A cada passo parece menos aventureiro falar em um segundo boom da psicanálise no Brasil. Há razões clínicas, teóricas, culturais, econômicas e políticas que aparentemente o evidenciam. Menos evidente é o fato de ele ser sintomático, no sentido forte do termo: uma tentativa de cura, ou pelo menos a melhor que se tem à disposição antes que se tornem nomeáveis ou conscientes as razões que o formaram. Ao assumirmos o dito segundo boom, uma reflexão dupla se impõe: o que é repetição e o que é diferença quando reencontramos no presente o primeiro boom, que ocorreu nos tempos da ditadura? Ninguém exigirá que se saiba imediatamente a que esse segundo boom da psicanálise se destina, mas não devemos tardar a firmar a que ele(-)não deve se destinar. Tempos de pessimismo na razão e otimismo na vontade, como no clássico, são tempos cansados.
A superação do cansaço carece de um certo luto da capacidade de realizar mediações, de manejar prudências e de ultrapassar as vaidades. Conciliações são acordos que pressupõem, digamos, alguma sensatez, mas para isso é preciso pactuar a sensatez, ou seja, é condição de seu acontecimento que haja um mínimo de dois dispostos a tal. A convivência íntima entre dissensos classicamente combina com as democracias, mas contemporaneamente força-se o estado de guerra para torná-la impraticável. Igrejas e Exércitos, centenariamente definidos como massas artificiais, exibem-se como Estado, metamorfoseiam-se nele a olho nu ante uma plateia de cansados. Perdidos, no escuro, de luto, mas em tempo algum derrotados: voltemos ao princípio, esse âmago incorruptível e imperecível da vontade, que desativa o teatro farsesco da guerra psicológica. Para o ano que vem, um passo aquém. Um fôlego, um fulgor que ilumine o princípio para tomar os meios e reconstruir os fins. Há de não ser fácil, mas há de ser luta: tempos de guerra, como na canção, são tempos sem sol. ♦