo.”

É comum esse tipo de evento acontecer em uma unidade de transplante. Muitos recém transplantados sonham e desenvolvem, em uma espécie de sonhos diurnos[5], longas narrativas sobre o órgão que receberam: de quem era, do que essa pessoa gostava, que sonhos tinha, como era sua família. É parte da incorporação desse órgão à história daquele corpo. Seria isso que se passava com Erasto?

Do corpo que fala: minhas lembranças em um corpo estranho

No quarto, um senhor negro, alto e magro. Ele estava sentado em um banco de madeira próximo a janela. Me olha de um jeito sereno e diz: “Foi você. Você me trouxe esse órgão.” Olho para ele sorrindo e apalpo o lado direito da minha barriga: “Mas, o meu tá aqui! De onde é que eu tirei esse?” Ele sorri e me diz: “Você me trouxe falar dele”. Sento no banco a sua frente e espero que ele comece.

Erasto fala sobre histórias de sua família. Diz de alguns momentos de sua infância, da vida com seus avós, dos almoços aos finais de semana. Tudo em um tom sereno e poético. Parecia-me um senhor que conta histórias aos netos sobre seus antepassados. Fala disso tudo sem nenhum esforço de memória, como se elas se apresentassem a ele naturalmente. Em alguns momentos traz um pouco de fantasia às suas histórias, talvez a palavra certa aqui seja encantamento. Mas não as confunde com a realidade. Estas fantasias, que ele próprio nomeia como contos, são histórias que seu avô, segundo Erasto, um negro, alto, forte, muito parecido com ele e filho de escravos libertos contava quando Erasto era criança, debaixo de uma mangueira. Estes contos, segundo ele, há muito tempo esquecidos, retornavam no pós-operatório construindo uma direção, um sentido. Erasto diz que era como se o órgão, ao fazer parte dele sem fazê-lo, ainda era um estranho, lhe lembrasse suas próprias memórias e o fizesse saber que não é só de carne que é feito, mas dos contos de seu avô. Histórias sobre Aruanda, Orum, orixás e encantantes circulavam pelas nossas conversas.

O conto abaixo, narrado por ele, diz das marcas no corpo para constituir história.

Das marcas da história em um corpo reconstruído

Era uma vez em Aruanda. Era assim que meu avô começava suas histórias. Ele me dizia que Aruanda era banhada por águas claras, cristalinas, não eram doces ou salgadas, era uma água que poderia ser habitada por todo o tipo de vida. Eram águas que circundavam todas as tribos e que alimentavam todos os homens. Tudo era provido por elas, até mesmo o tempo. Homens e mulheres diariamente se banhavam nelas para que pudessem, assim, saber sobre o seu tempo, o tempo em Aruanda marca o tempo na Terra.

Os homens, para medir o tempo, utilizavam-se do leito desse rio. Ele, cheio de pedras das mais diversas formas, marcava nos pés daqueles que se banhavam, a sua idade e experiência. Quanto mais profundas as marcas, mais idade. Mas, quanto mais marcas em áreas distintas do pé, mais experiência. As marcas da idade e da experiência são diferentes. As pessoas com mais experiência já adentraram em diferentes pontos das águas e circularam por diferentes tribos. Isso dá a elas sabedoria. Já a idade, marcada pela profundidade das marcas nos pés são marcadores do dia a dia, nos mostram quanto tempo já temos na vida. Ter marcas muito profundas, mas não muito diferentes significa não ter contado com os diferentes tempos que temos, e não ter vivido pra além do que nos disseram ser. Meu avô dizia que estas marcas, invisíveis à olhos nus, poderiam nos conduziam à novas experiências e contar nossas histórias.

Essa história encerrou nossos encontros. Após, Erasto diz não ter mais nada a dizer. Poderá ir em paz com seu fígado, conseguir novas marcas em seus pés. Fica combinado acompanhá-lo no ambulatório, quando retornasse para as consultas médicas.

O retorno e as marcas a esquecer

No mês seguinte, Erasto está no ambulatório e nos encontramos. Após a consulta com o médico, está em uma sala multidisciplinar. Me olha como se me desconhecesse. Será que não me reconhecia? Me apresento e ele diz: “sim, sim, a doutora psicóloga que me acompanhou lá em cima” – referindo-se à unidade de transplante de fígado.

Pergunto como ele se sentia. Erasto me responde como se respondesse ao médico. Me fala sobre os imunossupressores, sobre sua adequação alimentar, sobre suas noites de sono. Escuto, afirmando que os médicos, com quem ele já havia conversado, possivelmente deram indicativos sobre essas questões, estando ela, portanto resolvida. Pergunto sobre a família, os afetos, os filhos de quem falava. Todas as respostas de Erasto eram diretas e sem muito desenvolvimento. Faço uma última tentativa lembrando-lhe de Aruanda e do avô, que contava a ele essas histórias. Qual a minha surpresa quando escuto como resposta: “Aruanda? Do que a senhora está falando? Eu sou evangélico”.

Seguem essa e outras sessões com Erasto. Nunca mais ele se lembrou do que disse, ao invés disso só repetia constantemente sua crença e falava sobre a Igreja Evangélica, quando eu tentava retomar alguma questão que havia aparecido no pós-operatório. As lembranças, que aparentemente haviam surgido no pós-operatório, pareciam ter sido suprimidas, não constando mais no seu dizer, que não fosse pela negação. No entanto, Erasto diz recordar-se de uma sensação de paz no pós-operatório, que possibilitou sua tranquilidade durante o processo já que se considera uma pessoa “muito nervosa”. “Tinha uma calma em que eu estava imerso, aqui”.

Da alteridade a historicidade: o reencontro pelo outro

Quando Erasto recebeu o fígado de um doador, este fato fez acontecimento[6], o que significa que constituiu um instante de encontro com a alteridade, que ressignificou sua relação com a história e a memória ancestral. Erasto pensou, inicialmente, que este novo órgão trazia ‘restos’ com ele, no entanto, diferentemente de outros casos acompanhados na unidade, estes ‘restos’ eram compreendidos como pertencentes a ele e sua história, sendo resgatados pelo órgão. Não eram compreendidos, como usualmente ouvia, como pertencentes ao doador do órgão, representando algo totalmente separado do ser. Nesta perspectiva, podemos compreender esse resgate a partir do que é afirmado por Bairrão sobre cultura e constituição subjetiva: “[os meios de audição do inconsciente] dependem muito da incidência viva dos restos do morto, da cultura genericamente entendida como experiência social e legado de gerações passadas […]”[7]. As incidências vivas destes restos puderam surgir com o transplante, que o remete a sua relação com seus ancestrais, presentificados pelo avô e suas histórias. Vemos em Erasto o surgimento de traços culturais que, possivelmente, estavam enterrados nele, sucumbidos por outras construções culturais, apresentadas aqui a partir de sua relação com a Igreja Evangélica.

Quando pôde falar sobre o órgão, passou a relatar algumas experiências suas, às quais, compreendi posteriormente, não se encontravam acessíveis à lembrança e foram apagadas assim que Erasto se habituou ao seu corpo, novamente (talvez, neutralizando-o): no ambulatório ele dizia que não se recordava de muitas partes da internação pós-cirúrgica, mas que lembrava de uma boa sensação durante este processo. Pareceu-me, entretanto, minimamente incomodado quando recordado de algumas lembranças que escutei durante seu pós-cirúrgico, recusando-as por não estarem de acordo com sua religião.

Freud em “O incômodo” afirma que “o incômodo é sempre algo que não se sabe abordar”[8]. Alguns de seus significados apontam para “uma coisa que deveria permanecer oculta e que veio a luz”[9]. Este é sempre apreendido por algo que diz de alguma familiaridade, a presença de um duplo, ou alguma repetição desconcertante.  Esse aspecto do duplo é abordado por Freud da seguinte maneira:

[a duplicidade] ou é marcada pelo fato de que o sujeito identifica-se com outra pessoa, de tal forma que fica em dúvida sobre quem é o seu eu (self), ou substitui o seu próprio eu (self) por um incômodo. Em outras palavras, há uma duplicação, divisão e intercâmbio do eu (self).[10]

Como afirma o autor, há uma duplicação, um intercâmbio ou uma divisão do Eu que, naquele momento, é vista como algo estranho. Esta divisão do Eu aponta para um momento em que algo é desvelado, algo que deveria permanecer oculto, se associarmos à significação explanada por Freud mais acima, em seu texto.

Podemos supor que, quando Erasto recebe o órgão, algo dessa alteridade radical – um corpo estranho ao seu corpo – o vincula a aspectos de sua história que estavam suprimidos, ocultos sob a sutura de uma religião que se distingue das de seus ancestrais: o candomblé, ou a umbanda[11]. A presença deste corpo estranho apontou para sua divisão constitutiva e isto permitiu que ele pudesse falar de sua história e ancestralidade a partir de um outro lugar, ou seja: não reconhecendo como sua, mas, como pertencente a um outro, advinda a partir da intrusão de algo estranho e incômodo em seu corpo. O incômodo é, como afirma Freud[12], a realização, no corpo, de uma divisão, de algo que foi omitido na constituição subjetiva e que retorna na concretude de um corpo estranho ao seu. Esse incômodo, no entanto, é apreendido por Erasto como familiar, em um primeiro momento, e que o acolhe, apresentando uma relação de reconhecimento, é desconhecida ao término do pós-operatório.

Erasto diz de sua religião como única e soberana, demonstrando, quando perguntado sobre as histórias que contou no pós-cirúrgico, que não acreditava em outras “divindades” que, inclusive, eram ofensivas a sua religião. Esta pareceu realizar um movimento de corte de Erasto com sua ancestralidade e, ao mesmo tempo, sutura deste corte, apagando possíveis interpretações de Erasto que pudessem ser mais verdadeiras a ele.

Nesse sentido, o fígado trouxe a Erasto a possibilidade de reconciliar-se com sua história em alguma instância. No entanto, após algum tempo, ele já estava habituado ao órgão, o que parece ter tido efeito de apagamento sobre essa alteridade que constitui sua subjetividade. No Candomblé, diz-se que os orixás constituem a natureza através do encantamento. Encantam os elementos naturais e culturais, tornando-os divinos. Um dos primeiros e mais importantes orixás é Ori, o orixá que possibilita a singularidade do indivíduo e seu contato com a alteridade. Ori é a cabeça. Nada é feito sem a abertura e permissão de Ori. Diz-se também que quando uma pessoa está em transe, acompanhada de seu orixá, está, ao mesmo tempo, em um momento de maior solitude e de experiência coletiva, emprestando seu corpo à comunidade a partir do seu sono, termo utilizado no Candomblé para falar do momento do transe. Poderíamos, talvez, elucubrar aqui, que Erasto estava em estado de sono, seu Ori possibilitando o contato com sua história, em um lugar de máxima alteridade singularizada. Não teríamos aí uma releitura do incômodo freudiano?

Este reencontro visceral só foi possível através de uma escuta implicada psicanaliticamente, ou seja, uma escuta que estivesse atenta aos traços singulares que fazem o sujeito e seu corpo, o que se distingue de uma escuta orientada por princípios médicos que tende a uma investigação para apreciar os possíveis desvios ou anormalidades presentes quer no organismo, quer no discurso do paciente. É nesse sentido que podemos afirmar que, ao se tratar de psicanálise e cultura:

O ofício psicanalítico será reconcebido como a perseguição das pistas materiais e públicas que permitam inferir (ouvir) a produção de sentidos reveladores de um sujeito, não transparente, correlativo de um objeto, desconhecido, por um procedimento de natureza assumidamente semiótica, sem a necessidade de recorrer a noções “impróprias” como “representação inconsciente”. [13]

Deste modo, podemos observar que os traços constitutivos, as marcas do sujeito, são encarnadas através de arcabouços culturais, de construções simbólicas compartilhadas que fazem peso ao ser, que o sustentam e apresentam-se em situações limite, como uma forma de acolhê-lo e confortá-lo, como no caso de Erasto. Sua ancestralidade acolheu-o em sua cirurgia, possibilitando que sua adaptação ao novo órgão ocorresse da maneira mais branda possível. A cultura permanece em sua lembrança da sensação de paz e tranquilidade, relativas ao pós-operatório.

Para tanto, foi necessário que Erasto fosse ouvido em sua construção narrativa e em sua recordação dos contos do avô. A narração, segundo Butler[14] permite justamente este movimento: que o sujeito possa narrar-se é consequência de ter em sua origem uma opacidade a qual, constantemente é sentida e possibilita uma reconstrução do sentido e da subjetividade. É nesse sentido que a filósofa, assim como afirma Dunker[15], assume uma posição de transversalidade quanto às narrativas escutadas. É só a partir dessa concepção que é possível exercer a radicalidade da função da psicanalista, assumindo-a como alteridade: uma caixa acústica que ecoa os sentidos apreendidos do sujeito e retorna-os a ele, e, especificamente no caso contado, para sua apropriação cultural.

A radicalidade em exercício nesse tipo de escuta atenta aos enlaces culturais só é possível quando compreendemos a ontologia negativa e não objetivável do estatuto da linguagem. Uma das várias concepções de língua encontradas em Lacan e que podem compor com essa perspectiva está em “O aturdito”: “Uma língua entre outras, não é nada além da integral dos equívocos que sua história deixou persistirem nela”[16], ou seja: a língua, articulada pulsionalmente, apresenta-se como um conjunto de relações espaço-temporais entre enunciado e enunciação que são atravessadas pela experiência narrativa e por ela, temporalizadas[17]: geograficamente inconscientes

O campo da linguagem, portanto, tendo a língua como matéria fundadora, articularia discurso (laço social), história e desejo através da persistência de seus equívocos: apagamentos, re-inscrições, marcas de opressão e resistências, constituindo assim um caldo heterogêneo de seus usos, sua distribuição e sua legitimação no campo social e subjetivo, demarcando espaços possíveis de circulação atrelados às condições de classe, gênero e raça

Nesse sentido, pensar a epistemologia no campo da linguagem significaria localizá-la em suas condições de produção, entendendo-a como um campo heterogêneo de conflitos ao evidenciar que suas práticas são também realizadas a partir de disputas de poder. O papel de um epistemólogo, de um etnólogo e de um analista, nessa perspectiva, se misturam e apresentam uma solução de compromisso através da política enquanto práxis: apresentar as epistemologias, os modos de leitura e interpretação de um povo a partir do hemisfério sul, ou seja, no nosso caso, a partir de nossas próprias referências, entendendo a forma como endossamos ou não outros operadores de leitura, é posicionar-se por uma interpretação não subalternizada, que não reifique a posição de colonizado que favoreceria o decalque tão explicitado por Lélia em seu conceito de amefricanidade. Por uma epistemologia latina, não subtraída de propostas europeias, mas, suplementares às nossas diferenças: escutemos nossas brasilidades.

Do outro lado do espelho, o duplo deste caso se apresenta, alguns anos após esse encontro clínico. Vejo no jornal uma matéria sobre o combate à intolerância religiosa. A matéria, do jornal El País, apresentou o título: Para quem tolera, acarajé [18]. Tratava-se da exposição de um debate entre a prefeitura de Salvador e as baianas evangélicas, que há muito vendiam seus acarajés nas ruas e que pediam à prefeitura a mudança do nome do famoso bolinho de feijão fradinho, rebatizando-o de “bolinho de Jesus”. Seriam essas suturas e sobreposições culturais desfeitas através de uma significância visceral?

Carne histórica e significância visceral

Trata-se de cultura? A cultura é tratável? Pode produzir-se como sujeito de uma psicanálise?

A indagação intencionalmente ambígua que intitula o ensaio resume de forma concisa o complexo de questões envolvidas na experiência clínica relatada, possíveis modos de organização subjetiva a partir de uma radicalidade no corpo – o recebimento de um órgão – que desaguou em um encontro com a cultura em sua máxima alteridade, produzindo possíveis efeitos curativos, a diversos títulos é excepcional, não por se ater a algo supostamente episódico e marginal à rotina e às circunstâncias em que a escuta analítica habitualmente sói acontecer (um meio hospitalar e não um consultório particular), mas pelo modo econômico como permite situar o âmago do fazer analítico mediante alguns pontos cruciais do seu mister que nem sempre surgem ou se formulam com a clareza que lhes seria devida. Nomeadamente os trânsitos entre psicanálise e cultura, suas implicações do ponto de vista da constituição subjetiva, a discriminação entre psíquico e inconsciente; o cunho temporal e multifacetado do sujeito, a irredutibilidade dos operadores psicanalíticos a um sistema de significados definitivamente bem estabelecidos e o mais que provável colapso de fronteiras bem definidas entre regiões do ser tão confortáveis e bem definidas no “nosso” mundo como “biológico” e “simbólico” e contra o qual a psicanálise costuma se defender mediante a subordinação e adaptação do seu vocabulário a usos psicológicos ou biomédicos contemporâneos.

Historicamente a víscera em pauta, é sabido, durante séculos foi um dos suportes da teoria dos quatro humores (fleumático, sanguíneo, melancólico e colérico) sendo atribuída ao predomínio da sua bílis a responsabilidade pelo derradeiro. É, pois bastante apropriado falar a seu respeito de “carne histórica”, que mais não seja pelo reconhecimento de que, pelo menos numa perspectiva temporal, nem sempre o significante se reduziu ao verbal e que o visceral pode ser significante, não apenas metaforicamente, mas ao pé da carne.

O estado “alterado” em que se encontra o paciente de transplante que passou por uma cirurgia de retirada e substituição de um órgão vital, substituindo o seu, que o conduziria à morte, por um de um morto que lhe prolonga a vida, de certo modo, por um interregno de tempo, lhe permite abdicar das suas configurações egóicas “maduras” e lhe possibilitou um estado regredido de encontro e conforto com a presença do avô, na forma da memória das histórias que este lhe narrara.

O caso clínico, na tradição da melhor literatura clínica psicanalítica, que desde Freud sublinha os impasses, as perguntas e eventualmente os fracassos, e não autogratificação narcísica com os sucessos para efeito de autopropaganda narcísica, descreve o evento minuciosa e delicadamente, alinhavando subsídios disponíveis na literatura para o pensá-lo clinicamente, mas principalmente aproveitando o ensejo para refletir a fronteira entre o orgânico e o cultural e, de permeio a isso o sujeito e os seus outros fundamentais.

Em psicanálise a distinção entre sujeito e ego deveria ser muito clara, mas nem sempre é de fato reconhecida e aplicada, muitas vezes se concebendo o primeiro à “imagem e semelhança” do próprio ego, uma espécie de “self” ampliado ao inconsciente. Tal fato traz obscuridade a textos ditos lacanianos, que adotam um vocabulário próprio dessa vertente psicanalítica, mas o significam com base numa representação de subjetividade atrelada ao sujeito moderno de tipo psicológico.

Poder dar ouvidos a uma enunciação que não se objetiva em signos, mas é como que um evento temporal irredutível à materialidade dos seus instrumentos, é o desafio que se propõe a uma analista em função e para tanto há que resistir à tentação de reduzir a significância a um tipo de substância qualquer e ainda mais o sujeito a um estado ou entidade psíquica[19]. O evento clínico do encontro com Erasto é exemplar, pois nele se dá ouvidos a alguém proveniente de uma tradição que não pode ser acusada de cumplicidade com o “sujeito moderno”.

Mesmo que não houvesse outras razões, que mais não fosse, o caso vale como documento etnográfico ímpar, pela documentação do conto transferencial narrado por um avô a seu neto, num momento de alteridade visceral que, graças ao ensaio, se fixou para sempre.

Julga-se que o termo Aruanda preserva a memória de um dos principais portos de embarque de populações escravizadas no continente africano e atual capital de Angola, uma derradeira marca de lembrança de pés em chão africano firme, antes da travessia atlântica, a qual por sua vez, pela deriva significante, se inscreveu como cemitério e mundo dos mortos que é preciso atravessar para retornar ao plano em que a Lua ou o ar andam. Essa memória coletiva, que preserva a história vivida de gerações de afro-brasileiros, ter-se-ia alçado a metáfora da sua espiritualidade. O que se sabe a respeito em geral foi recolhido e reconstituído com base no que se conta para um outro, pesquisador, e não em família, como transmissão para um neto.

Ora, graças à psicanálise, sabemos que uma narrativa nunca é uma história em si, mas assim como um sonho ou um sintoma, algo que se conta a alguém. E, graças ao cuidado deste registro e ao descuido de censuras eliciado pelo transplante, dispomos agora de um depoimento raro, se não único, a respeito dessa categoria superlativa da espiritualidade afro-brasileira de matriz banta, na forma da narrativa de um avô para um neto, algo em tudo distinto do que se poderia almejar por outros meios. Deste modo ficamos informados de que Aruanda é banhada por águas claras, nem doces nem salgadas, que proveem todas as formas de vida e inclusive o tempo. Mas não apenas, somos igualmente informados de que o tempo se mede e a idade e a experiência se inscrevem mediante marcas na pele dos pés.

Esta história permite-nos ilustrar que o esforço para se colocar no lugar certo para ouvir certas histórias nunca se poderá reduzir a modelos escópicos nem a representações, pois depende de uma posição relativamente ao ser (ao gozo, se se preferir um vocabulário mais técnico), que não necessariamente haveria como traduzir em significados e sentidos verbais[20] . E para que a psicanálise não vire um subproduto de uma época, a subjetividade de uma classe social, o sintoma de uma sociedade ou apenas uma particularidade de uma tradição cultural, é preciso reconhecer que o sujeito nada tem a ver com uma entidade psicológica especifica, é plural e multiforme, outro para si mesmo e ocorre como encruzilhada de mais do que discursos, muitas histórias, ontologias, cosmologias, restos das quais talvez possam ser chamados de cultura.

Mas aqui é preciso avançar com cuidado, evitando a tentação de dizer tudo. De cada vez que se intenta esclarecer exaustivamente conceitos como cultura, sociedade, história, o sentido escapa e se propõe sempre mais adiante, ao sabor dos modismos intelectuais. Tentar suturá-los, como muitos psicólogos adoram fazer, em aglutinações como sócio-histórico, ou históricocultural, ou o impagável biopsicosocial, apenas replica e duplica os impasses.

Uma tese psicanalítica relevante para as ciências sociais, incluída a psicologia, se não para todas as pretensões de cientificidade, é a reiteração de que todos os sistemas de pensamento são “furados”. É comovente acompanhar, por exemplo, os esforços de clareza e de debate como o que envolve antropólogos a respeito de cultura, mas acima de tudo, o que haveria a dizer é que nada se fecha semanticamente e que essa é a grande contribuição psicanalítica para esses debates, uma subtração[21].

Porém, não basta enunciá-lo a respeito dos outros. É necessário refletir sobre o que se diz quando se dizem conceitos psicanalíticos. O inconsciente, o recalcado, o irrepresentável, precisam ser calculados, mas não podem ser incluídos como dados positivos, como “coisas” que poderiam ser “objetivadas” retoricamente e referidas conceitualmente, mas sim como operadores na própria escuta analítica.

O negativo tem de estar no próprio aparato de escuta. Em vez de tentar esclarecer as coisas preenchendo-as com a categoria de falta de objeto é preciso que a falta e o negativo sejam constitutivos da escuta analítica. A falta não está apenas do lado de lá, do paciente, mas é constitutivamente medular ao proceder psicanalítico, o que falta quando os artigos definidos reduzem “o paciente” a uma coisa, gramaticalmente, ainda que não conceitualmente. Importa o que se faz discursivamente, e não a representação a esse respeito. Por isso os operadores psicanalíticos também não podem ou não deveriam ser reduzidos a significados conceituais e essa é a grande dificuldade quando se lida com psicanálise.

A este propósito vale a pena honrar o mérito da hesitação de uma enfermeira, registrado no ensaio, que se detém no limite do diagnóstico de alienação e, tendo em vista o estado observado de um paciente recém transplantado de fígado, ainda que o interprete como delirante, se pergunta se vale a pena ou não medicá-lo e abre “o caso” a uma escuta psicanalítica. Como é bom poder interagir de uma forma não competitiva com outros modos de cuidado e constatar que profissionais da saúde e não psicólogos podem ser parceiros e não rivais e que não terá sido inútil o longo e persistente esforço de abertura e de diálogo de gerações de psicanalistas fora dos consultórios particulares para se fazerem ouvir e dar ouvidos às diversas personificações de alteridade na forma de pessoas e de matrizes disciplinares com as quais há que conviver e não há porquê nem como se defender em se arriscando para fora dos consultórios e das sociedades profissionais de semelhantes.

Este caso também pode ser lido como uma advertência contra o risco de procurar o significante no que nos seria mais familiar, nas letras e no que se observa com os olhos, por exemplo, ignorando outras formas culturais de articulação e inscrição da alteridade, presentes mesmo no contexto da sociedade brasileira. No caso, os significantes em pauta, inscrições com e nos pés pelas pedrinhas de Aruanda, são invisíveis a olhos nus, mas podem conduzir as “nossas” experiências. Definitivamente o estatuto da significância não é homogêneo a um modelito teorético imagético em que os conceitos se dão ao olhar e o olhar do observador preenche os pontos e vê a figura subjacente. Naquele universo afro-brasileiro fala-se e escreve-se com os pés[22].

A história de Aruanda, contada de avô para neto, bonita contribuição e fonte preciosa para uma etnopsicologia afro-brasileira, comporta que se pode enunciar com os passos, com a dança, com os pés. Não obstante isso possa ser um desafio para uma psicanálise psicologizada, afeita a dicotomias como natureza e cultura, redutora do significante a classes de “objetos” linguísticos ou semióticos, o Outro pode se consubstanciar à revelia de expectativas etnocêntricas.

REFERÊNCIAS

BAIRRÃO, José Francisco Miguel Henriques “Psicologia cultural: tem a psicanálise alguma coisa a dizer sobre isso?”  In. Rev. Natureza Humana, nº 08, vol. 01, p. 293-312, 2006.

BAIRRÃO, José Francisco Miguel Henriques “Nominação e agência sem palavras: o audível não verbal num transe de possessão”. In F. V. Bocca, F. Caropreso & R. T. Simanke (Orgs.), O movimento de um pensamento: ensaios em homenagem a Luiz Roberto Monzani (pp. 155-172). Curitiba: CRV, 2011a.

BAIRRÃO, José Francisco Miguel Henriques. “A propósito do Outro, etnográfico e em psicanálise”. Revista de Filosofia Aurora. Curitiba, v.23, p. 345 – 358, 2011b.

BAIRRÃO, José Francisco Miguel Henriques “Etnografar com Psicanálise: Psicologias de um ponto de vista empírico”. Cultures-Kairós: Revue d’Anthropologie des pratiques corporelles et des arts vivants, v. 5, p. 1197, 2015.

BAIRRÃO, José Francisco Miguel  Henriques “Dança Vida: A Aldeia de Jupiara” (pp. 386-415) In: J. F. M. H BAIRRÃO & M. T. A. D. COELHO (Orgs.)  Etnopsicologia no Brasil: teorias, procedimentos, resultados. Salvador: EDUFBA, 2015b.

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DUNKER, Christian Ingo Lenz Mal estar, sofrimento e sintoma: uma psicopatologia do Brasil entre muros. São Paulo: Boitempo Editorial, 2015.

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GONZALEZ, Lélia. “A categoria político-cultural da amefricanidade”. Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, n. 92/93, jan./jun. 1988. pp. 69-82

LACAN, Jacques. (1973) “O aturdito” em Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, p. 448-497, 2003.

MORAES, Camila Para quem, tolera acarajé. Jornal El País, em 21 de janeiro de 2016. Disponível em:<http://brasil.elpais.com/brasil/2016/01/21/cultura/1453397717_939023.html>.

PAULON, Clarice Pimentel. Introduzindo o conceito de narrativa em psicanálise: sobre um operador comparativo para o estudo de casos clínicos. Tese de doutorado, Universidade de São Paulo, 2018. Disponível em: <https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/47/47133/tde-18042018095218/?gathStatIcon=true.>.


* Clarice Pimentel Paulon é psicanalista, professora colaboradora III no IPUSP, supervisora e professora da residência integrada em psiquiatria da prefeitura de São Paulo. Áreas de interesse e atuação: psicanálise e suas interfaces com as ciências da linguagem, política, cultura e saúde pública.


** José Francisco Miguel Henriques Bairrão é psicanalista, livre docente pela FFCLRP-USP, pesquisador e professor de psicologia social no Departamento de Psicologia e coordenador do laboratório de Etnopsicologia da FFCLRP-USP. Áreas de interesse e atuação: epistemologia da psicologia, filosofia e psicanálise.



[1] O caso aqui narrado aconteceu em 2010. Foi escrito em 2015 após uma série de trocas clínicas e acadêmicas entre os autores. Retomado em um ciclo de debates sobre epistemologia e política, em um congresso em 2019 (Jornadas da transformação: neoliberalismo, corpos e clínicas da transformação – Montevideo, 2019). O que é aqui publicado são as trocas entre os autores, produzindo, então, um ensaio clínico-político.

[2] GONZALEZ, Lélia. “A categoria político-cultural da amefricanidade”. Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, n. 92/93, jan./jun. 1988. p. 69.

[3] BAIRRÃO, José Francisco Miguel Henriques “Psicologia cultural: tem a psicanálise alguma coisa a dizer sobre isso?”  In. Rev. Natureza Humana, nº 08, vol. 01 (pp. 293-312), 2006.

[4] FREUD Sigmund (1919) “Lo ominoso.”  In. Obras Completas de Sigmund Freud. Buenos Aires: Amorrortu Editores, 1979.

[5] FREUD, Sigmund (1900) A interpretação dos sonhos. Porto Alegre: L&PM Editores vol I. Tradução Renato Zwick, 2012.

[6] Remetemos aqui a noção de acontecimento discursivo de Michel Pêcheux (2002) que aponta para as transformações que podem ocorrer no discurso a partir de suas re-contextualizações constantes. Uma palavra muda sua direção (seu sentido) a partir do lugar em que se instaura na fala.

[7] BAIRRÃO, José Francisco Miguel Henriques “Psicologia cultural: tem a psicanálise alguma coisa a dizer sobre isso?”  In. Rev. Natureza Humana, nº 08, vol. 01, 2006, p. 299.

[8] FREUD Sigmund (1919) “Lo ominoso.”  In. Obras Completas de Sigmund Freud. Buenos Aires: Amorrortu Editores, 1979, p. 237.

[9] FREUD Sigmund (1919) “Lo ominoso.”  In. Obras Completas de Sigmund Freud. Buenos Aires: Amorrortu Editores, 1979, p. 237.

[10] FREUD Sigmund (1919) “Lo ominoso.”  In. Obras Completas de Sigmund Freud. Buenos Aires: Amorrortu Editores, 1979, p. 240.

[11] Devido à falta de informações aqui, preferimos não especificar qual dessas religiões era praticada na memória ancestral de Erasto.

[12] FREUD Sigmund (1919) “Lo ominoso.”  In. Obras Completas de Sigmund Freud. Buenos Aires: Amorrortu Editores, 1979.

[13] BAIRRÃO, José Francisco Miguel Henriques “Psicologia cultural: tem a psicanálise alguma coisa a dizer sobre isso?”  In. Rev. Natureza Humana, nº 08, vol. 01, 2006, p. 299.

[14] BUTLER, Judith El yo y el tú. In Butler, J. Dar cuenta de sí mismo: Violencia ética e responsabilidad. Buenos Aires: Amorrortu, 2009.

[15] DUNKER, Christian Ingo Lenz Mal estar, sofrimento e sintoma: uma psicopatologia do Brasil entre muros. São Paulo: Boitempo Editorial, 2015.

[16] LACAN, Jacques. (1973) “O aturdito” em Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. pp. 448-497, p. 492.

[17] PAULON, Clarice Pimentel. Introduzindo o conceito de narrativa em psicanálise: sobre um operador comparativo para o estudo de casos clínicos. Tese de doutorado, Universidade de São Paulo, 2018. Disponível em: <https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/47/47133/tde-18042018095218/?gathStatIcon=true>.

[18] MORAES, Camila Para quem, tolera acarajé. Jornal El País, em 21 de janeiro de 2016. Disponível em: <http://brasil.elpais.com/brasil/2016/01/21/cultura/1453397717_939023.html>.

[19] BAIRRÃO, José Francisco Miguel Henriques “Etnografar com Psicanálise: Psicologias de um ponto de vista empírico”. Cultures-Kairós: Revue d’Anthropologie des pratiques corporelles et des arts vivants, v. 5, p. 1197, 2015

[20] BAIRRÃO, José Francisco Miguel Henriques “Nominação e agência sem palavras: o audível não verbal num transe de possessão”. In F. V. Bocca, F. Caropreso & R. T. Simanke (Orgs.), O movimento de um pensamento: ensaios em homenagem a Luiz Roberto Monzani (pp. 155-172). Curitiba: CRV, 2011a

[21] BAIRRÃO, José Francisco Miguel Henriques. “A propósito do Outro, etnográfico e em psicanálise”. Revista de Filosofia Aurora. Curitiba, v.23, p.345 – 358, 2011b

[22] BAIRRÃO, José Francisco Miguel  Henriques “Dança Vida: A Aldeia de Jupiara” (pp. 386-415) In: J. F. M. H BAIRRÃO & M. T. A. D. COELHO (Orgs.)  Etnopsicologia no Brasil: teorias, procedimentos, resultados. Salvador: EDUFBA, 2015b




COMO CITAR ESTE ARTIGO | PAULON, Clarice Pimentel; BAIRRÃO, José Francisco Miguel Henriques (2021) Trata-se de cultura? epistemolinguagem, clínica e política. Lacuna: uma revista de psicanálise, São Paulo, n. -11, p. 3, 2021. Disponível em: <https://revistalacuna.com/2021/08/04/n-11-03/>.